Escrito por: CNTE
O casamento civil homoafetivo está cada vez mais presente, enfrentando preconceitos e
buscando o devido reconhecimento social
Por Ana Paula Rodrigues
Colaborou: Amanda Vieira
“Era uma vez” uma história de amor. E como na maioria dos contos de fadas, o romance das jovens Tati Silveira (33) e Marcela Pires (27) teve um final feliz. Elas se conheceram através de um grupo de amigos, venceram o preconceito e chegaram ao altar. Foi assim que a vida das cariocas começou a ganhar novos significados e novos rumos. A união oficializada aconteceu na cidade de São Paulo, e foi o segundo casamento gay realizado no cartório. O registro ocorreu em setembro de 2014, com familiares presentes como testemunhas das noivas.
Tatiana Silveira, conhecida como Tati, contou que sempre foi amiga de Marcela. Com o passar dos anos, ambas descobriram que sentiam algo além da amizade: “Foi muito difícil
assumir que estávamos namorando, principalmente, para a família.”
O namoro rompeu paradigmas, Tati e Marcela enfrentaram os problemas e casaram: “Passou muito tempo para que aceitassem Marcela como a mulher da minha vida. Depois de três anos sofrendo preconceitos e intolerâncias, respeitaram nossa decisão. Hoje sinto que ganhei uma luta, ver nossos familiares no dia do casamento foi emocionante. Vencemos.”
Os casais gays vêm rompendo barreiras e conquistando espaço. No ano passado, na cidade do Rio de Janeiro, foi realizada a maior cerimônia de casamento civil homoafetivo.
Ao todo, 160 casais homossexuais oficializaram a união. Segundo dados do IBGE, divulgados em dezembro de 2014, ocorreram 3.701 uniões entre pessoas do mesmo sexo, o que representa 0,35% do total de casamentos no País.
Marianna Maia (34) e Fabiane Souza (39) se casaram em 2012, em Brasília (DF). Marianna relata que, ao contrário do que elas imaginavam, não houve barreira burocrática:“Fomos muito bem recebidas no cartório e bem orientadas”. Para ela, as principais barreiras ainda são sociais e culturais: “Queremos na verdade é ter nossa decisão respeitada como os demais casais, sem alarde ou preconceito. Mas continua grande o preconceito entre os familiares e os colegas de trabalho - na maioria os que são ligados a alguma religião”.
Um casal, para quem quiser ver
Mariana e Fabiane escolheram assumir o casamento em todos os espaços: “Sabemos que as pessoas fofocam e cochicham sobre isso, mas optamos pela sinceridade para cortar de uma vez as dúvidas. Acreditamos que este é o verdadeiro presente dos dias de hoje: sermos livres para ser quem somos”. Marianna completa: “Mesmo sem nos beijar [em público], o olhar de cumplicidade fica muito evidente entre nós e é fácil perceber um casal, principalmente após toda visibilidade que a mídia tem dado ao assunto, especialmente as novelas - algumas vezes de forma bem torta, mas de qualquer maneira faz chegar à casa das pessoas um sopro da realidade para aqueles que ainda acreditam que nós, homossexuais, somos poucos, raros ou caricatos”.
Incêndio
Em setembro de 2014, criminosos incendiaram o Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Sentinelas do Planalto, em Santana do Livramento (RS), em represália à reserva do local para a realização da cerimônia de um casamento coletivo, que incluía a união civil de duas jovens.
Apesar da violenta demonstração de intolerância, Solange Ramires, de 24 anos, e Sabriny Benites, de 26 anos, não desistiram: casaram no fórum do município, em cerimônia que contou com a presença da ministra chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Ideli Salvatti, convidada pela Secretária de Justiça e Direitos Humanos no estado, Juçara Dutra Vieira.
Na ocasião, Ideli defendeu a criminalização da homofobia no Brasil. “Se é crime bater em mulher, se é crime ofender alguém denominando, chamando de ‘macaco’, também tem que ser crime a homofobia”, disse a ministra. Ideli reiterou que a homofobia é um problema nacional que não respeita fronteiras estaduais: “Por isso, quando acontecem, temos que dar muita atenção para que a sociedade brasileira reflita e crie um constrangimento social a quem os comete.”
Legislação contra homofobia
O preconceito está presente nas casas legislativas. Alguns representantes políticos insistem em mencionar que “gays precisam ser curados”. O polêmico Projeto de Lei 717/03, que previa a criação do programa de auxílio às pessoas que voluntariamente optarem pela mudança de sua orientação sexual, da homossexualidade para heterossexualidade – foi alvo de muitas manifestações.
Em 2013, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei conhecido como “cura gay”, pelo qual psicólogos podem propor tratamentos para homossexualidade. Manifestantes gritaram: “Não há cura pra quem não está doente”. A estudante de direito e ativista LGBT, Andreia Peixoto, relata: “Estive no dia da votação. É muito triste ver que os políticos não respeitam e não aceitam os gays. Hoje representamos mais de 10% da população. Continuarei lutando, temos que acabar com o preconceito”.
A cada quatro casos de homofobia registrados no Brasil, três ocorrem com homens gays. Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDHPR), o Disque 100 registrou 1.159 casos em 2011. Em 2014, superaram a marca de 6.500 denúncias contra episódios de preconceito contra gays, lésbicas, travestis e transexuais.
Marcas da violência homofóbica
Paulo Roberto, de 33 anos, casado há oito anos, relatou que em 2014 estava saindo de uma boate no Centro do Rio de Janeiro, acompanhado do marido, e foi agredido por um grupo de jovens. “A gente estava andando e eles fecharam uma roda e começaram a chutar. Um deles subiu no banco e acertou um chute no meu olho. Tive que fazer cirurgia e infelizmente perdi 50% da minha visão”.
Maria (32) e Vanessa (25), juntas há seis anos, também já foram vítimas de insultos nas ruas da cidade carioca. “Uma moça nos chamou de sapatão. Achei desrespeitoso e pedi que ela repetisse. Ainda bem que ela não teve coragem”, relembra Maria. As duas lutam constantemente contra o preconceito. Para elas, é importante procurar organizações de combate à homofobia e receber orientações de como deve-se agir em situações constrangedoras.
“Vivam a vida e ajam com naturalidade para acabarmos com a diferença. Eu e Vanessa fazemos tudo juntas: academia, faculdade... Mostramos para sociedade que cada um tem seu espaço e respeito”, recomenda Maria.
Recentemente, o Projeto de Lei da Câmara 122 (pela equiparação da LGBTfobia ao racismo), de autoria da deputada Iara Bernardi (PT-SP), foi arquivado no Senado. Mesmo assim os movimentos LGBTs continuam lutando para aprovar leis para combater a homofobia nos diversos âmbitos. Atualmente, o único canal para denunciar os casos de homofobia é o “Disque 100”.
Una-se contra a homofobia
O projeto “Una-se contra a homofobia” incentiva uma cultura de respeito aos direitos humanos e à diversidade sexual no ambiente universitário com foco em uma formação cidadã dos futuros profissionais. Ele é criado e mantido por alunos e professores do curso de Jornalismo Multimídia e de Publicidade e Propaganda do Instituto de Comunicação e Artes do Centro Universitário Una, em Belo Horizonte/MG. Para saber mais, acesse: http://unasecontraahomofobia.blogspot.com.br/traahomofobia.blogspot.com.br/
Para ver as imagens, acesse o arquivo em PDF da Revista Mátria 2015