Escrito por: CNTE

Paridade | A luta permanente pela igualdade entre mulheres e homens

Romper com a desigualdade do poder nos sindicatos passa pela batalha cultural machista

A história do sindicalismo brasileiro sempre privilegiou a participação masculina nos espaços de poder e de decisão. A invisibilidade das mulheres, nas imagens e nas escritas históricas dos direitos conquistados pelos sindicatos, é fruto da desigualdade de gênero que existe na sociedade e foi reproduzida por muito tempo no movimento sindical. E ainda é, apesar dos avanços.

O estigma reservado à mulher no espaço privado, seja no papel de mãe, filha, esposa e dona de casa ainda persiste, em grande parte da sociedade e dos sindicalistas, como empecilho para as mulheres seguirem como protagonistas de suas próprias histórias, tanto na vida pessoal quanto no trabalho e no movimento sindical. A condição de mulher ainda é vista como um "problema" para elas avançarem em qualquer lugar que estejam. E essa cultura não é de hoje, nem está perto de acabar. Mesmo quando chegam em cargos de destaque dentro dos sindicatos, isso não diminui.

“Nós fomos ensinadas à submissão, e criadas com repressão. E quando você se destaca, começa a sofrer preconceitos. Muitas vezes a opressão do movimento sindical, na maioria das vezes a partir dos colegas homens, faz a gente se sentir fraca e incapaz, mas não é verdade. E isso afasta ou inviabiliza as mulheres no sindicato”, destaca Izabel Cristina Alves Lins, que hoje ocupa a secretaria geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica das Redes Públicas Estadual e Municipais do Estado do Maranhão (SINPROESEMMA).

Muitas vezes, as mulheres foram invisibilizadas nos espaços sindicais. E a participação feminina nos sindicatos sempre foi desafiadora. Elas sempre estiveram na luta por direitos e melhores condições de vida e no trabalho, e já estavam, por exemplo, na construção da primeira central sindical do país, em 1983, a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Desde antes da fundação da Central, as mulheres impulsionam a construção de relações mais igualitárias entre os sexos e de uma política de igualdade de gênero para ampliar suas políticas antidiscriminatórias e combater todas as formas de exclusão. E essa luta ainda é vista e ouvida por mulheres que resistem aos obstáculos e continuam suas vidas no movimento sindical.

A presidente do Sindicato dos Servidores Públicos em Educação no Amapá (Sinsepeap), Katia Cilene de Mendonça Almeida, conta que não foi fácil chegar onde está, nem se manter na posição de líder da entidade, principalmente por ser mulher e negra. Segundo ela, mesmo ocupando um cargo de presidência, ainda se depara com o machismo de companheiros, mas o que a faz permanecer na luta são seus ideais.

“Nós sofremos com o machismo desde a infância; somos educadas a manter um padrão que a sociedade patriarcal impõe. Eu me tornei essa mulher que sou hoje, no movimento sindical, quando encontrei na CUT um espaço de formação e acolhimento”, diz Kátia. “O desafio que me propus foi o de luta pela minha categoria: a Educação. Por isso, sigo firme e em defesa dos meus ideais, de uma educação pública, gratuita, laica e socialmente referenciada pelos trabalhadores e trabalhadoras”, completa a presidente.

Resistir para mudar a realidade

Esse amor por permanecer na luta e no sindicato não é visto somente na história da Kátia; diversas outras sindicalistas do ramo também contam como é desafiador romper com o machismo estrutural, mesmo numa categoria em que a maioria é feminina.

De acordo com dados do Censo Escolar de 2020, além das mulheres representarem mais de 51% da população brasileira elas correspondem a 96% dos profissionais da Educação Infantil. No Ensino Fundamental I e II, representam, respectivamente, 88% e 67% dos docentes. No Ensino Médio, o percentual diminuiu para 58%, mas ainda assim são a maioria.

Mesmo em uma categoria majoritariamente de mulheres, a resistência, resiliência e a coragem das trabalhadoras são necessárias para se manter na estrutura sindical, que ainda não rompeu com os laços machistas e misóginos explícitos na sociedade. As trabalhadoras da educação ainda sentem a desigualdade na prática.

As dirigentes sindicais contam que ainda existem atitudes de falta de respeito às mulheres por sindicalistas do sexo masculino, violência psicológica e assédio – inclusive sexual – e pressão para demonstrar competência - nunca cobrada dos homens - , que chegam a provocar o afastamento de muitas delas da participação sindical.
“Nós compreendemos que é preciso garantir as condições necessárias para que, de fato, a igualdade de gênero aconteça no mundo do trabalho, e em todos os espaços de representação, inclusive nos sindicatos, principalmente os de educação, nos quais as mulheres geralmente são mais de 80% da categoria e precisam ter a sua representação legitimada”, ressalta a secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Berenice D’Arc Jacinto.

Para ela, quanto mais representatividade feminina tiver o movimento sindical, maior será a possibilidade de trazer as bandeiras das mulheres. Porque a paridade política inclui a igualdade de condições de participação entre os sexos, por intermédio da superação de barreiras como a divisão sexual do trabalho, a cultura machista e o desequilíbrio na ocupação dos cargos. “O sindicato é a representação da categoria. E a representação da categoria da Educação é, em sua maioria, de mulheres. E os cargos de poder precisam ser ocupados por elas. Para nós, mulheres da educação, a representação nesses espaços também abre a perspectiva para representação dos espaços de poder na escola e na nossa Confederação”, ressalta Berenice.

Maria Izabel Azevedo Noronha (a Bebel), deputada estadual e presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), filiado à CUT e a CNTE, concorda com Berenice. Ela afirma que ocupar os cargos de poder nos sindicatos da educação é justo, e que é preciso romper com o machismo e preconceito contra as mulheres que já ocupam esses lugares.

“Ao longo do tempo, pela nossa atuação constante, tivemos muitas conquistas, mas ainda persistem problemas. O machismo e, até mesmo, a misoginia se manifestam pontualmente, demonstrando que as conquistas das mulheres precisam ser permanentemente defendidas face ao machismo estrutural e à cultura patriarcal enraizados na sociedade. Ainda há, por parte de muitos homens, reações negativas ao protagonismo das mulheres”, afirma Bebel. “Eu diria que o lugar da mulher é onde ela quer e precisa estar. Nossa presença, nesses cargos de poder, contribui para quebrar paradigmas e para combater o machismo e o patriarcalismo que perpassam nossa sociedade e, também, o movimento sindical”, completa a deputada.

Na opinião de Berenice, o fato de as mulheres representarem a maioria mostra como é importante que elas também se vejam representadas nesses espaços. “É fundamental que o Sindicato dos professores/as tenha sua representação de mulheres no comando, que possam ser presidentes, secretária geral ou de finanças, ou qualquer outra secretaria, para que esta desconstrução do machismo aconteça e que seja didático, para que a mudança continue acontecendo em outras gestões e nas futuras gerações”, completa a secretária da CNTE.

Não é tão simples mudar a realidade em que vivem as mulheres. O machismo estrutural ainda é visto e praticado dentro das estruturas sindicais. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), por exemplo, tem mais de 75 anos de história e está agora em sua terceira presidente. Os homens, que têm menos de 10% na categoria, ainda continuam nos principais cargos da estrutura sindical. A atual presidente, Walkíria Olegário Mazeto, vê isso como um absurdo, mas diz que essa desigualdade se vê desde a direção da escola.

“Culturalmente, é construído na população de que o lugar de poder é um lugar masculino. E a gente vai vendo isso desde a direção da escola, desabafa Walkíria. “Se tiver um homem competindo à direção, ele sempre ganha, porque ele vai ser um bom diretor. Como se nós mulheres não tivéssemos a condição de fazer gestão das nossas escolas. E assim acontece no processo sindical”, ressalta.

Ela conta que, mesmo ocupando o espaço de poder, em vários momentos, tanto internamente, no sindicato, quanto em espaço de negociação com empresas e com o Judiciário, as mulheres, muitas vezes, ainda precisam ser respaldadas pela opinião dos colegas diretores homens.

“Estávamos num debate com o governo, e uma colega da APP apresentou uma proposta, que foi ignorada por várias vezes. No fim da reunião, um dirigente homem do nosso sindicato, colocou a mesma ideia da diretora, e o representante da mesa, de forma animada, disse que era uma boa ideia”, conta a presidente da APP. “Isso até tem nome, na cultura machista, é mansplaining, que vem do inglês, e quer dizer algo como explicação masculina. E se caracteriza como um ‘entenderam agora?’. Uma sutil maneira de calar uma mulher”, argumenta Walkíria. Ela explica que, dentro dos sindicatos, não existem essas formas de deslegitimar a posição das mulheres, mas os homens as interrompem para dizer o que já tinham dito, como se a explicação delas não fosse o suficiente.

A presidente da APP disse que um fato é a representação da categoria legítima, pois é de maioria de mulheres, outra coisa é quebrar esta teoria de que política é só para os homens, mas também afirma que é uma luta cotidiana. “Isso é uma desconstrução diária, que a gente precisa fazer. As mulheres precisam estar nos cargos de poder, mas também defender um projeto de superação do machismo estrutural. E precisam defender um projeto popular, porque senão vão reproduzir a opressão, machismo e tudo que a gente vive no dia a dia”.

“Temos o direito a sermos iguais, quando a nossa diferença nos inferioriza, e temos o direito a sermos diferentes, quando a nossa igualdade nos descaracteriza”, afirma a secretária de Finanças do Sindicato dos Professore do Distrito Federal (Sinpro-DF), Luciana Custódio, parafraseando Boaventura de Sousa Santos. “Daí, a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza, as desigualdades”, complementa. “Nós avançamos muito no sindicato, mas precisamos manter essa disputa por espaço de legitimidade da representatividade como um processo contínuo, até porque a ruptura do patriarcado faz parte desse processo e precisamos estar em constante processo de desconstrução”.

A presidente do Sinproja, Séphora Freitas, defende que a luta precisa ser permanente. “Sempre que vamos discutir a composição da diretoria temos o cuidado de respeitar a paridade. Aqui as mulheres ocupam cargos importantes. Somos protagonistas na luta. Trabalhamos por garantia de espaço para as mulheres dentro e fora do sindicato. Inclusive conscientizemos os companheiros diretores no cotidiano. É preciso um trabalho paciente e perseverante. Essa luta vem acontecendo ao longo dos 30 anos do Sinproja. Ainda temos muito a conquistar e não vamos desistir", avalia.

É uma mudança cultural e precisa de formação e acolhimento permanentes

Todas as sindicalistas são unânimes em afirmar que ter o coletivo de mulheres e as secretarias para cuidar dos temas específicos contribui muito para a mudança social, dentro e fora da entidade. Além disso, as dirigentes também apontam a importância da formação, e de outras ações, para estimular a presença das professoras nos sindicatos, para ampliar este debate feminino e feminista.

“Estimular os espaços de participação das mulheres em suas bases, como garantia de cota de gênero nas direções, conselhos e instâncias sindicais, formação político-sindical, específicas para as mulheres, tornam o ambiente sindical um espaço mais acolhedor para as companheiras”, afirma a presidente do Sinsepeap.
O que a grande maioria das sindicalistas fala é que as trabalhadoras precisam ter consciência da importância do sindicato para ampliar e garantir direitos. E uma ação importante é formação, trabalho de base e organização.

Já Luciana Custódio garante que essa realidade é muito importante para trazer esse território, de pertencimento e maior representatividade, como uma necessidade, mas que precisa ser contínuo para manter a disputa por espaço de legitimidade. Até porque a ruptura do patriarcado é histórica e precisa estar em constante processo de desconstrução. “Nós temos uma política muito voltada para o empoderamento das mulheres através de todas as secretarias do sindicato, mas com protagonismo da secretaria de mulheres. A gente trabalha numa perspectiva de formação política e de inserção dessas mulheres na vida política do dia a dia do sindicato. Inclusive, nos momentos de eleição, que temos que renovar 1/3 da diretoria, nós temos mais trabalho de trazer homens do que mulheres, porque nós temos muito mais mulheres preparadas para assumir”, afirma Luciana.

Kátia Almeida conta que, ao longo dos quatro anos que está na presidência o Sinsepeap, criou espaços de acolhimento e estímulo, para que as mulheres da categoria participem das assembleias, dos atos e da vida sindical. “Acredito que as direções sindicais do país precisam estimular os espaços de participação das mulheres, em suas bases, criar iniciativas políticas como: garantia de cota de gênero nas direções, conselhos e instâncias sindicais; formação político-sindical para as mulheres das categorias e, principalmente, tornar o ambiente sindical um espaço acolhedor para as companheiras”, explana a presidente.

O espaço mais acolhedor é fundamental para atrair a filiação em massa das mulheres, para que a composição dos quadros associativos dos sindicatos reflita a composição real das bases, garantindo, dessa forma, que as questões mais importantes sejam debatidas e incorporadas à atuação sindical.

“É necessário garantir a formalização, nos estatutos das entidades, dessa participação, assegurando cotas mínimas nas estruturas de poder", ressalta Bebel. “O empoderamento das mulheres se dá também por meio da formação, que conscientize as mulheres e também os homens, sobre a importância da inclusão das temáticas femininas nas pautas dos sindicatos. No caso da Educação, essas temáticas são primordiais, considerando que somos a maioria na nossa categoria”, completa a presidente da Apeoesp.

E não é só por ser maioria na categoria que a mulher precisa ter mais espaço no movimento sindical. Segundo Izabel Cristina do SINPROESEMMA, sem a mulher o mundo fica bem mais sem graça. “Temos que lembrar que nós não só compomos a sociedade, como a sociedade precisa da gente. Então, estes obstáculos da maternidade, casamento, dona de casa, filha, irmã e sustentáculo da família, que acabam sendo nossa responsabilidade, não podem ser impedimento para participar. Pelo contrário, isso tudo é motivo de força e luta, porque estamos contribuindo com o futuro dos filhos para uma sociedade mais justa e igualitária. Nós somos mais da metade do mundo e mães da outra metade, a sociedade não existe sem nós”, destaca a secretária geral.

A vice-presidente do Sinproja, Séphora Freitas, defende que a luta precisa ser permanente. “Sempre que vamos discutir a composição da diretoria temos o cuidado de respeitar a paridade. Aqui as mulheres ocupam cargos importantes. Somos protagonistas na luta. Trabalhamos por garantia de espaço para as mulheres dentro e fora do sindicato. Inclusive conscientizemos os companheiros diretores no cotidiano. É preciso um trabalho paciente e perseverante. Essa luta vem acontecendo ao longo dos 30 anos do Sinproja. Ainda temos muito a conquistar e não vamos desistir", avalia Séphora Freitas

Cotas, paridade e a luta pela desconstrução do machismo

A discussão da cota de 30% para cada sexo nas direções estaduais e nacional, conhecida como “cota de gênero”, foi proposta pela Comissão Nacional sobre a Mulher Trabalhadora (CNMT), em 1993, e só foi aprovada depois de 15 anos, em 2008, o que já começou a abrir mais as portas do sindicato para elas. Com a palavra, a Assistente Social Didice Godinho Delgado – ex-dirigente sindical e primeira coordenadora da CNMT da CUT (1987-1993): “Essa força política se deu a partir do anos 1970, quando houve uma entrada massiva de mulheres no mercado de trabalho, acompanhada de um crescimento substantivo do número de mulheres sindicalizadas e das pautas das mulheres trabalhadoras; como creches, licença maternidade, igualdade de salários, controle do uso do banheiro e fim das discriminações, entre outras”, explica Didice.

A política de paridade de gênero nas entidades sindicais, iniciadas pela CUT em 2015, foi mais um dos meios no rumo à igualdade conquistada pelas mulheres, mas não foi o fim. As mulheres perceberam que elas conquistaram espaço na diretoria, mas não nos cargos de poder. Para se ter uma ideia, segundo Didice, na gestão CUTista de 2015-2019, com 44 cargos, foram criadas secretarias adjuntas em alguns casos e novas secretarias para encaixá-las. Além disso, apenas dois cargos de poder foram dados a elas.

Ela explica que a paridade política inclui a igualdade de condições de participação entre os sexos, com a superação de barreiras como a divisão sexual do trabalho, a cultura machista e o desequilíbrio na ocupação dos cargos.

“A aprovação da paridade, portanto, longe de ser uma medida isolada, é o resultado de um longo processo de construção de poder”, explica a Assistente Social. “A obrigatoriedade de 50% da direção do sindicato ser feminina não é um desafio só de eleger mais mulheres, que já é muita coisa, mas passa também por uma mudança estrutural e cultural nos lares brasileiros”, encerra Didice Delgado.

A CNTE foi entidade a que primeiro avançou nesse campo. Desde 2014, a metade dos membros da diretoria é formada por mulheres. E desde a gestão eleita em 2017, elas ocupam cargos de destaque, como a vice-presidência, secretaria de finanças e secretaria geral, além de dividirem, igualmente, os cargos com os homens.

Para a Secretária Geral da CNTE, Fátima Silva, apesar de as mulheres formarem 85% da categoria dos trabalhadores em educação, o que por si só, já legitimaria a maior participação nos espaços de decisão, a conquista da paridade na Confederação é resultado de anos de negociação. "Desde o início da organização dos trabalhadores na CPB que hoje é a CNTE, foi longo um processo para aprovar a cota de 30% e hoje conquistar a paridade. Isso significa uma divisão maior dos espaços de decisão e rumos da educação pública do país, tanto de professores como de funcionários de escola", destaca.

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