Escrito por: CNTE
Conteúdo demonstra gravidade do problema causado por entrada de grupos privados na gestão da educação pública
Foto: Agência Brasil
O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP/Sindicato) recebeu denúncias sobre um material didático voltado à educação financeira que culpabiliza estudantes e suas famílias pela pobreza.
O conteúdo que estava disponível no Programa de Registro de Chamada On Line+ (RCO), espaço destinado a auxiliar os professores e professoras na elaboração das aulas, contrapõe as ações de uma ‘mente rica’ e uma ‘mente pobre’
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As informações são voltadas a aulas para estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental e segundo a Secretaria de Educação do Paraná, o material teria sido retirado do ar nessa quinta-feira (9) após as denúncias da APP Sindicato, não foi referendado pela gestão.
De acordo com levantamento do Mapa da Aprendizagem, feito pelo Portal Iede com dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2018, o Brasil tem uma das maiores desigualdades entre estudantes ricos e pobres do mundo. Trata-se da 5ª em matemática e a 3ª maior em leitura e em ciências.
A Secretária Executiva Educacional da APP Sindicato, Nádia Aparecida Brixner, avalia que esse é mais um exemplo de como os valores das instituições privadas que buscam abocanhar verbas públicas têm afetado a educação.
“Sabemos que a Fundação Lemann está por trás do projeto de governo desde que o Ratinho Junior (PSD) venceu as eleições e assumiu o primeiro mandato, em 2019. A partir disso, vimos a extinção de cargos concursados nas escolas, o fim dos concursos e terceirização da gestão dos colégios”, enumera.
Há dois anos, em plena pandemia, a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou o fim de diversas funções na área da educação que demandariam a contratação de ao menos 15 mil em servidores públicos, por considera-los ‘não estratégicos’, e ampliou o espaço para a parceria com a iniciativa privada.
Além disso, foi graças à luta da APP/Sindicato que em dezembro de 2022 apenas duas entre 25 escolas estaduais acataram em consulta o projeto “Parceiro da Escola”, que propõe a entrega da administração a grupos empresariais.
Argumentos não colam
Ainda de acordo com a secretaria, o material disponibilizado aos professores é de uso facultativo e foi produzido por um professor, mas Nádia rebate essas afirmações.
“Com a retórica de garantir mais ferramentas pedagógicas para os professores darem aula, eles passaram a introduzir no cotidiano pedagógico da escola programas como Redação Paraná e Inglês Paraná. A Secretaria de Educação diz que não é obrigado a utilizar, mas existe um sistema de avaliação que utilizam para fazer o controle das 2.200 escolas por meio do qual a secretaria tem acesso a quantas vezes as escolas ou professores usaram esses programas. Quando não se atinge uma meta, são convocados tutores para conversar com os diretores e saber a razão disso. Esses diretores, assim como os professores e professoras, são avaliados também a partir da utilização dessas ferramentas”, pontua.
Em relação à produção do conteúdo, a dirigente ressalta que não é possível verificar quem disponibilizou o material por conta da falta de transparência por parte da secretaria.
“Sabemos que há empresa fornecendo material e ferramenta, que isso demanda investimento, mas não está no Portal da Transparência, não temos acesso a contratos, não se sabe quanto é gasto. O sindicato já solicitou essas informações em mesas de negociação e ofício, mas nunca nos responderam. Enquanto isso, vemos situações absurdas como essa, de culpabilização de meninos e meninas por sua condição financeira, sem que tenham maturidade psicológica para contrapor esse conteúdo”, diz Nádia.
Reforma para piorar
A presença das empresas nas escolas aprofundou-se a partir da Reforma do Ensino Médio, sancionada pelo presidente golpista Michel Temer (MDB), em 2017, e que introduziu os itinerários formativos, uma série de disciplinas, projetos e oficinas voltadas a anteder as necessidades e perspectivas dos estudantes.
O modelo implementado durante a pandemia sem o devido diálogo com a sociedade e sem ouvir os trabalhadores e trabalhadoras da educação se mostrou um fracasso ao impedir o acesso universal de alunos e alunas e se apresentar como mais uma porta de acesso às verbas públicas para a iniciativa privada, que passaram a oferecer serviços de ‘parceria’.
Desde a regulamentação, a reforma recebe críticas de inúmeras entidades e movimentos que defendem o direito à educação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), aponta, dentre outros aspectos discutíveis, que os itinerários trazem problemas que vão desde a ausência de opções de disciplinas para todas as escolas, passam por um conteúdo voltado exclusivamente aos valores empresariam e resultam em alunos que ficaram fora dos espaços escolares a partir da implementação do turno de período integral.
O problema nos conteúdos oferecidos a partir da reformulação dos currículos escolares não são exclusivos do Paraná. No Twitter, a professora Sofia Lisboa passou a reunir relatos de educadores e educadoras que enfrentam problemas como a disponibilidade de aulas de músicas sem que que a escola possua instrumentos musicais até a obrigatoriedade de exibir um vídeo do Movimento Brasil Livre (MBL).