Escrito por: CNTE
Material didático específico, formação continuada, carreira, ensino bilíngue, transporte e apoio logístico são algumas das demandas da educação indígena no Brasil
De acordo com o Censo Escolar do Ministério da Educação (MEC), em 2015, pouco mais da metade das escolas indígenas (53,5%) têm material didático específico para o grupo étnico. O III Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, realizado em 2017, com 29 povos indígenas de 17 estados da federação, denunciou que há precariedade na
estrutura física das escolas: 58% não têm acesso à água tratada, 34% não possuem energia elétrica e 90% não contam com biblioteca ou acesso a outras fontes de informação, dentre
outras demandas.
O III Fórum também alertou para a formação e estabilidade dos professores indígenas, dizendo que a maioria exerce trabalho temporário: dois estados e poucos municípios realizaram concurso público específico; dois terços do professorado ainda não têm formação específica; há corte de recursos para programas de formação inicial e continuada de
professores, como o Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (PROLIND) e a Ação Saberes Indígenas na Escola, além da paralisação na
implantação e funcionamento dos Territórios Etnoeducacionais.
A realidade pode ser contada no dia a dia da professora Elisa Urbano Ramos Pankararu. Moradora da Terra Indígena Pankararu, entre os municípios de Petrolândia, Tacaratu
e Jatobá, em Pernambuco, ela conta que a maioria dos materiais didáticos são produzidos pelo próprio MEC, e que o conteúdo específico é feito a partir da prática pedagógica e dentro das próprias aldeias: “Nós temos nos povos de Pernambuco um profissional chamado professora de arte e cultura indígena, que se articula com os demais professores, basicamente trabalha em sala de aula com produções de arte e histórias sobre o próprio povo, pela oralidade, canto e objetos identitários”.
No caso de Pernambuco, Elisa Pankararu explica que mais de 1.500 professores, de mais de 12 povos indígenas, estão construindo um currículo específico intercultural para as escolas: “O conjunto de professores e professoras indígenas, junto com as lideranças, têm refletido como deve ser a prática dessa educação escolar indígena e colocando no papel, servindo como base desses planos de aula, conteúdo e disciplinas, que estão sendo aplicados nas aulas”, comenta a professora.
Formação e carreira - Com relação à formação, Elisa explica que existe a formação oferecida pelo governo e outra junto aos professores indígenas: “Considero que as melhores formações são as formações internas, que são conduzidas com a participação das lideranças”. Já em relação às contratações, a professora revela uma situação crítica: “Aqui,
todos trabalham por contrato temporário — o concurso para esse público (indígena) até hoje não aconteceu”, assevera Elisa. “É preciso criar a categoria ‘professor indígena’, que não existe oficialmente, e abrir o concurso público, que é uma reivindicação do movimento indígena”, completa.
Para a professora Elisa, a importância da educação indígena vai além da sala de aula: “Não somos apenas profissionais das quatro paredes da escola. Nós somos uma espécie de liderança indígena”, decreta. “O primeiro viés importante é a terra, é o território; se está demarcado, se está homologado, situações de ameaça, de violência. Nós estamos preocupados com questões de saúde, ambientais e culturais”.
Ensino Superior - Segundo levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foram registradas, em 2018, 57.706 matrículas de estudantes indígenas no ensino superior, número que vêm crescendo nos últimos anos. Na avaliação da estudante da faculdade de Museologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jéssica Tôrres, da etnia Maxakali, cada vez mais jovens e adultos buscam, no ensino superior, qualificação e forma de suprir as necessidades da comunidade, que são negligenciadas pelo governo. “Além da luta cotidiana e na linha de frente, existe a procura por essa outra forma de defesa. Pela luta territorial, pelo direito à cultura, ao acesso à
informação, pela saúde e nas mais diversas áreas”, explica Jéssica.
Ensino especializado - A estudante maxakali, que é mais conhecida como Jé Hãmãgãy, mora na zona rural e seu povo vive no nordeste de Minas. Ela conta que foi identificada
como superdotada — que demanda um acompanhamento mais especializado — e relata que acreditava que a escola particular teria um ensino melhor: “Na prática aprendemos
que não. As escolas nunca foram próximas, professores não eram adequados e nem o conteúdo. Questões como a superdotação e a racialidade foram fatores que comprometeram
meu aprendizado na escola. Foram momentos difíceis”, desabafa Jéssica.
Inclusão - Já na universidade, Jé Hãmãgãy destaca que, além das barreiras para ingressar, há a questão da permanência: “Temos poucas políticas e as que existem estão sendo extintas ou diminuídas, a ponto de diversos indígenas abandonarem os estudos. Já somos quem mais custeia os próprios gastos na universidade, e somos também os que têm maior número de desistência de políticas de permanência.
O racismo enraizado também é um fator que dificulta o período de estudos, como a mobilidade e o sentimento de não pertencimento àquela realidade e ambiente”, relata.
“Acredito que a educação específica para indígenas não pode somente se limitar às aldeias, mas se estender as cidades rurais. Nós precisamos nos deslocar e nada mais justo que essa educação também seja inclusiva”, conclui a estudante.
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