Escrito por: CNTE

Manifesto em Defesa dos Direitos à Saúde e à Educação Públicas

Pela Vacinação, Testagem e Condições de Ensino/Aprendizado nas Escolas Públicas

 

Foto: Uanderson Fernandes/ Ascom - Seeduc-RJ

 Manifesto em Defesa dos Direitos à Saúde e à Educação Públicas

Pela Vacinação, Testagem e Condições de Ensino/Aprendizado nas Escolas Públicas

O ano escolar começou em nossas redes públicas de ensino e, depois de quase 2 anos com as escolas brasileiras da educação básica fechadas, ainda não temos, infelizmente, a segurança sanitária necessária para a retomada das aulas presenciais. Os casos de contaminação com a COVID-19 com a chegada da variante Ômicron abalou o mundo inteiro por sua imensa capacidade de transmissibilidade, superior em quase 4 vezes ao pior momento que já tivemos com as outras variantes da doença: enquanto em abril de 2021, no auge das variantes Delta e Gama, tivemos no mundo o pico diário de 905 mil casos de pessoas contaminadas, em 24 de janeiro de 2022, com a Ômicron (4ª onda), tínhamos registrado 3,44 milhões de pessoas infectadas em um único dia.

Considerada menos mortal do que as outras variantes, as contaminações com a Ômicron são tão superiores em número que, mesmo ela tendo chegado em um momento em que a população mundial estivesse mais imunizada com as vacinas, os casos absolutos de pessoas mortas em função dela já quase atingem o pico diário de mortes verificado na 3ª onda (Delta e Gama). Apesar de relativamente menos letal, o momento atual se apresenta, em números absolutos, tão preocupante quanto os outros momentos da doença quando consideramos o quesito de sua letalidade: ao final do mês de janeiro de 2022, atingimos o pico de 14,3 mil mortes por COVID no mundo em um único dia. O pico de mortes diárias da 3ª onda foi de 15,9 mil mortes em todo o planeta, abaixo ainda do recorde de vítimas verificada na 2ª onda (Beta e Alfa), que atingiu a marca de 18 mil mortes por dia.
No Brasil, por força e pressão da sociedade, conseguimos atingir a marca de quase 80% da população parcialmente imunizada, chegando a pouco mais de 85% se considerarmos o segmento populacional apto a se vacinar (a partir de 5 anos de idade). Com a dose de reforço, no entanto, temos apenas pouco mais de 37% da população brasileira (maiores de 18 anos). No dia 20 de fevereiro de 2022, os dados de imunização que envolvem a faixa etária de 5 a 11 anos – contingente preferencial e prioritário da oferta dos serviços da educação básica -, apontam para menos de 35% da população que tomaram a primeira dose. Estados como Acre, Pará, Amazonas, Rondônia, Tocantins, Mato Grosso e Roraima, esse índice não chega sequer à casa dos 20% das crianças já vacinadas. Nessa mesma data, o retrato do país mostra que temos ainda 13 Estados da Federação com a situação em alta de casos e óbitos pela doença. Ou seja, a pandemia da COVID-19 ainda não acabou.

O aumento sistemático dos índices de contaminação do coronavírus nesse momento se deveu, sobretudo, à irresponsabilidade do Governo Federal e de muitos gestores de Estados e Municípios que não realizaram políticas de isolamento social amparadas em auxílios emergenciais dignos. Essa situação prolongou o fechamento das escolas públicas e a penúria dos/as estudantes, professores/as e funcionários/as de educação que não contaram com equipamentos e internet adequados para as atividades remotas. A negação da ciência e o descompromisso das gestões públicas com o tratamento da pandemia, aliada à falta de vacinas em quantidade e tempo suficientes para impedir o alastramento do vírus, continuam a apontar, até hoje, para cenários caóticos para a população, para a economia e também para a retomada das atividades escolares presenciais com segurança. Assim, é preciso que o Estado garanta as condições de acesso e permanência de todos à escola, para evitar mais prejuízos aos segmentos vulneráveis de nossa sociedade. Não é possível que o país continue se eximindo da responsabilidade de cuidar das crianças e jovens que têm assegurado o direito constitucional à educação básica obrigatória dos 4 aos 17 anos.
Essa explosão de casos e mortes que a Ômicron provocou no Brasil já deixou, de imediato, nossas redes de hospitais em alerta: a taxa de ocupação de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) voltou a aumentar drasticamente em todo o país, combinado com um fenômeno novo que se apresentou pela primeira vez agora com o advento dessa variante: o afastamento recorde de funcionários da saúde em função do altíssimo nível de contaminação é privilégio da Ômicron. Esse cenário de tragédia humanitária não sensibilizou nossos governantes que agem, agora, como se a pandemia tivesse chegado ao fim.

O retorno às aulas presenciais nas escolas brasileiras nas redes municipais e estaduais da educação básica se dá agora, depois de 2 anos de fechamento forçado, sem que tivesse havido o empenho conjunto dos governos para o enfrentamento das questões de segurança sanitária a nossos estudantes e comunidade escolar em geral. O investimento necessário em infraestrutura escolar não aconteceu, de modo que pudéssemos ter construído mais salas de aulas (a fim de manter o distanciamento social tão urgente e necessário entre os/as estudantes) e tampouco houve reformas ou adaptações para a melhoria da ventilação nos espaços escolares. Da mesma forma, não vemos iniciativas de testagem massiva dos/as estudantes e educadores/as para a detecção de novos casos e, o mais grave, rastreamento dos casos de contaminação que, porventura, venham a ocorrer. Esses dois instrumentos de monitoramento da evolução da COVID, usados em vários países do mundo, são os únicos capazes para garantir que a reabertura das atividades presenciais nas escolas não trará um impacto e recrudescimento dos casos. O que acontece dentro das escolas reverbera, de forma imediata, para fora dela: os/as estudantes contaminados levarão a doença para dentro de suas casas, não sem antes espalhar pelas cidades nos transportes coletivos já abarrotados de gente. É desolador como um caso desses, de tamanha gravidade, é tratado no Brasil por nossos gestores como sendo mesmo só mais uma gripe.

O plano de retomada das atividades presenciais em nossas escolas também não leva em consideração o aspecto pedagógico das enormes perdas que tivemos junto aos/às nossos/as estudantes nesse período de afastamento do ambiente escolar. Toda uma geração afetada em seu processo de aprendizagem, que só não foi pior em função do trabalho hercúleo levado a cabo pelos/as profissionais da educação, tem sido negligenciada agora quando da reabertura física das escolas aos/às estudantes. A defasagem no processo de alfabetização e o fosso criado durante a pandemia entre os/as estudantes mais pobres do ensino médio e aqueles que tiveram oportunidade de acesso a equipamentos computacionais e Internet à disposição são exemplos que estão, agora, subestimados ou mesmo ignorados. A evasão escolar provocada nesse período de fechamento das escolas também é um desafio a ser enfrentado e que pouco ou nada tem se falado a respeito. A quantidade de estudantes e famílias que se viram compelidas a abandonar as escolas resultará em um déficit educacional irreparável para um enorme contingente de brasileiras e brasileiros. O que se vê, portanto, é que condições importantes para que os/as estudantes tenham acesso ao conteúdo escolar continuam negligenciadas, muito em função da total ausência de uma articulação mínima entre as diferentes esferas de governo no tocante ao enfrentamento a essa situação.

E esse retorno às atividades presenciais nas escolas nesse momento não pode nunca prescindir de uma nova estratégia de gestão de pessoas, por parte dos governos municipais e estaduais, que deem conta das enormes demandas que o momento exige. O investimento em infraestrutura escolar deve vir agora com um aporte extra de recursos públicos para a contratação de mais professoras e professores nos Municípios e Estados. A retomada das aulas presenciais, de forma segura e com o adequado distanciamento social entre os/as estudantes, exigirá um redimensionamento da categoria do magistério público de nossas redes de ensino. Isso passa pela imediata realização de novos concursos públicos para a carreira de profissionais do magistério público em todo o país. E claro, a ampliação das redes de ensino municipais e estaduais deverá também vir acompanhada de uma ampliação do quadro de todos os/as funcionários/as da educação (secretaria, vigilância, nutrição, etc.). Mas nada disso aconteceu em todo esse período de escolas fechadas.

Todo esse quadro crítico foi denunciado por vários documentos públicos feitos pela CNTE ao longo dos últimos 2 anos de pandemia no Brasil. Nunca estivemos sozinhos, no entanto: associações de pais e mães, instituições científicas, entidades educacionais, grupos médicos e muitas outras organizações da sociedade civil estavam juntos nessa denúncia. Mas o ambiente político do país não deixou prosperar esse alerta. A absoluta falta de uma cultura política de diálogo social impediu que essas vozes, embora majoritárias, fossem escutadas pelos gestores públicos de nosso sistema educacional. A falta de coordenação nacional ao enfrentamento dessas grandes questões, que agora assombra todos/as, foi acompanhada também, em grande medida, pela expressiva maioria dos gestores municipais, estaduais e distrital de nossa educação. Nos Estados e Municípios, também vimos a absoluta ausência de diálogo das gestões locais com os sindicatos dos/as trabalhadores/as em educação.

E essas questões, de fato, não se devem circunscrever somente à área educacional. Já apontamos em nossos documentos anteriores a necessidade de uma articulação fina entre as áreas de saúde, educação, assistência social e conselhos tutelares para o enfrentamento a essas demandas. Somente uma interlocução intersetorial de todas essas áreas podem dar conta dos enormes desafios que se apresentam agora ao conjunto da sociedade brasileira. Se nossas denúncias não foram escutadas lá atrás, seguimos com o alerta público e o grito de um estrondoso basta! Temos material humano e recursos financeiros para dar conta desse desafio. As pautas de reivindicação já estão postas. Chega de descaso com as nossas vidas! Contra a banalização da morte, nos insurgimos todos os dias!

Urge levantarmos a bandeira emergencial da vacinação a todas às nossas crianças e adolescentes! É fundamental que exijamos dos nossos governantes políticas de testagem em massa e rastreamento de casos na comunidade escolar, a fim de controlarmos definitivamente essa pandemia! O sucesso de um projeto no pós pandemia exige uma priorização, de fato, da educação de nosso povo. Educação como direito social inalienável. Para isso, não podemos esquecer nunca de que a revogação imediata da Emenda Constitucional nº 95/2016 é medida imperativa. Precisamos, mais do que nunca, que tenhamos capacidade de investimento público para dar conta dessas demandas! E, definitivamente, não podemos mais tolerar um governo negacionista que atrasa a vacinação, brinca com a morte de milhares de brasileiras e brasileiros e só se interessa em afanar os cofres públicos para uma minoria apática e descolada de seu povo!

Exigimos que se cumpra a obrigatoriedade da vacina a todas as crianças com mais de 05 anos de idade, como forma de se fazer cumprir o que estabelece o artigo 14 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), garantindo a ampliação da vacinação de nossas crianças e adolescentes com a obrigatoriedade do Passaporte Vacinal para o retorno às aulas presenciais! É fundamental que essa faixa etária da população brasileira seja vacinada o quanto antes e, para que isso tenha viabilidade de fato em nosso país, é importante que postos móveis de vacinação cheguem em todas as escolas públicas brasileiras, em uma campanha nacional que promova e garanta o acesso à vacina a essa faixa da população. O impacto da volta às aulas presenciais nas taxas de transmissibilidade e morte pela COVID do país depende, em maior ou menor grau, do sucesso dessas medidas, que devem estar articuladas entre as áreas de saúde e educação, e também entre os entes da Federação. Não menos importante, o setor educacional brasileiro exige Internet para todos/as trabalhadores/as em educação e estudantes, com o uso e investimento dos recursos garantidos pelo Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), destinados para esse fim.

Fora Bolsonaro e todo seu projeto de morte! Queremos vacina para todas e todos! Pela vida, saúde e por uma educação pública que atenda plenamente ao nosso povo!

Direção Executiva da CNTE
Brasília, 22 de fevereiro de 2022