Escrito por: CNTE

Educação - Pandemia impacta atuação de professoras em todo o país

Pesquisa mostra a precariedade das condições de trabalho

De um dia para o outro, educadoras de norte a sul do país tiveram suas rotinas de vida e de trabalho modificadas e foram desafiadas a se adaptarem a novas condições de atuação durante a pandemia. "Na transição estava todo mundo perdido e tínhamos que repensar as aulas para um modelo que se encaixasse em uma estrutura que não existia e de uma forma
muito urgente. A gente não sabia o que fazer", revela Estela Simone Rodrigues de Menezes, 43 anos, professora da rede estadual de ensino em Uruguaiana (RS).

Para entender a realidade vivenciada por elas e pelos demais educadores brasileiros das redes públicas de ensino no período, o Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG), em parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), realizou, em junho de 2020, a pesquisa "Trabalho docente em tempos de pandemia".

O levantamento contou com a participação voluntária de 15.654 professores da educação básica, sendo 78% mulheres. A complexidade mostrada diz respeito não apenas ao ensino remoto, mas a pontos relacionados à falta de formação adequada para o novo contexto, à sobrecarga de trabalho e ao próprio sentimento em relação ao momento vivido.

"A transição foi assustadora e exaustiva, recorda Marcela Martins de Melo Fraguas, 36 anos, professora da rede estadual em São Gonçalo (RJ). Assustadora, pois ela se deu em meio a uma pandemia que, por si só, assusta; e exaustiva, pois, assim como os demais professores, acostumados ao "chão da sala de aula", tive de me adaptar a uma nova configuração em um curto espaço de tempo", completa.

A pesquisa apontou que a grande maioria dos respondentes (84%), assim como as professoras Estela e Marcela, continuou desenvolvendo suas atividades de forma remota. Além disso, 89% não tinham experiência anterior com essa modalidade de ensino. "Foi necessário repensar a educação e suas metodologias de modo a flexibilizar o ensino-aprendizagem,
sem perder a humanização e sensibilidade.

As mudanças começaram em primeiro lugar na minha ´cabeça´; organizei-me e planejei como eu poderia chegar aos meus estudantes e suas famílias com o mínimo de recursos,
equipamentos e estrutura", conta Emanuelle Cristina da Silva Fernandes, 32 anos, coordenadora pedagógica na rede municipal de Pesqueira, Pernambuco (PE), onde trabalha em uma escola no Quilombo Negros do Osso, zona rural da cidade.

Novas ferramentas de trabalho

O uso das tecnologias digitais necessárias para dar aula foi um desafio para os professores, visto que apenas 29% disseram achar fácil ou muito fácil. A nova realidade do ensino
exigiu conhecimento para gravar aulas em vídeo, interagir com os alunos por meio das plataformas fornecidas pelas escolas, bem como preencher documentos de acompanhamento das turmas.

"A falta de equipamento adequado para a gravação das aulas para atender remotamente os/as estudantes e o desconhecimento do uso de algumas ferramentas digitais, foram as dificuldades que mais pesaram", aponta Marcela Ferreira de Moura Martins, 42 anos, professora da rede estadual de ensino em Palmas (TO).

Ela lembra que, para enfrentá-las, contou com instruções passadas pela Secretaria de Educação – isso depois de já terem sido retomadas as aulas de forma remota – e com um colega de trabalho que se dispôs a repassar o que havia aprendido em um curso sobre mídias digitais. Para a professora da rede municipal de Goiânia e da rede estadual de Goiás, Edineia de Lourdes Pereira, 45 anos, preparar as aulas ficou mais difícil, pois havia a necessidade de adequação às mais variadas maneiras de ministrar. "Postagem em plataformas, em Whatsapp, aulas online, elaboração de vídeos, slides, entre outras. Cada uma requer uma preparação diferente para o mesmo conteúdo", destaca.

Sobrecarga
A jornada que muitas vezes já era extensa, tornou-se exaustiva ao longo do ano. Isso inclusive foi mostrado na pesquisa, em que 82,4% dos professores relataram um aumento nas
horas de trabalho. "A sobrecarga de trabalho existiu porque alguns estudantes não tinham acesso à internet e, por isso, tive que fazer dois tipos de planejamento: um que atendesse aos estudantes com acesso à internet e outro que atendesse aos que não tinham acesso", explica a professora Marcela Martins.

Outro ponto mencionado pelas educadoras é a falta de delimitação de horários para o trabalho e/ou atendimento aos alunos. "Meus horários mudaram, passei a ter que atender aluno praticamente o dia inteiro, recebendo mensagens tarde da noite, nos finais de semana e até feriado", relata a professora Edineia Pereira. Essa rotina também é partilhada por Estela Menezes – a professora explica que, em sala de aula, quando uma professora responde um aluno, responde todos os outros. "No remoto você responde um por um. É muito mais gente para darmos uma atenção personalizada em um tempo inviável para isso", desabafa.

Trabalho invade a esfera privada
A casa, geralmente um local privado e de descanso, passou a dividir espaço com as atividades profissionais. As salas e quartos da residência viraram as salas de aula virtuais. As horas dedicadas ao trabalho se misturaram com o tempo dedicado à vida pessoal. Sem um tempo-espaço definido para cada coisa, professoras sentiram-se cada vez mais cansadas.
Tudo isso culminou no esgotamento que elas vivenciaram ao longo de 2020. "Para nós, professoras mulheres, a jornada de trabalho triplicou. O cansaço físico e mental foi desgastante e sinalizou várias vezes, de forma negativa, na saúde mental e na relação com as pessoas que compartilham a vida debaixo do mesmo teto", constata a coordenadora pedagógica Emanuelle Fernandes.

Saúde mental
Acúmulo de tarefas, novidades para serem assimiladas em pouco tempo, responsabilidade com os alunos, aumento da carga de trabalho, reuniões com as equipes, preenchimento de
documentos somado a um cenário de pandemia – em que o medo e a ansiedade já estão presentes naturalmente –, e a necessidade de dar conta dos outros aspectos da vida, geraram
sentimentos diversos nos educadores.

Para avaliar como os profissionais da educação estavam se sentindo nesse momento, a pesquisa trouxe um bloco dedicado ao tema. Apenas 18% dos participantes responderam
estar tranquilos. Os demais vivenciaram sentimentos como solidão, medo, insegurança, angústia e apreensão em relação à perda de direitos e garantias.

A professora Estela Menezes conta que já vinha com problemas de ansiedade – inclusive relacionados a trabalho – teve três ataques de pânico ao longo do período. Ela relaciona o
estresse vivenciado nessa fase com o excesso de cobranças e exigências por parte da escola e da Secretaria de Educação e com a falta de privacidade gerada pela sobreposição entre
casa-trabalho.

Para a coordenadora pedagógica Emanuelle Fernandes, os dias foram difíceis e acometidos por uma sensação de medo e insegurança que tomou conta dos pensamentos, modo de vida e qualidade das relações. "Desenvolvi uma ansiedade patológica e engordei 10 kg, isso sem falar na compulsão por limpeza. Foi um desencadeamento de várias situações emocionais", conclui. A sobrecarga mental, a preocupação com o aprendizado dos alunos e as perdas sofridas foram outros elementos elencados pelas demais professoras ouvidas pela Mátria.

Desigualdades ampliadas

"Não vivemos a pandemia de forma igualitária", reforça a professora Marcela Fraguas. "As desigualdades sociais em nosso país evidenciam isso. A escola oferece a muitos alunos o único alimento que ele terá no dia. Isso já era, infelizmente, um fato. A pandemia só tornou este e outros fatos explícitos". A docente pontua ainda que o ensino remoto depende do acesso à tecnologia, computador, internet e outros recursos não disponíveis a muitos alunos.

A pesquisa mostrou esse cenário ao trazer que, na percepção dos educadores, a participação dos estudantes nas atividades remotas diminuiu drasticamente (38%) ou diminuiu um
pouco (46%). Entre os principais motivos, estão falta de acesso à internet e aos demais recursos necessários (80%), seguido da falta de auxílio das famílias na realização das atividades (74%).

Quando falamos em zona rural, o abismo parece ficar ainda maior. Emanuelle Fernandes reclama da ausência de políticas públicas que atendam, de forma efetiva, a necessidades dos
estudantes e professores/as, não apenas quilombolas – realidade da escola em que trabalha –, mas da área rural, muitas vezes invisibilizados diante dos seus direitos. A falta de acesso à internet e aos equipamentos, tanto na escola quanto nas residências, afeta diretamente os resultados. "O ensino remoto nos possibilitou perceber como a ausência de funcionamento da escola impactou na vida dos estudantes e suas famílias", conclui Emanuelle.

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