Escrito por: CNTE

Bons resultados em testes não são sinais de boa educação

Para professor, na visão atual do MEC, trabalhador e trabalhadora são apenas uma peça da engrenagem

 

Foto: Igor Matias/ Mídia Ninja

Em entrevista no final de janeiro à Revista Veja, o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), diz que para melhorar o ensino do país era preciso um “pacto nacional movido a metas, meritocracia e mais dinheiro.”

Para o professor aposentado da faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp), Luiz Carlos de Freitas, o tripé é um equívoco completo. Não porque o país não precise de recursos financeiros e se debruçar sobre o modelo de ensino, mas porque o método empregado é o mesmo defendido por instituições privadas que visam estabelecer a competição e a não-colaboração como pilares da sociedade. Em formar profissionais para produção e não seres pensantes e questionadores capazes de promover a transformação.

As novas direções do Ministério da Educação (MEC), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) já deixa clara a influência da chamada ‘iniciativa Sobral’, como aponta o professor.

O termo faz referência à cidade do Ceará onde foi implementado o modelo que agora é levado ao país e que alcançou altas notas na avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Em 2021, ficou em primeiro entre municípios com mais de 50 mil habitantes.

“Com Lula, o movimento que houve na época do Temer (MDB), de implementar uma reforma empresarial na educação, de bases nacionais comuns curriculares, também retorna. Durante a transição, conseguiram cavar um espaço confortável e colocar a tonalidade que querem para a educação. Já tinham feito isso no Ceará, Sobral tem sido alardeada com enorme Ideb, o ex-prefeito da cidade, Veveu Arruda (PT), dirige uma Organização Não Governamental (ONG) que faz assessoria educacional e foi convidado pelo Jorge Lemann para estudar nos EUA. Porque o Lemann defende que é preciso ‘sobralizar’ a educação brasileira”, afirma Freitas.

A aguardada volta das fundações

Segundo Freitas, o perfil de gerenciamento do ensino público que vinha sendo desenvolvido antes do governo do ex-presidente derrotado nas últimas eleições, Jair Bolsonaro (PL), voltou com Lula.

Freitas explica que apesar de uma consulta ao diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves, para ocupar o MEC, durante a gestão de Bolsonaro, a pasta ficou sob influência dos setores evangélicos como o ex-ministro, Milton Ribeiro, preso em 2022 após a descoberta de um esquema de corrupção.

Com Lula, o foco que era a questão moral, volta a ser o ‘resultadismo’ e novamente acolhe para a gestão do modelo as instituições privadas que buscam abocanhar recursos públicos.

O problema da proposta, explica, é que boa nota em testes não é sinônimo de educação de qualidade. Segundo o professor, a construção erra ao excluir os movimentos sindical e sociais da participação e ao resumir bons resultados em alfabetização e boas notas.

“Quando enfia todas as crianças em todas as escolas num projeto meritocrático como o Ceará tem, o que se obtém é um grau de disputa que se instaurou na rede atrás de nota alta, de competição entre professores, diretores e estudantes, está formando o caráter de uma geração de maneira disputativa e não colaborativa. Algo que casa bem com a ideia do empreendedorismo defendido pelas ONGs, instituições e fundações”, acrescenta.

Nesse sentido, a lógica privatista prevalece não por meio da entrega das escolas fisicamente ao setor privado, mas sim pela terceirização das unidades de ensino para aplicação da lógica gerencial a ser aplicada aos profissionais da educação e estudantes. Nas quais define-se uma lógica enganosamente simples, de que os testes medem coisas importantes que os alunos devem aprender e, então, responsabilizam-se os educadores para aumentar a pontuação, sem importar-se com a qualidade e o que é ensinado.

Portas abertas e fechadas

Em análises publicadas no blog Avaliação Educacional, Freitas destaca as mesmas críticas feitas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) sobre a forma com o MEC tem recebido diferentes setores da sociedade.

“Enquanto as Fundações têm livre acesso à formulação da política, via Ceará, as entidades educacionais podem opinar desde que de forma tolerante”, afirma.

Em artigo publicado na revista “Estudos em Avaliação Educacional”, da Fundação Carlos Chagas, de Andréia Ferreira da Silva, Luciana Leandro da Silva e Arlane Markely dos Santos Freire, citado por Freitas, as autoras criticam as chamadas políticas de accountability na educação estadual do Ceará, Pernambuco e Paraíba e apontam os impactos para o desenvolvimento do ensino brasileiro.

“Os tipos de mecanismos criados, de acordo com as análises apresentadas, não se orientam pelos princípios democráticos e participativos, que visam a fortalecer a atuação do Estado e da sociedade na garantia do direito à educação universal e igualitária, mas pelos princípios da meritocracia e da competição, adotando, segundo Maroy e Voisin (2013), ferramentas de ‘prestação de contas de tipo empresarial’ em detrimento de ferramentas de “prestação de contas de tipo democrática”, afirma no texto.

O foco desses grupos, como ressaltou recentemente o presidente da CNTE, Heleno Araújo, em artigo, é investir em jovens capazes de produzir e não na formação de cidadãos e cidadãs.

“Em Pernambuco, 3.441.463 pessoas com 25 anos ou mais de idade (56,4% da população do Estado) não concluíram a educação básica. Vale observar que uma pessoa hoje com 25 anos de idade, em 2005 era uma criança de oito anos. Desse modo, constata-se que ao longo desses 17 anos muitas crianças e jovens não tiveram acesso à escola ou foram excluídos dela”, argumenta o presidente da CNTE.

A partir disso, a proposta que o professor deixa é a construção coletiva em oposição a respostas fáceis e milagrosas que interessam apenas a grupos particulares. “Temos de construir um modelo com base em experiência que já temos no país em estados e municípios com um grupo de pessoas. Se o ministro já senta na cadeira com tudo definido, qual participação é possível levar?”, finaliza Heleno Araújo.