Escrito por: CNTE

Ajuste fiscal precisa priorizar novas receitas e preservar o social

imagem de Arquivo/Agência Brasil

Desde o golpe de 2016, quando o mantra neoliberal voltou a dominar a política nacional e a apregoar que a Constituição Cidadã de 1988 não seria compatível com o Orçamento Público – sendo necessário um novo processo de reformas para cortar direitos, privatizar serviços públicos e terceirizar o funcionalismo –, a CNTE se posiciona permanentemente contra essas orientações e em defesa de mais tributação dos ricos e super-ricos (que praticamente não pagam impostos no Brasil), da atualização da tabela do Imposto de Renda e da reversão da estrutura tributária regressiva que castiga os mais pobres e a classe trabalhadora em geral. Em contrapartida, tais medidas são fundamentais para ampliar os investimentos sociais, caminhando em direção à superação das históricas desigualdades que causam exclusão, violência e desesperança à maioria do povo brasileiro. A reforma tributária cumpre em parte essas demandas, mas é preciso avançar muito mais!

O Governo Lula foi eleito com a perspectiva de melhorar a vida do povo e precisa manter e ampliar as políticas de bem-estar social, sem se render às pressões do mercado e das bancadas parlamentares que defendem os interesses das elites econômicas e que, aliadas a outros setores do Congresso Nacional – inclusive a alas de sustentação ao Governo –, tentam impor medidas de contenção fiscal que representam arrocho na vida de milhões de brasileiros, priorizando o orçamento público aos acionistas da dívida e às subvenções para o empresariado urbano e rural (agronegócio) que pouco contribuem para elevar as condições sociais de nossa gente. A estúpida concentração de renda continua sendo o fiel da balança em nossa sociedade.

Neste sentido, a coerência e a necessidade de qualquer ajuste fiscal no Brasil consiste em atacar privilégios concedidos a ricos empresários e banqueiros, na forma de isenções e imunidades fiscais (vide a lista das subvenções divulgada pelo Ministério da Fazenda), bem como a setores do alto escalão do serviço público que mantêm pensões extemporâneas, no caso dos militares, e remunerações que excedem largamente o teto constitucional, a exemplo da Magistratura, do Ministério Público e mesmo das carreiras Militares.

Também é extremamente urgente rever a política de juros que onera o andar de baixo da pirâmide social, em benefício de credores da dívida pública (pendente de auditoria), e as emendas parlamentares, especialmente as que integram o “Orçamento Secreto” e que insistem em desvirtuar a eficiência do Estado para beneficiar currais eleitorais em áreas de atuação prioritárias de deputados e senadores em conluio com governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores. E essa situação, além de esdrúxula, pois nem consegue mapear a destinação final das “emendas”, afronta gravemente a democracia e os princípios que regem a gestão pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, além da eficiência.

Com base nesses pressupostos, é preciso reconhecer que a proposta de ajuste fiscal do Governo, apesar de conter questões estruturais e indispensáveis para transpor as desigualdades socioeconômicas em nosso país, encontra-se descalibrada nos cortes sociais e tímida na promoção da justiça tributária e orçamentária. Sobre a parte das receitas potenciais, o pacote ficará condicionado ao bel sabor do Congresso, a partir de 2025, que poderá aprovar ou não a isenção do Imposto de Renda para pessoa
física até R$ 5.000,00, a tributação dos super-ricos (recentemente rejeitada no bojo da reforma Tributária), a revisão de isenções fiscais ineficientes (mantidas e ampliadas pelo Congresso no recente projeto de energias não poluentes), ou ainda, e mais improvavelmente, o corte de R$ 39,3 bilhões em emendas parlamentares até 2030, valor que mesmo abaixo do necessário dificilmente será cumprido por um Congresso cada mais sedento por verbas públicas para fins eleitoreiros.

Por outro lado, preocupa o fato de a maior parte do ajuste fiscal se concentrar em medidas de efeitos imediatos e com grande impacto social, como a limitação ao ganho real do salário-mínimo, os cortes no abono salarial e na Cultura (Lei Aldir Blanc), os ajustes no BPC, a manutenção da DRU, além da inclusão de despesas extras na complementação federal ao FUNDEB. E, apesar de as medidas do Governo terem preservado os pisos constitucionais da Saúde (art. 198, CF) e da Educação (art. 212, CF), o fato dessas rubricas permanecerem no Arcabouço Fiscal (Lei Complementar nº 200) faz com que o Congresso tente revê-las sob o argumento de incompatibilidade desses pisos com o projeto de ajuste. Por isso, a CNTE reitera a necessidade de exclusão imediata dos recursos constitucionalmente vinculados à educação e à saúde do Arcabouço Fiscal, respeitando-se o caráter de prioridade concedido pela Carta Magna a essas duas políticas públicas na formatação do Estado brasileiro.

Sobre a complementação da União ao FUNDEB, a destinação de R$ 42,3 bilhões, até 2030, para financiar a expansão das matrículas em tempo integral, conforme a Lei nº 14.640, significará menos recursos para outras áreas de manutenção e desenvolvimento do ensino, sobretudo para honrar as folhas salariais de professores, especialistas e funcionários da educação que lutam pelo cumprimento do piso do magistério, pela regulamentação do piso nacional aos demais profissionais da educação (art. 206, CF) e pela valorização dos planos de carreira nos estados, DF e municípios. Essas demandas, além de outras, estão balizadas no aumento da complementação da União ao FUNDEB, aprovado em 2020, especialmente através do novo valor aluno ano total (VAAT), que expandiu o financiamento público às redes escolares dos Municípios e que agora corre o risco de sofrer contenções por parte do ajuste fiscal. A política de atualização do piso do magistério também seria afetada no primeiro ano dessa possível alteração na complementação do FUNDEB, causando mais prejuízos aos trabalhadores.

Diante do exposto, a CNTE se posiciona terminantemente contra as medidas do ajuste fiscal que comprometem a qualidade de vida da classe trabalhadora e a assistência prestada à parcela da população pobre do país, ao mesmo tempo em que requer maior justiça na tributação e na alocação dos recursos orçamentários (menos despesas com dívida e mais investimento social). Requer, ainda, entre outras medidas, a imediata aprovação do PL 2.337/2021, em sua parte que trata da taxação de lucros e dividendos com expectativa de arrecadação, ainda tímida, de aproximadamente R$ 200 bilhões anuais, dos quais pelo menos a metade ficará em poder do Governo Federal e a outra parte será destinada aos entes subnacionais pelo regime de partilha do Fundo de Participação dos Estados - FPE e do Fundo de Participação dos Municípios – FPM. No caso da União, se essa medida estivesse vigente em 2024, o Governo Central não estaria em situação de déficit orçamentário (mesmo com as ilegítimas isenções e contabilizações previdenciárias indevidas), mas sim com superávit de cerca de R$ 30 bilhões!

Sobre o FUNDEB e demais receitas vinculadas à educação, a CNTE e seus sindicatos filiados, juntamente com outras entidades da sociedade civil, atuarão para resguardar as atuais fontes de financiamento e para alocar outras que financiem a expansão das matrículas em tempo integral e todas as metas do atual e do próximo Plano Nacional de Educação, garantindo, para tanto, a aplicação equivalente a 10% do Produto Interno Bruto - PIB na educação pública ao longo da próxima década.

Nenhum direito a menos!


Brasília, 17 de dezembro de 2024


Diretoria da CNTE