Escrito por: CNTE
Raimunda Gomes
Professora em Amazonas, Mestra em Educação e atual secretária de Comunicação da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)
Renato Bazan
Repórter no Portal CTB. Além do jornalismo sindical e político, escreve sobre ciência e tecnologia e é pesquisador da área de Realidade Virtual e Aumentada aplicada ao jornalismo.
Além do Projeto Escola Sem Partido (PLS 193/2016, PL 1411/2015 e PL 867/2015), que visa a neutralizar o caráter político da educação no Brasil, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), outro caminha de forma independente na Câmara dos Deputados, apresentado pelo deputado Izalci Lucas (PSDB-DF). Ambos pretendem alterar a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação para punir professores que se manifestarem sobre “ideologia, religião, moral, política e posição partidária em sala de aula” - qualquer coisa que não seja aprovada pelo governo. Em uma terceira via, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) propõe outro PL para alterar o Código Penal brasileiro, incluindo o crime de “assédio ideológico” no texto, com pena de detenção de três meses a um ano.
“Trata-se de um projeto que retoma os mecanismos utilizados no período da ditadura, que impôs conteúdos e metodologias de ensino de acordo com a ideologia do golpe de
1964, que estabeleceu a censura a determinados autores, alegando doutrinação ideológica, e que determinou a perseguição e a repressão contra educadores não coniventes”, escreveram Claudia Dutra e Camila Moreno, especialistas em Direitos Humanos e Cidadania, à Carta Capital. Ambas integraram o MEC durante o
governo Dilma.
O mapa mostra como, em todo o Brasil, dezenas de projetos similares avançam. Todos seguem o discurso de cooptação do imaginário popular, aproveitando-se do sentimento antipolítico. Nesse sentido, o combate à ideologia de gênero e a negação da importância das Ciências Humanas têm sido um lugar-comum.
A recepção negativa das propostas é predominante entre especialistas, inclusive no Ministério Público Federal e na Advocacia-Geral da União. Em julho de 2016, o Escola
Sem Partido sofreu um duro revés quando esses órgãos declararam quaisquer projetos dessa natureza inconstitucionais. “Ele está na contramão dos objetivos fundamentais da República, especialmente os de ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’ e de ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’”, escreveu o MPF, à época. A AGU, de forma similar, criticou-o duramente ao ser consultada pelo STF.
Por trás da falácia
A ideia central da Lei da Mordaça, de que seria possível desvincular conhecimentos científicos e culturais da ideologia, é tão ingênua quanto esdrúxula. Revela uma profunda falta de intimidade com a tarefa do magistério, pois, ao transmitirmos conhecimento, imprimimos sobre ele nossas próprias convicções. Ao mesmo tempo, exigimos dos nossos ouvintes que façam o mesmo. É um processo permanente de interferência.
O historiador Leandro Karnal não exagerou ao definir essa concepção anti-intelectual de “crença fantasiosa, de uma direita delirante, absurdamente estúpida” em sua última visita ao Roda Viva . “Os jovens têm sua própria opinião, ouvem o professor, vão dizer que o ‘professor é de tal partido’. Eles não são massa de manobra, e os pais e professores sabem disso”, disse.
Em essência, o discurso da “proteção ideológica” dos estudantes revela uma dupla perversidade por parte de seus propositores: primeiro, que acredita que o jovem é desprovido de filtros e julgamento; segundo, que enxerga a escola não como um local de confronto de ideias, mas de confirmação subserviente de valores pré-estabelecidos.
Educar para libertar
O professor doutor Gaudêncio Frigotto tece comentários contundentes contra a Lei da Mordaça em uma de suas publicações recentes, enfocando sua contradição nescapável: “Trata-se da defesa, por seus arautos, da escola do partido absoluto e único: partido da intolerância com as diferentes ou antagônicas visões de mundo, de conhecimento, de educação, de justiça, de liberdade; partido, portanto, da xenofobia nas suas diferentes facetas: de gênero, de etnia, da pobreza e dos pobres, etc. Um partido, portanto, que ameaça os fundamentos da liberdade e da democracia liberal”.
Combater o Escola Sem Partido, em essência, é acreditar que os jovens são capazes de pensar criticamente e de produzir suas próprias sínteses. Igualar a abordagem crítica do conhecimento à subversão é o caminho da submissão aos poderosos - nada menos que um suicídio intelectual coletivo, arquitetado por quem não deseja ser questionado.
Devemos fazer oposição a esses avanços em todas as frentes: organizar demonstrações nas Câmaras Legislativas por onde tramitem esses projetos, publicizar as tentativas de aprová-los em segredo, cooperar com parlamentares aliados à causa da educação. E nos engajar ao máximo na discussão sobre a necessidade da educação transformadora para evitarmos o triunfo da estupidez.
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