Escrito por: CNTE
O projeto de lei (PL) nº 3.599/23, de autoria das deputadas federais Érika Kokay (PT-DF) e Lêda Borges (PSDB-GO), em tramitação na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, com parecer favorável do relator, dep. Rafael Brito (MDB/AL), tem por finalidade incluir, “entre os profissionais da educação escolar básica, relacionados no art. 61 da Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional (LDB), os psicólogos e assistentes sociais integrantes das equipes multiprofissionais mantidas pelas redes públicas de educação básica, nos termos da Lei nº 13.935, de 2019, que dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nessas redes escolares”.
Outra alteração incorporada ao projeto, através do substitutivo do relator, refere-se à reinclusão dos psicólogos e assistentes sociais na subvinculação mínima de 70% do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb, destinada exclusivamente à remuneração dos profissionais da educação.
O texto original da Lei nº 14.113/20 (Fundeb) extrapolou o comando do inciso XI do art. 212-A da Constituição Federal para autorizar o pagamento desses profissionais na mesma rubrica dos profissionais da educação. Posteriormente, a Lei nº 14.276/21 remanejou, também de maneira imprópria, o pagamento da remuneração de psicólogos e assistentes sociais que prestam serviços na educação básica pública para outra fonte do Fundeb (30%), mantendo, porém, a afronta ao art. 71, IV da LDB, que não considera essa despesa como sendo de manutenção e desenvolvimento do ensino, in verbis:
Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: (...) IV - programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social; (...)
Para tentar contornar o supracitado impedimento na LDB, e buscando respaldar a Lei nº 13.935/19, o PL nº 3.599/23 se vale de uma estratégia ainda mais danosa que é a incorporação de psicólogos e assistentes sociais no rol dos profissionais da educação (art. 61 da LDB). Além de equivocada e oportunista, a proposta parlamentar não dialoga com as estruturas de formação, reconhecimento e valorização dos profissionais da educação, previstas nos artigos 61 a 67 da lei geral da educação e em outras legislações que regem o trabalho de professores, especialistas e funcionários da educação.
Tanto a psicologia como a assistência socialsão profissões com regulamentações próprias que as diferenciam dos profissionais da educação, ainda que, em determinados casos, haja previsão de atuação de seus profissionais para prestar suporte às redes escolares. E essa diferenciação ocorre tanto no aspecto acadêmico quanto social e de categorização do trabalho no Brasil. No caso da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, responsável por organizar as profissões nos diversos instrumentos públicos, a exemplo do Censo Demográfico e demais pesquisas socieconômicas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, além da pesquisa sobre a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego, os profissionais da educação ocupam a CBO 2331, os psicólogos a CBO 2515 (com classificação específica para “psicólogos educacionais” – CBO 2515-05) e os asssitentes sociais a CBO 2516.
O mesmo ocorre no registro de ocupação profissional para fins de declaração anual do Imposto de Renda da Pessoa Física no Brasil, onde os professores e outros profissionais do ensino estão classificados na categoria 07 (códigos 290 a 296) e os psicólogos e assistentes sociais na categoria 05 (códigos 255 e 258, respectivamente), que compreende a ocupação dos profissionais das ciências jurídicas, sociais e humanas.
Por óbvio que os psicólogos e assistentes sociais estão aptos a contribuir com seus conhecimentos em diferentes locus sociais, inclusive na educação, o que não descarecteriza suas profissões, tampouco as que com eles interagem. A título de exemplo corriqueiro, na esfera do Poder Judiciário, esses profissionais operam em espaços psicossociais e de reabilitação socioeducativa, junto com os pedagogos, mas nem por isso se confundem com as profissões jurídicas e não passam a integrar as carreira dos servidores do judiciário.
Por que, então, essa pretensão na educação? Tudo indica que a questão se relaciona com a possibilidade de ampla reserva de mercado nas escolas públicas e redes de ensino e com a garantia de fundo público para financiar as remunerações. E isso não pode justificar tamanha investida contra a profissão docente, dos/as pedagogos/as e orientadores/as educacionais e dos/as funcionários/as da educação.
Entre as justificativas do PL nº 3.599/23 para inserir psicólogos e assistentes sociais na categoria dos profissionais da educação, é citada a escalada da violência contra as escolas e suas comunidades, o mesmo argumento utilizado por diversos gestores para transformar escolas públicas em instituições cívico-militares, ao arrepio de fundamentos teóricos, legais e sociais. E todos conhecemos os danos que a militarização têm causado às escolas, estando longe de resolver os casos de violência. Pelo contrário! Constata-se no dia a dia crescentes agressões física, verbal, sexual e psicológica, além de intimidações e assédios praticados por agentes militares contra estudantes, educadores e familiares nas escolas militarizadas, que passaram a adotar critérios seletivos para as matrículas dos estudantes, em total afronta ao princípio do acesso universal e plural às escolas públicas. E cabe registrar, desde logo, que não se trata de afirmar levianamente que os mesmos efeitos colaterais da militarização escolar ocorrerão no caso de recohecimento de psicólogos e assistentes sociais como profissionais da educação.
Essa questão, em particular, passa por dimensionar as consequências e tensões decorrentes da transposição e sobreposição de afazeres entre os profissionais que atuam nas escolas e seus impactos na condução da proposta pedagógica, mesmo com o advento da Lei nº 13.935/19. Neste sentido, o supracitado art. 71, IV da LDB continua sendo um importante garantidor das bases de organização do trabalho escolar, além de essencial para assegurar a valorização dos profissionais da educação.
Ainda sobre essa última perspectiva, a LDB é categórica em classificar todas as áreas de atuação em parceria com as escolas como sendo suplementares, pois não fazem parte da essência do trabalho pedagógico. A educação é uma ciência própria para a qual são formados profissionais em cursos de Pedagogia, Licenciaturas e em áreas administrativas, esses últimos com formação técnica-profissional ou superior de base pedagógica para atuar em secretarias, alimentação, segurança, limpeza e infraestrutrura escolar. Fora as especialidades contidas na Lei nº 12.014/09, todas as demais que atuam direta ou indiretamente nas escolas são consideradas suplementares, não fazendo parte da estrutura do quadro funcional da educação.
Por fim, é importante destacar que os/as trabalhadores/as em educação se mantêm empenhados/as em reverter a violência nas escolas, e exigem mais investimentos do Poder Público para honrar esse compromisso. Além de formação continuada aos profissionais da educação, as escolas precisam contar com o apoio suplementar de diferentes áreas, seja da segurança, da assistência social e psicológica ou da saúde. As escolas não são ilhas de convivência e reproduzem todos os fenômenos da sociedade globalizada.
Daí a importância de se vincular as ações preventivas e corretivas de combate à violência aos currículos escolares, voltados à cultura de paz e ao respeito às diversidades. É por esse caminho que a educação contribui para a transformação social. E compete aos demais profissionais que interagem nas escolas compreenderem as relações de afeto, respeito e confiança que envolvem os processos de aprendizagem e as ações educativas entre estudantes e os profissionais da educação, caso contrário suas intervenções serão contraproducentes.
Brasília, 24 de novembro de 2023
Diretoria da CNTE