Escrito por: Heleno Araújo - Jornal Brasil Popular/PE

IA como instrumento de apoio na aprendizagem e nunca de substituição de professores

O 9º eixo do documento da ONU sobre o apagão docente propõe que o uso da IA na educação seja ético, pedagógico e voltado ao apoio ao aprendizado, e não à mercantilização ou substituição de professores

Tomaz Silva/Agência Brasil/Arquivo

O mês de abril reserva a todos/as os/as educadores/as brasileiros/as a 26ª Semana Nacional em Defesa e Promoção da Educação Pública da CNTE. Oportunidade única para fazermos o debate sobre os rumos da nossa educação básica pública, nesse ano, com o tema “Escola Pública não é Negócio. É Direito!”, o evento visa alertar sobre os riscos da privatização, militarização e desvalorização dos/as profissionais da educação, além de fortalecer a luta por um ensino público democrático e de qualidade.

E como vamos falar hoje do 9º eixo do Documento produzido pelo Grupo de Alto Nível da ONU, criado ainda em 2022 para propor soluções para o fenômeno global do apagão docente, que trata sobre o uso apropriado da Inteligência Artificial (IA) na educação, nada mais apropriado do que reafirmar o lema de que a escola pública não é negócio. Isso deve ser reafirmado por que todo o debate do uso de IA na educação no Brasil costuma sempre passar por uma captura da mercantilização da educação. É fundamental que, a exemplo do proposto nesse Documento da ONU, a IA na educação, e todos os processos de tecnologia, sejam instrumentos de apoio na aprendizagem, e nunca de negócio que vislumbra o lucro e a substituição do professor em sala de aula.

A tecnologia tem transformado diversos setores da sociedade, e a educação não é exceção. Com o avanço da IA, surgem novas oportunidades para melhorar o processo de ensino-aprendizagem. No entanto, é essencial que os governos implementem políticas que garantam o uso responsável dessas tecnologias, evitando a substituição de professores nas salas de aula e promovendo a autonomia dos/as educadores/as. É fundamental que haja uma forte regulação governamental nessa área para que, somente assim, a fome dos mercadores de plantão não se sobreponha ao sagrado direito à educação que todos os povos do mundo devem ter assegurado.

Os governos nacionais, é indicado nesse Documento da ONU, devem estabelecer diretrizes claras para o uso de IA nas escolas, garantindo que essas tecnologias sejam utilizadas como ferramentas de apoio n o processo de aprendizagem. Algumas medidas importantes nesse bojo de regulamentação governamental do uso de IA devem definir normas para a integração das IAs no currículo escolar, assegurando que seu uso seja ético e focado no benefício dos/as estudantes, além de oferecer programas de capacitação para os/as professores/as, permitindo que todos/as adquiram as habilidades necessárias para utilizar a IA de forma eficaz.

Tão importante quanto esse protocolo de uso das IAs no processo educacional, o Documento da ONU indica também a implementação de sistemas de monitoramento contínuo para avaliar o seu impacto no processo de ensino-aprendizagem, ajustando tudo e sempre conforme seja necessário. Qualquer processo de perda de autonomia do professor na condução desse processo deve ser imediatamente detectado e seu rumo de implementação ajustado. É muito fácil a gente se render a esse processo de alienação que as IAs no induzem: elas passam a fazer tudo por nós e isso é muito perigoso.

Para que a IA seja realmente benéfica na educação, é crucial que os/as professores/as tenham autonomia plena no uso dessas tecnologias. Isso significa que os/as docentes devem ser capazes de criar e adaptar conteúdos, utilizando a IA como um complemento ao seu trabalho, e não se restringir a serem apenas consumidores de ferramentas prontas. Algumas estratégias para promover essa autonomia devem incluir o desenvolvimento de plataformas que permitam aos/às professores/as criar materiais didáticos personalizados, utilizando a IA para enriquecer o conteúdo. Tão importante quanto isso é a escola oferecer suporte contínuo para que os/as professores/as possam explorar novas formas de integrar a IA em suas práticas pedagógicas.

Diante disso, e somente assim, a IA pode ser uma poderosa aliada no processo de ensino-aprendizagem, facilitando e complementando o trabalho dos/as professores/as em sala de aula. Deixando a tarefa de ensinar mais leve e menos pesada. Só quem fica no dia a dia de uma escola sabe o quão penoso pode ser o trabalho do professor e da professora em uma sala de aula com mais de 40 estudantes. Portanto, utilizar a IA para adaptar o conteúdo às necessidades individuais dos/as estudantes, oferecendo atividades e recursos personalizados, aplicando os para analisar o seu desempenho para, assim, identificar as áreas de dificuldade e sugerir as intervenções necessárias e particulares a cada um de nossos/as estudantes.

As recomendações do Documento da ONU, então, têm a preocupação central de usar a tecnologia e a IA com um potencial de revolucionar a educação, mas é fundamental que seu uso seja orientado por políticas governamentais que garantam a autonomia dos/as professores/as e a valorização do seu papel insubstituível. Não podemos sucumbir ao processo de mercantilização que comumente está associado ao uso das tecnologias educacionais. Com a implementação de diretrizes adequadas, podemos criar um ambiente educativo onde a IA funcione como um apoio valioso, facilitando e complementando o processo de ensino-aprendizagem, sem comprometer a essência da relação entre educadores/as e estudantes.

(*) Por Heleno Araújo, professor, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e atual coordenador do Fórum Nacional da Educação (FNE).

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