Escrito por: CNTE
Aos 60 anos, psicóloga, especialista em psicologia organizacional, mestre em comunicações e doutora em psicologia social do trabalho, já estabilizada profissionalmente, aliás, com mais de 30 anos de experiência na academia ministrando aulas na graduação, tanto disciplinas teóricas quanto em supervisão de estágio, nos cursos de extensão e no pós-graduação, e desenvolvendo várias atividades na consultoria, decidi iniciar outra faculdade.
Como assim? Perguntaram meus familiares. Fiquei pensando em como responder a essa pergunta. E logo veio a resposta: porque estou sempre buscando novos desafios, porque adoro aprender coisas novas, e acima de tudo, porque estou viva! Não era porque eu tinha 60 anos que não podia mais sonhar e talvez até dar uma guinada na minha carreira. Não, ao contrário.
E assim segui com meu objetivo: ser também fisioterapeuta! Ingressei na faculdade como portadora de diploma de curso superior, sem necessidade de prestar vestibular, apenas apresentando meu histórico escolar e uma carta de interesses indicando meus objetivos ao fazer o curso.Tudo deu certo. Fui aprovada e iniciei em 2017, o curso de fisioterapia, no período da manhã, na mesma universidade que ministrava minhas aulas no curso de psicologia no período da tarde e da noite. No início foi estanho para meus colegas de sala e para os docentes me verem como aluna como também foi difícil, para mim, reaprender esse novo papel: o de aluna!
Foram 5 anos de muita aprendizagem. Se estou arrependida? Nem um pouco, aliás, hoje, aos 67 anos de idade, estou terminando uma pós-graduação. E aí me pergunto: até onde esse desejo de beber conhecimentos e de me propor novos desafios vai me levar? A resposta é: até onde eu quiser ! Decidi iniciar esse artigo contando um pouco da minha história. Não para inspirá-la ou inspirá-lo, mas para mostrar que podemos: basta querer e ter em mente que a idade cronológica não pode ser vista como um divisor de águas.
Foi refletindo sobre esse aspecto tão cruel que a sociedade impõe aos mais velhos que decidimos escrever um livro, e-book, que será publicado pela editora EDUC – Editora da PUC-SP no segundo semestre de 2023 cujo mote é levar o leitor a refletir sobre as transformações ocorridas nos últimos anos e os impactos nas carreiras de pessoas com mais de 60 anos (60+). No livro, discutimos as mudanças ocorridas no mercado de trabalho e o que muda para as carreiras ao se chegar no 60+ buscando apresentar o contraponto: de um lado o que as organizações pensam a respeito dos trabalhadores com 60+ e, de outro, como os profissionais idosos pensam sua carreira.
Do ponto de vista organizacional, o livro apresenta as estratégias que as empresas têm utilizado para gerar a inclusão destes trabalhadores no mercado de trabalho e como tem desenvolvido a preparação dos trabalhadores com 60+ para a aposentadoria. Do ponto de vista do trabalhador com 60 ou mais (60+), o que se configura como possibilidade, tanto do ponto de vista do desenvolvimento, como do ponto de vista da transição de carreira. Leva o leitor a rever sua trajetória profissional, e, com isso, a repensar seus passos para além dos 60+ vislumbrando novos significados em suas vidas.
As mudanças fazem parte de nosso tempo. Novos valores precisam ser incorporados na nossa cultura e sociedade para (re) pensarmos a relação das pessoas 60+ no mercado de trabalho. E por falar em tempo... Como escolheremos viver, no nosso tempo, com o que instituímos ser importante na relação homem-trabalho? Ao longo do livro, Carreira 60+, o que muda?, discutimos sobre como deve ser inegociável a reflexão sobre esta relação. Toda a base para a mudança, apesar das inúmeras variáveis que afetam as carreiras, está no modo como vamos construir nossa história com o trabalho.
Do ponto de vista individual, cultural e social. O aprendizado é coletivo. E esse coletivo cultural se perfaz com o reconhecimento e validação de valores e comportamentos. Portanto, o que vamos valorizar e reconhecer, nesta mudança em curso, que tem relação com o modo como lidamos com o trabalho e que pode influenciar e mudar os nossos valores?
Precisamos alterar a visão que temos instituída e que relaciona os 60+ com ‘não produtividade’ e inatividade. Precisamos mudar esses valores que parecem ser tão arraigados que ainda influenciam o modo como pensamos e agimos. Valores que são reforçados por imagens e discursos, na mídia, nas redes sociais, e até mesmo nos corredores das instituições, percorrendo o imaginário do que é ter 60+. Devemos trabalhar influenciando estas percepções. Histórias precisam ser contadas, mas novas histórias também precisam ser vividas. Devemos legar novas visões e valores para a construção de um futuro plural e diverso.
E por falar em legado, qual é o legado que queremos deixar para as próximas gerações? Quais as mudanças queremos para o nosso tempo? Qual é o caminho que queremos deixar trilhado para os jovens, que estão entrando, agora, no mercado de trabalho? Qual a visão de mundo de trabalho queremos adotar? Quais são os pilares que já estão sendo construídos, e os que ainda precisarão ser consolidados?
O Brasil tem registrado o aumento da expectativa de vida de sua população, passando por um dos mais rápidos envelhecimentos demográficos do mundo. Projeções indicam que em 2050 será a quinta maior população do planeta, abaixo apenas da Índia, China, EUA e Indonésia. A pergunta que fazemos é se haverá emprego suficiente para essa população envelhecida?
Como as organizações irão enfrentar essa nova característica do mercado de recursos humanos? Para a Organização Mundial de Saúde – OMS (2015), o preconceito em relação a idade é fenômeno universal sendo necessário muita reflexão e discussão sobre o tema no sentido de se conquistar uma sociedade mais igualitária. Estereótipos em relação a idade influenciam comportamentos e para combatê-la se faz mister a aceitação da ampla diversidade da experiência da idade avançada, um reconhecimento da sua importância.
Aliás, como educadoras e educadores temos o dever de tentar romper tabus, de discutir sobre velhos valores, de levar os discentes a repensar as contribuições das diferentes gerações com as quais convivemos e trabalhamos. Ao longo do livro, Carreira 60+, o que muda? dialogamos e refletimos sobre essas questões. Temos um caminho a percorrer, mas já consideramos esse, um grande começo.
Maria Cristina P. Gattai
Psicóloga, Fisioterapeuta, Mestre em Comunicações pela ECA/USP e Doutora em Psicologia Social e do Trabalho pelo IP/USP. Sócia daGattai Treinamentos. Coordenadora de cursos de extensão em Carreira e Grupos. Docente e pesquisadorado Núcleo de Psicologia do Trabalhoe das Organizações da PUC-SP.Escritora. mgattai@pucsp.br
Laura Marques Castelhano
Psicóloga, Mestre e DoutoraPsicóloga, Mestre e Doutoraem Psicologia pela PUC-SP.Especialista em Gestão de Carreiras e Desenvolvimento Organizacional. Sócia conselheirado Farol de Carreira. Coordenadora de cursos de pós-graduação em Carreiras e Gestão de pessoas.Docente e pesquisadora doNúcleo de Psicologia do Trabalho e Organizações da PUC-SP.lmcastelhano@pucsp.br