Escrito por: Redação

A educação em tempos de desafios globais

Uma análise das tendências na América Latina e o papel dos sindicatos na defesa da educação pública

 

O atual cenário da educação, com foco nas tendências observadas na América Latina, o papel crucial dos sindicatos neste contexto e a educação pública como ferramenta de transformação social. Para a pesquisadora do Observatório Latino-Americano de Política Educativa da Internacional da Educação (OLPE-Ieal), Gabriela Bonilla, é preciso refletir sobre os desafios enfrentados pela educação na América Latina e as estratégias necessárias para fortalecer o setor. "A educação pública é um direito fundamental e, mais do que nunca, precisa ser defendida", afirmou.

Destacando a importância da união, da solidariedade internacional e da defesa intransigente da educação pública, a pesquisadora aborda desde as resoluções do último congresso mundial da Internacional da Educação até as estratégias para o futuro e a luta pela paz e pela igualdade dentro e fora do contexto educacional. A educação extrapola governos, escolas e cenários globais e o mundo vive um momento marcado por uma onda de movimentos por direitos e desafios à democracia, avaliou.

Nesse contexto, Bonilla destaca as principais deliberações do 10º Congresso Mundial da Internacional da Educação, realizado na Argentina, com forte voz dos/as trabalhadores/as da educação pela paz, a defesa do investimento público na educação em todos os níveis e a reivindicação de diálogo com os sindicatos. "Se não tem paz, não tem condições para construir democracia e não tem condições para gerar processos de diálogo com o setor trabalhador”, afirmou Gabi Bonilla.

A pesquisadora alerta para a ascensão de governos conservadores de extrema direita que, mesmo eleitos democraticamente, destroem as instituições democráticas, cortam investimentos em políticas públicas e fazem discursos de ódio e desinformação como estratégia política.

Licenciada em Antropologia Social e Educação, Gabriela tem dois títulos de mestrado: o primeiro em Gestão de Projetos com foco em Justiça Climática, pelo Project Management Institute e  outro em Comunicação e Desenvolvimento, pela Universidade da Costa Rica. Com mais de 20 anos de vivência no movimento sindical, ocupou a coordenação da Ieal por sete anos.

América-Latina – Bonilla identificou um conjunto de oito tendências preocupantes que afetam a educação na América Latina. A começar pela naturalização de alianças público-privadas, com ministérios da educação aceitando a participação de atores não estatais, inclusive aqueles sem expertise pedagógica, na formulação de políticas.

Paralelamente, o setor empresarial busca influenciar essas políticas, apresentando-se como tecnicamente neutro, mas com uma agenda ideológica clara de controle sobre conteúdos e práticas pedagógicas. Ela citou a padronização curricular, exemplificada pela aliança da Khan Academy com a Fundação Lehman, que facilita a venda de serviços educacionais em larga escala, resultando em perda de soberania pedagógica. “E quando nossos governos, nossos Ministérios da Educação não compreendem a importância da soberania pedagógica, é que se abre a porta para muitos negócios privados que fazem experimentos na educação pública”, afirmou.

Além disso, complementa, há a crescente pressão sobre as condições de trabalho no setor público, com ataques a salários, empregos, direitos de negociação e férias, debilitando a educação pública como um todo. Outras tendências incluem a influência de setores religiosos e militares na definição de políticas educativas, com impactos negativos em conteúdos como direitos humanos e de gênero, exemplificados por casos na Costa Rica, Peru e Bolívia.

Bonilla observa que existe uma substituição dos sindicatos por outros grupos no diálogo com os governos, desrespeitando o direito à negociação coletiva. A influência de organismos internacionais como o Banco Mundial e o BID, através do financiamento de reformas educacionais com empréstimos que condicionam as políticas, também é um ponto de alerta.

Ela destacou o eufemismo da "inovação financeira" como disfarce para formas de privatização, como vouchers e pagamento por resultados. Por fim, a falta de atratividade da carreira docente, devido à falta de valorização, o burnout, a ampliação da idade de aposentadoria e a escassez de vagas, que ameaça gerar uma carência de 3 milhões de professores na região até 2030, reforçando a necessidade de formação sólida e presencial.

A Força da União e a Luta Contínua

A importância de currículos completos, com matérias como história e estudos sociais, para promover debates sobre democracia e o futuro dos povos e o papel único dos educadores nesse processo, segundo Bonilla, são diferenciais importantes. “Porque é aí onde vamos fazer os debates sobre as democracias e o que significa a construção do futuro dos nossos povos”. O trabalho em sala de aula, lembra, é uma ação “que ninguém, nenhum outro setor tem, só os/as trabalhadores/as da educação”.

Ela enfatizou a força dos encontros sindicais, da solidariedade internacional e da presença nas comunidades, especialmente através do movimento pedagógico, ressaltando o respeito que os/as professores/as têm nas comunidades e a importância de dialogar com famílias e estudantes para defender a educação pública. “Nossa esperança vem da claridade dos nossos efeitos”, lembrou. Bonilla citou Estela Maldonado, da Argentina, que destaca a importância de acreditar que todos os estudantes podem ter um futuro melhor.

O Papel do Brasil e as Alianças Estratégicas

O Brasil tem papel fundamental com seus sindicatos (CNTE, Contee, Proifes) na construção de alianças com países lusófonos, fortalecendo a voz da América Latina e da África lusófona dentro da Internacional da Educação. A pesquisadora ressaltou os avanços do Brasil em políticas públicas, como o combate à pobreza e ao racismo, o fortalecimento da universidade pública, e a importância da diversidade nas autoridades educacionais.

"A região está olhando para o Brasil. Mesmo o país tendo muitas complicações e desafios, as pautas que já estão colocadas, os avanços já colocados estão fortes e já estão em um patamar que não é fácil de apagar”, avaliou. Ela lembrou que a presença do professor e presidente da CNTE, Heleno Araújo, na vice -presidência Mundial para América Latina da Internacional da Educação e que, segundo Bonilla “é vista como uma grande vantagem para a região”.

Compromisso com a diversidade

Em linha com a defesa da educação laica, Gabriela Bonilla, reafirmou “o direito à educação para todas, todos e todes, assim como o direito a condições de trabalho dignas”. A Internacional da Educação se compromete a defender os direitos trabalhistas de seus membros LGBTQIA+ (gays, lésbicas, bissexuais, pessoas trans e não binárias), garantindo igualdade e respeito.

Bonilla enfatizou ainda a responsabilidade de assegurar que estudantes LGBTQIA+ encontrem na educação pública um espaço seguro e acolhedor. “Independentemente de crenças religiosas”, conclui.  “Educadores e dirigentes sindicais têm o mandato de defender o direito à educação dos estudantes e as condições de trabalho de todes os trabalhadores”, reforça.

Em 2024, disse, “nós conseguimos que o painel de alto nível das Nações Unidas fizesse um documento com 59 recomendações”. São recomendações que, lembrou, têm que ser seguidas pelos governos para cuidar da profissão de educação. “Então, em 2025, o nosso comitê regional, por meio de nossa presidenta Sônia Alessio, vai continuar difundindo e cobrando também dos nossos governos que sigam essas recomendações.

Ela destaca que o comitê regional intensificará a cobrança aos governos e organismos internacionais (a Unesco, a Unicef, a OIT). “Temos que agir fortemente sobre as miradas críticas da desinformação e do discurso de ódio”, afirma Bonilla, defendendo uma ‘educação carinhosa', inspirada em Paulo Freire. “Não podemos perder. Estamos obrigados a ter esperança”, conclui