Escrito por: Daiana Santos

Persistir é um ato revolucionário

Leia o artigo escrito pela deputada federal Daiana Santos (PCdoB/RS)

Artigo escrito por Daiana Santos para a Revista Mátria. Daiana é sanitarista formada pela UFRGS, educadora social e promotora da saúde da população negra. Atualmente, ocupa o cargo de Deputada Federal (PCdoB/RS), sendo a primeira parlamentar negra e lésbica eleita pelo Rio Grande do Sul. É presidenta da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial e Ciência e coordenadora do Eixo Violência Política contra a Mulher no Observatório Nacional da Mulher na Política.

A violência política contra as mulheres é uma tentativa deliberada de nos silenciar, de limitar a nossa participação nos espaços de poder, e de deslegitimar as nossas vozes. É um ataque à democracia e ao princípio da igualdade, que deve ser combatido com a mesma veemência que todas as outras formas de violência de gênero. 

Nas condições de candidatas a um cargo público, as mulheres são ameaçadas, interrompidas, desqualificadas, violadas, difamadas e desencorajadas. Infelizmente, muitas não conseguem vencer as barreiras impostas. 

Em relação às mulheres eleitas, as violações assumem um novo formato. Em geral, tentam nos excluir de debates importantes, questionam nossa aparência física e forma de se vestir, questionam as nossas vidas privadas. Em outros casos, põem em nossa integridade física. Em casos extremos, nos matam. 

Não há dúvidas que, independente do perfil, as mulheres que ocupam cargos públicos são alvos frequentes de ataques que visam desqualificá-las e impedir seu trabalho político. Entretanto, não há como falar de violência política de gênero sem intersecionar. São as mulheres negras, indígenas e LGBTQIAP+ os principais alvos de ataques. 

Lélia Gonzalez, uma das vozes mais poderosas do feminismo negro no Brasil, nos ensinou que o racismo e o machismo são ferramentas de poder que se entrelaçam para manter o status quo. 

Quando uma mulher negra se levanta para ocupar um espaço de poder, ela desafia essas estruturas, e a reação muitas vezes é violenta. Gonzalez nos alertou que a violência contra a mulher negra, especialmente em espaços de poder, é uma estratégia de manutenção das hierarquias raciais e de gênero.

E é exatamente isso que vivemos no Brasil de hoje: uma tentativa de manter as mulheres, sobretudo as negras, fora dos espaços de decisão e poder.

Sou a primeira mulher negra e lésbica eleita Deputada Federal pelo Rio Grande do Sul,  estado com  marcas profundas do racismo sistêmico.  

Em 2021, quando ainda ocupava uma cadeira como vereadora da Câmara Municipal de Porto Alegre, recebi a minha primeira ameaça de morte. Neste caso, expondo o viés racista desse ataque, o e-mail também foi direcionado para outros integrantes da Bancada Negra.

Já em 2023, entre inúmeras outras tentativas de silenciamento, recebi ameaças de "estupro corretivo" apenas por ser quem sou e ocupar este espaço de poder. É preciso nomear isso: racismo, misoginia e lesbofobia política.

Ao longo de 2024, atuei como presidenta da Comissão dos Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara das Deputadas e dos Deputados. Em praticamente todas as sessões membros de partidos da extrema-direita tentaram me silenciar e me ensinar de que forma eu deveria me portar como presidenta da Comissão, entre outros atravessamentos. A postura desses parlamentares não é aleatória. Usar o grito para tentar defender o seu ponto de vista contra uma mulher tem nome: é violência política de gênero. 

Esses comportamentos têm o objetivo de desencorajar outras mulheres a participar da vida pública, criando um ambiente político cada vez mais hostil e excludente.

Os números do Monitor da Violência Política de Gênero e Raça, do Instituto Alziras, refletem o cenário atual. De 2021 até 2024, o Ministério Público Federal contabilizou 215 suspeitos de cometer violência política de gênero. Isso representa uma média de seis casos por mês. De 175 casos monitorados, apenas 7% resultaram em ações penais eleitorais. 

Precisamos monitorar, denunciar e combater todas as formas de violência política. Ou seja, criarmos estratégias concretas para fortalecer redes de proteção e denunciar. Isso passa pela aprovação de leis que garantam a segurança das mulheres na política. As leis precisam ser mais severas e específicas para esses tipos de crimes e é necessário que haja mudança cultural profunda que valorize a pluralidade e a representatividade.

A organização Vote LGBT vem desempenhando um trabalho exemplar ao mapear e enfrentar as diversas formas de violência política que atingem essa população: a iniciativa Sentinela acolhe de forma confidencial denúncias de violência política contra pessoas LGBTI+. Em agosto do ano passado, quando recebi um e-mail com uma ameaça de morte, escrevi um artigo. Na ocasião, pontuei que "a representatividade, quando atrelada ao compromisso com os direitos humanos e a justiça social, de fato, resulta na construção de políticas públicas que mudam a sociedade". Essa mudança não acontece sem resistência, porque desafiar estruturas de poder historicamente excludentes provoca reações violentas daqueles que se opõem à ampliação da democracia.

É exatamente isso que esses criminosos covardes não querem: que avancemos, que ocupemos os espaços, que façamos valer nossa voz e nossos direitos. Mas seguimos firmes, porque nossa luta não é individual, é coletiva. E a história nos mostra que, apesar das tentativas de silenciamento, a resistência sempre encontra novos caminhos para florescer. Persistir é, e sempre será, um ato revolucionário.