Escrito por: CNTE

Artigo - Os idosos LGBTs e a pandemia

 Artigo de Edith Modesto - Profa. Dra. e Mestra em Semiótica e Linguística Geral (USP); Psicanalista; Especialista em Gerontologia; Escritora.

Como a maioria sabe, LGB são iniciais que se referem a "orientações sexuais". Orientações, porque Lésbicas e Gays são pessoas que se sentem atraídas afetivamente e sexualmente por pessoas do mesmo gênero que elas, diferentemente dos heterossexuais que se sentem atraídos por pessoas do outro gênero; Bissexuais são pessoas que se sentem atraídas
afetivamente e sexualmente por qualquer dos dois gêneros: masculino e feminino.

O T, de transgênero, se refere à "identidades de gênero". Identidades, porque temos as evidências de que nem sempre o gênero da pessoa é aquele que suas características físicas
apontam. Por isso o prefixo "trans". Dizem que "trans" se refere à transição entre um gênero e outro, mas minha grande amiga trans, Letícia Lanz, (psicanalista, escritora, mestra em Sociologia), afirma que trans é prefixo de transgressão, já que, nas culturas como a nossa, há regras do que se deve ser e a maioria crê que as características físicas sempre determinam o gênero de alguém. Trabalhando há 30 anos com gênero, também sei que não é bem assim.

Sabemos que ainda no século XXI, há muita gente que não aceita a diversidade de identidades de gênero e de orientações sexuais. Acham que é escolha, que é "sem vergonhice", que é pecado, etc. A isso, denomina-se preconceito. Assim, um dos objetivos desse artigo é esse: divulgar que as pessoas são mais complexas do que se imagina e do que se gostaria, e colocar em questionamento o respeito que devemos ter às diferenças, em oposição a algumas regras já estabelecidas pelo medo de enfrentá-las.

O segundo objetivo deste artigo é falar sobre a velhice. Em, 2025, o Brasil será o 6º país em número de idosos (Schneider e Irigarai, 2008), um número crescente no mundo todo,
em consequência da relação entre o avanço positivo dos cuidados biológicos e a diminuição da natalidade. E quando se pretende juntar os dois assuntos, sexualidade e velhice, nos deparamos com dificuldades, certamente. Mesmo quando pretendemos falar sobre o envelhecimento fisiológico saudável – o processo de senescência – tudo se complica, principalmente se unirmos ao envelhecimento, a sexualidade.

Isso porque a nossa cultura nos propõe que as pessoas idosas são pessoas assexuadas! Mesmo o Estatuto do Idoso, realizado para garantir às pessoas idosas seus direitos como cidadãos, em seu artigo 10, discorre sobre todos os tipos de direito - liberdade de se locomover; de se expressar; de ser religiosa/o; de praticar esportes; participação na vida familiar e da comunidade; participação política; pedir ajuda e refúgio; direito ao respeito à sua integridade física, psíquica e moral, etc., mas não diz absolutamente nada sobre o direito de vida sexual da pessoa idosa.

Isso comprova que neste artigo, estamos tratando de dois fortes preconceitos socioculturais: velhice e sexualidade, questões consideradas e tratadas como antagônicas, mas que intimamente se relacionam e parecem se somar. No Brasil, quando se fala em idosos, também estamos adentrando um campo minado! O idosos é sempre o outro! Aliás, sabemos que existe uma enorme indústria "anti-idade" e uma infinidade de pessoas que vivem dela. Na verdade, estamos falando de outro enorme preconceito: o etarismo.

Isso, falando de sexualidade considerada "normal". Imaginem quando se trata de sexualidade considerada anormal, doentia, safada! Certamente falar de velhice e sexualidade é tratar de enormes preconceitos que se somam! E a pergunta que se apresenta é: considerando a dificuldade das pessoas idosas LGBTs, como será enfrentar uma pandemia? E essa foi a pergunta que fiz a amigas/amigos LGBTs idosos, pertencentes à ONG "Eternamente Sou 60+", da qual sou madrinha e consultora.

Entre as respostas que vieram, sobressaiu o sentimento de solidão, resposta esperada, já que o cuidado básico para se defender e defender os outros desse perigoso vírus é o isolamento. É sabido que nós nascemos com a necessidade fundamental de pertencer a algo, fazer parte de algo, para sentirmos energia de vida. Construir vínculos emocionais é se conectar física e sentimentalmente a outros. Isso é fundamentalmente importante para o ser humano.

"Ora" - alguém pode alegar: "em época de pandemia, apenas um clic do computador nos conecta às pessoas!" E esse assunto daria um livro... Por que será que a conexão virtual parece não nos bastar? Penso que a resposta já foi dada: porque é virtual e o virtual não é todo o real. O ser humano precisa ver, sentir o cheiro, o gosto, tocar o outro para se sentir completamente conectado! E mesmo com a tecnologia, uma sensação de vazio existencial nos persegue...

E, mesmo que a sensação de solidão seja uma consequência comum a todos nós, percebemos que preconceitos e suas consequências, vividos pelas pessoas idosas LGBTs - por elas serem LGBTs - e por serem idosas -, potencializam efeitos mais negativos para essa população, do que para a maioria das pessoas.

Infelizmente não aceitos, ou mal acolhidos por suas famílias, as pessoas LGBTs voltam-se para amigas/amigos, criando vínculos de afeto, e formando o que chamamos de "famílias estendidas". Com a pandemia, isso lhes foi negado. Além disso, a maioria, principalmente dos homens, fica com a área sexual prejudicada.

Impedidos de participarem de reuniões, festas, baladas, socialização prejudicada, se sentem sozinhos e o sentimento de solidão se instala. Estudos realizados nos EUA com pessoas
que usam muito redes sociais mostrou que as pessoas que mais gastam tempo navegando nas plataformas são os que mais se sentem isolados socialmente. Parece que as "vidas perfeitas, as pessoas lindas e felizes" das mídias sociais não conseguem preencher o sentimento de solidão e podem levar a distúrbios emocionais.

Desse modo, aos LGBTs e a todos nós, só resta esperar que as pessoas respeitem os cuidados necessários e aguardem a vacina para que recomecemos, pós pandemia, mais
sábios e acolhedores!

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