Escrito por: CNTE

Educação é o principal interesse de deputados conservadores em projetos de leis na Câmara dos Deputados

Estamos presenciando uma disputa de modelo de sociedade em curso, e a educação tem sido o meio utilizado para conquistar esses espaço”,considera a secretária de Finanças da CNTE, Rosilene Corrêa

Um levantamento feito pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), divulgado pela Agência Pública, apontou que a educação é o tema mais recorrente nos projetos de lei assinados por parlamentares considerados católicos ou evangélicos na Câmara dos Deputados. Segundo o monitoramento feito pelo ISER, dos 322 projetos sobre educação pública submetidos em 2023, 167 foram assinados por deputados de direita.

Assuntos voltados para a segurança nas escolas são os mais abordados, seguido de propostas sobre gênero e sexualidade. 

Em resposta a episódios de violência ocorridos em instituições de ensino no país, as políticas para segurança sugerem desde a instalação de câmeras de segurança e detectores de metais em escolas públicas e privadas, até a autorização do uso de arma de fogo para professores e trabalhadores/as da educação.

Reforçando as pautas conservadoras, os projetos de autoria desses grupos também visam a proibição do “ensino de questões de gênero”, da “educação sexual”, da “instalação de banheiros unissex” e também do uso da linguagem neutra nas escolas.

Para Rosilene Corrêa, secretária de Finanças da CNTE, o interesse de grupos conservadores sobre o ensino tem sido um movimento comum observado entre parlamentares que têm usado a religião a serviço da politica.

"Na minha leitura, há uma distorção de papeis. Tentam polemizar com essas pautas e discussões a todo momento, e isso é um jeito de desviar a atenção daquilo que é central entre os problemas enfrentados pelo nosso país, e os quais o parlamento deveria estar mais dedicado, como a busca de soluções para a melhoria de vida das pessoas", avalia.

Integrante do Grupo de Trabalho Interministerial “Prevenção e Enfrentamento à Violência nas Escolas”, criado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2023, Rosilene ainda critica a falta de políticas que busquem mudar a realidade da segurança em instituições de ensino.

"Quando se fala da segurança nas escolas, por exemplo, a tendência é que os projetos surjam para combater o efeito e as consequências de um ambiente que já sofre com a violência. Não são debatidas e apresentadas propostas de leis que possam mudar essa realidade... O que precisamos são de políticas públicas que efetivamente foquem em mudar esse cenário lá na sua essência, e não meramente naquilo que já são as consequências sofridas nas nossas escolas”, reforça Rosilene.

“Mas, infelizmente, é isso que a maioria vem fazendo, chegando ao absurdo de propor o uso de armas por professores/as e trabalhadores/as das escolas. Armar as pessoas não significa que elas estejam protegidas. Nestas condições é, meramente, dar um falso sentimento de proteção e uma autorização para que essas também pratiquem violência", lamenta.

Espaços de destaque 

Com a eleição do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) para a presidência da Comissão de Educação da Câmara, é esperado que debates sobre o futuro do ensino público do país se tornem ainda mais acirrados. 

Em entrevista para a Agência Pública, a pesquisadora responsável pelo monitoramento legislativo do ISER, Lívia Reis, explicou que, desde 2014, com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), a temática se tornou alvo de forte atuação de grupos conservadores.

“Quando o PNE, naquela época, tentou colocar educação sexual nas escolas, surgiu uma ofensiva conservadora em reação, com a criação do Escola sem Partido, que nunca deixou de existir, mas se transformou em outras pautas, como o combate a uma suposta ‘ideologia de gênero’, por exemplo”, relatou Lívia para a Agência Pública.  

Em breve, uma das principais pautas para a educação básica pública, o Novo PNE 2024-2034, deverá entrar em tramitação no Congresso Nacional. Com parlamentares do campo progressista em menor número, a expectativa é que a defesa da política seja desafiadora. 

"O que temos assistido é uma tentativa constante (de parlamentares conservadores) em manter o palanque, utilizando a educação como pauta central em sua disputa, e na maior parte do tempo, com profundas distorções e inverdades a respeito do papel da educação nas escolas e a atuação dos/as profissionais de ensino. Estamos presenciando uma disputa de modelo de sociedade em curso, e a educação tem sido o meio utilizado para conquistar esses espaço”, afirma Rosilene.  

Ela aponta que, com frequência, pautas equivocadas atribuídas à educação, abordadas em discursos de deputados visando polemizar debates, ganham atenção e acabam gerando prejuízos para pautas mais importantes dentro do tema.  

“De repente, vemos discussões onde as pessoas são levadas a se preocuparem mais com debates de gênero e sobre banheiros mistos, do que se a educação oferecida está sendo inclusiva e de qualidade; ou a quantidade de alunos que se tem por sala de aula; quanto está se pagando aos profissionais da educação; se está sendo oferecido uma boa merenda aos estudantes, além da situação de milhares de crianças e adolescentes em idade escolar que estão fora da escola. O que está sendo trazido para a centralidade desse debate não é aquilo que é o mais importante para  a vida dos nossos estudantes”,  considera Rosilene.

"Não é à toa que insistimos na defesa e seremos eternos lutadores pela educação que realmente transforma vidas. É essa a formação que vai nos dar a sociedade que entendemos como mais justa. Hoje, nós temos uma disputa ideológica, e a educação é a ferramenta central disso", completa.



Matéria adaptada da reportagem de Danilo Queiroz e Mariama Correia, da Agência Pública.

Acesse o link: https://apublica.org/2024/03/educacao-e-principal-foco-de-projetos-de-lei-conservadores-na-camara/