Escrito por: CNTE
Trabalhadoras/es da educação podem ajudar no combate à violência e o preconceito
Foto: Reprodução/Vídeo JC/Bauru
O etarismo, preconceito que atinge pessoas em relação a faixa etária, tem sido um dos assuntos mais pesquisados no Google nas últimas semanas e tem ganhado repercussão na comunidade escolar devido ao um caso que aconteceu no interior de São Paulo e ganhou visibilidade nacional na semana passada. Especialistas destacam que qualquer forma de preconceito é prejudicial para a educação e precisa ser banido da escola e da sociedade.
O caso da estudante de biomedicina de 44 anos em Bauru, que sofreu este preconceito por três jovens só por estar cursando faculdade depois dos 40 anos, ganhou repercussão nacional depois que um vídeo gravado por elas, criticando a presença da estudante na universidade, viralizou e chegou a mais de um milhão de visualizações em menos de 24 horas.
“O preconceito no Brasil é resultado de um país colonial, despolitizado, elitista e excludente. Mesmo com vários movimentos em prol de educação humanizadora em governos de caráter popular, este preconceito acontece. O que necessitamos é de uma política nacional de uma educação permanentemente e humanizadora tanto nas escolas, nas universidades, quanto na sociedade. O preconceito com pessoas adultas ou idosas nas escolas e universidades é fruto da ignorância e da estupidez”, afirma o secretário de Aposentados e Assuntos Previdenciários da CNTE, Sérgio Antônio Kumpfer.
Para a Doutora em Psicologia e Docente colaboradora da Faculdade de Educação da Unicamp, Ângela Soligo, o etarismo só acontece na sociedade brasileira e em outras sociedades ocidentais nas quais acreditam que essa posição de privilégio é ocupada por quem é jovem ou adulto jovem e que ocupa na sociedade as melhores condições de acesso. Isso, segundo ela, é diferente de outras culturas, por exemplo, em culturas africanas e orientais nas quais a velhice é muito valorizada porque representa a experiência e história daquele povo.
“O etarismo é prejudicial porque é impeditivo e cria a crença de que o sujeito quando atinge uma determinada idade superior a 40 anos ele se torna incapaz e isso não tem fundamento científico. É claro que ao longo da vida nós vamos adquirindo habilidades e competências, mas também vamos perdendo algumas. Então, mais do que a questão da idade, o que se coloca são as experiências das pessoas”, ressalta Ângela.
Ela também destaca que o etarismo é impeditivo, um falso conceito que coloca todas as pessoas de uma certa idade no mesmo balaio como se todos fossem iguais e que os jovens têm capacidade de tudo, mas é uma crença que não se confirma.
“Quem tem que definir o que as pessoas são capazes de aprender ou que querem tentar aprender são elas mesmas. Quem tem que avaliar suas possibilidades não é o outro. Se a pessoa diz que é capaz, ela não pode ter seu direito negado e esse tipo de conduta é preconceituosa e discriminatória e tem que ser abolida em nosso país, em todos os âmbitos”, frisa a psicóloga.
A escola pode combater o preconceito e a violência
A estudante de Bauru não é um caso isolado. Muitas pessoas na fase adulta querem estudar, sofrem preconceitos e persistem nos seu direito de estudar. Há 900 mil adultos e idosos, a partir dessa mesma idade, que estão matriculados em escolas no Brasil, sendo alfabetizados e aprendendo conceitos básicos de matemática e ciências. Cerca de 11,1% dos brasileiros acima de 40 anos são analfabetos, segundo os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), e outros 600 mil desta faixa etária são alunos no ensino superior, de acordo com o Censo de Educação Superior de 2021.
“Muitas pessoas ficaram fora da escola por políticas públicas insuficientes para garantir a democratização do acesso à educação básica. Muitas pessoas não concluíram ensino médio, a educação básica ou universidade na idade que deveria, muitas vezes, por questão financeira ou porque precisaram trabalhar para sustentar um filho. Ir à escola é um direito e o nosso papel é incentivar o acesso à educação pública para todos os brasileiros e todas as brasileiras, independentemente da idade”, afirma a secretária de Assuntos Educacionais da CNTE, Guelda Cristina de Oliveira Andrade
Para Ângela, o papel das trabalhadoras e dos trabalhadores da educação é exatamente no enfrentamento ao preconceito no cotidiano e nos elementos estruturais da nossa sociedade, como o racismo e o machismo.
“Todas as formas de preconceito e discriminação precisam ser enfrentadas na escola. A gente precisa reconhecer que a nossa cultura, historicamente, nos ensina a perpetuar a desigualdade e é papel da escola enfrentar, discutir, problematizar e mostrar uma outra possibilidade de diluir esses preconceitos e de mostrar quanto há neles de irracional e de violento. A violência não se dá só no corpo ou físico, se dá de muitas formas e o etarismo é uma violência”, conclui a psicóloga.
Segundo a representante do Fórum Educação de Jovens e Adultos (EJA) e do Movimento de Educação Popular no Rio Grande do Sul, Fernanda dos Santos Paulo, este deve ser um assunto a ser tratado como política pública educacional, com programas que contemple as políticas intersetoriais, materiais didáticos construídos com e para a comunidade local das instituições escolares.
Para ela, é preciso pesquisas que abordem este tema e que delas resultem, não apenas um relatório, uma dissertação, um artigo ou uma tese e sim cartilhas, cursos de formação, documentários, teatro popular, música temática, etc, mas é necessário financiamento para estas políticas e programas contra discriminação ou preconceito na escola, no bairro, na cidade, no estado e no país.
“Temos que ter uma educação que contribua com um projeto de um país decolonial, humanizador e democrático e não podemos esquecer de Paulo Freire com a construção de currículos contextualizados. Eis uma possibilidade de ponto de partida”, finaliza Fernanda.