Escrito por: CNTE

Casos de violência em escolas expõem sucateamento da educação no país e escalada do extremismo de direita

É necessário adotar ações que combatam os discursos de ódio


 Foto: Roberto Parizotti - Ato em São Paulo (SP) de desagravo a todas às vítimas de violência nas escolas

Pesquisa divulgada nesta quarta-feira (29) pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) aponta que quase metade dos estudantes da rede pública estadual já sofreu algum tipo de violência na escola, o que mostra o sucateamento da educação no país.

De acordo com o levantamento, 48% dos alunos já passaram por situação violenta, número idêntico ao daqueles que tiveram conhecimento sobre agressões sofridas por educadores e educadoras. A maior parte, 71%, disse saber de casos de agressão ocorridos na escola em que frequentam.

O ataque na Zona Sul da cidade de São Paulo que resultou na morte da professora Elizabete Tenreiro, 71 anos, não foi um caso isolado sequer nos últimos dias. Nessa terça-feira (28), um aluno tentou entrar armado numa escola em Santo André. No mesmo dia, um estudante de uma escola da Gávea, na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi contido após tentar esfaquear colegas e funcionários.

Os números expõem o sucateamento das escolas e a realidade precária com a qual trabalhadores/as da educação e estudantes convivem. Um cenário que reúne ausência de políticas preventivas, falta de profissionais nas escolas, como psicólogos para identificar e tratar questões ligadas a potenciais casos de agressão, e um quadro de trabalhadores e trabalhadoras insuficiente para atender a demanda do país.

O professor de filosofia, Hugo Allan Matos, leciona em escolas estaduais paulistas e trata os ataques como uma tragédia anunciada e sistematizada. Para ele, a falta de qualquer cuidado com as pessoas no ambiente escolar, seja com alunos/as, professores/as ou funcionários/as, tem feito da violência algo estrutural e sem nenhum controle.

“Muitos alunos têm medo de entrar no banheiro porque o tráfico de drogas está presente. Precisaríamos de mais segurança, mas que tenha treinamento direcionado, com a presença de psicólogos e psicopedagogos, que são anunciados pela Secretaria de Educação, mas não existem de fato”, analisa.

Em nota, a presidenta da Apeoesp e deputada federal, professora Bebel, lembra que ações como o programa de mediação escolar, criado em 2009 pela Secretaria da Educação a partir de proposta do sindicato, no qual professores e professoras trabalhavam na solução de conflitos e harmonização do ambiente escolar, foi abandonado.

Matos avalia que o assassinato da professora Elizabete dá sinais da situação dramática com a qual convivem os educadores e educadoras.

“Há uma sistemática desvalorização dos professores e da educação em geral. A figura do professor ficou extremamente fragilizada. O aluno que foi expulso de uma escola e transferido para outra por ter feito ameaça de ataque terrorista, deveria no mínimo ter sido acompanhado pelo Estado com ajuda de psicólogos e psicopedagogos e a família deveria ter sido chamada e assistida pelo Estado. Não é só tirar de um lugar e para outro, a escola não pode ser um depósito de jovens”, critica.

Escalada do extremismo de direita

Ao mesmo tempo em que o Estado precisa trabalhar melhorias na estrutura escolar, também é necessário adotar ações que combatam e punam os discursos de ódio fomentados pela extrema direita e que levam a muitos dos atentados.

No Twitter, o professor e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Daniel Cara, aponta que “a sociedade brasileira lida com o problema de forma superficial e efêmera", e que as “comunidades escolares permanecem desamparadas”. 

Cara foi organizador do relatório “Ultraconservadorismo e Extremismo de Direita entre Adolescentes e Jovens no Brasil”, lançado em dezembro de 2022 e encaminhado ao grupo de transição da área de educação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O documento associa o crescimento de atos de violência à escalada do ultraconservadorismo e do extremismo de direita no país e à falta de controle e criminalização desses discursos e práticas. Segundo o levantamento, ao longo dos anos 2000, ocorreram 16 ataques em escolas brasileiras, que mataram 35 pessoas e deixaram 72 feridas.

Medidas preventivas

Editora do site El Coyote, que monitora grupos de extrema direita no brasil há 11 anos, e também colaboradora do relatório, Letícia Oliveira, explica que comunidades específicas nas redes sociais cultuam quem comete atentados nas escolas e consideram ações violentas como os massacres de Suzano, em São Paulo, e Realengo, no Rio de Janeiro, marcos desse movimento.

Para ela, o monitoramento das ações e a atenção em sinais de preconceitos são essenciais para identificar possíveis agressores.

“Uma das formas de prevenção é entender como funcionam os meandros desses jovens que cultuam assassinos em massa nas escolas e dar ferramentas que possibilitem a comunidade escolar perceber se os alunos e alunas estão sendo cooptados pela extrema direita ou estão frequentando algum tipo de comunidade. Muitas delas abertas e acessíveis a todos. Misoginia e racismo são sinais mais característicos de alguém com potencial para ataques”, recomenda.

Para a CNDE, medidas como o fim dos programas de militarização de escolas, o desarmamento da sociedade, a promoção de políticas de saúde mental e a resposta firme aos discursos fascistas são medidas indispensáveis para prevenir atos terroristas.

Para combater é preciso qualificar

A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) também definiu como estratégia a organização de um curso de formação sindical para capacitar os dirigentes sindicais e permitir que compreendem a atuem diante do contexto político atual.

A secretária de formação da CNTE, Marta Vanelli, relata que o objetivo será oferecer ferramentas para que se encontre estratégias dentro da rede em que atua e resolver os diversos conflitos presentes na sociedade atual. “Iremos preparar nossos dirigentes e a partir deles, qualificar também lideranças dos sindicatos locais como uma forma de responder a essa violência que cresceu muito nas últimas duas décadas e ajudar a construir um outro modelo de sociedade”, finaliza.