Escrito por: CNTE

Política - Mulheres eleitas: Aumenta o percentual, não a representatividade

Número de candidaturas ainda está distante da sonhada paridade

Mesmo as mulheres representando 52,35% do eleitorado brasileiro, essa supremacia feminina nas urnas não se traduz em paridade no resultado das apurações. Nas eleições municipais de 2020, por exemplo, elas representaram apenas 33,6% das candidaturas para as Câmaras de Vereadores e Prefeituras dos 5.570 municípios brasileiros, de acordo com
dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ainda assim, a quantidade de mulheres candidatas nessas eleições foi superior em relação às anteriores: foram 31,9% em 2016
e 31,5% em 2012.

O número de candidatura de mulheres negras também aumentou em 2020; com cerca de 4.088 pretas e pardas concorrendo às eleições, contra 3.309 registradas em 2016. Em
alguns municípios as eleitas representaram uma conquista histórica, como a educadora Carol Dartora (PT). Aos 37 anos, ela é a primeira mulher negra eleita para a Câmara de Vereadores de Curitiba (PR). Com 8.874 votos, ela figura entre os três mais votados da capital paranaense, atrás apenas de Indiara Barbosa (Novo) e de Serginho do Posto (DEM).
O interesse de Dartora pela política não é recente. "Ter nascido uma mulher preta em Curitiba, de certa forma foi me levando a esse espaço. Porque como eu digo, Curitiba é uma
cidade bem conservadora, uma cidade racista e aí ter vivido aqui sempre me fez refletir muito politicamente no sentido de me afirmar, de afirmar o que é ser negro, o que é ser uma
mulher negra", conta a vereadora.

Para a professora da rede pública municipal, até mesmo a escolha da profissão foi norteada pelo desejo de transformar a realidade em que vivia. "Ser professora já foi um desejo
de agir politicamente, no sentido de transformar a sociedade, desconstruir preconceitos, desconstruir toda essa desigualdade que me acompanhou durante toda a minha vida". Foi acompanhando o dia a dia das alunas negras e percebendo que a injúria racial não era apenas presente, mas recorrente, que Dartora foi impulsionada ao movimento de mulheres negras e ao estudo do feminismo negro. Também ativa nas lutas pelos direitos dos trabalhadores, ela passou a enxergar de perto a sub-representação das mulheres negras na política e foi a partir desta compreensão, que veio a decisão de se candidatar.

"A gente tá na base dos sindicatos; nas periferias denunciando a falta de creches; denunciando a violência policial; mas quando é para assumir cargos de lideranças, daí as instituições não nos vêem como possíveis lideranças", destaca a vereadora.

Para Dartora, conquistar uma cadeira na Câmara de Vereadores trata-se de uma conquista do coletivo, do movimento de mulheres e dos trabalhadores do município em sua diversidade. "Foram essas pessoas que deram seu voto de confiança e que me fizeram chegar nesse espaço e quebrar essa barreira tão grande que é o fato de Curitiba nunca ter elegido uma mulher negra", conclui.

Ataques
O protagonismo de Dartora e de outras candidatas como a vereadora Ana Lúcia Martins (PT), primeira mulher negra a ser eleita vereadora em Joinville (SC) com cerca de 50 mil
votos, incomodou racistas. Ambas as vereadoras chegaram a receber ameaças além dos diversos atos de racismo feitos por trás da tela dos computadores. Com o objetivo de
auxiliar na segurança das candidatas, o TSE chegou a lançar um guia de segurança com dicas de como se proteger de ataques virtuais.

Poucos dias após o primeiro turno, a eminência dos ataques levou o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso a se posicionar sobre a violência com motivação política: "Nós precisamos de mais mulheres na política e precisamos enfrentar essa cultura do atraso, da discriminação, do preconceito, da desqualificação. Precisamos, como disse, de mais mulheres na política.

Elas podem e o Brasil precisa", disse o magistrado. Para Barroso, violência e preconceito são fenômenos incompatíveis com a democracia. O Partido dos Trabalhadores solicitou reforço na segurança da Câmara e acionou o Ministério Público pedindo que as ameaças à vereadora Carol Dartora sejam investigadas.

Nas prefeituras

Neste ano, 659 mulheres foram empossadas para assumir cargos no executivo, o que representa 12,08% do total de prefeitos eleitos no país, uma diferença de 0,46 ponto percentual em relação às eleições de 2016. E uma frustração para Marília Campos (PT), prefeita eleita pela terceira vez em Contagem (MG), um dos municípios mais populosos da Grande BH, com mais de 300 mil habitantes.

"Nessa última eleição, mesmo depois de cotas, mesmo depois de financiamento eleitoral garantido para as mulheres, nós não elegemos nem 13% de mulheres prefeitas. Então é muito constrangedor viver nesse ambiente, onde tem mudado muito pouco", lamenta a Prefeita.

Experiente, Marília iniciou sua carreira política nos movimentos sociais e sindicais, depois passou pela Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa de Minas Gerais e pela
Prefeitura Municipal de Contagem. Para ela, um dos maiores desafios de ser uma representante da pauta feminina em um ambiente dominado por homens é o da visibilidade. "A política o tempo todo é no sentido de tentar nos desqualificar", explica. "Então você se sujeita o tempo todo com essa atitude do lado de lá que é a desqualificação, a invisibilidade, seja com as piadas, seja com a ausência de valorização do seu perfil", acrescenta.

A visibilidade dessas mulheres
e de suas ações e posicionamentos têm um papel importante para estimular outras mulheres a disputarem cargos públicos. Marília ainda acredita que é necessário esse estímulo para que a participação feminina esteja presente em toda a estrutura de poder. "Não basta apenas ter a presidenta mulher, você tem que ter nas estruturas de poder, mulheres que tenham compromisso na promoção de mais mulheres na política", destaca.

"Os cargos, por exemplo, nas finanças partidárias, na organização partidária, são cargos que são fundamentais para garantir uma estrutura mais democrática porque é distribuição de
recursos", acrescenta a prefeita.

Diversidade e TRANSformação
As candidaturas de pessoas trans e travestis também marcaram as eleições 2020. De acordo com dados da Associação Nacional de Transexuais e Travestis, ao todo foram 294 candidaturas. Este ano também foi a primeira vez que os candidatos puderam fazer uso do nome social.

De acordo com o TSE, 171 deles registraram-se com o nome social. Com cerca de 5.773 votos, Linda Brasil (PSOL) é uma das 30 pessoas trans eleitas em 2020, um crescimento considerável sobre as eleições 2016, onde apenas 8 haviam sido eleitas. Ela será a primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores de Aracaju (SE).

"Nesse momento com tudo o que estamos vivenciando na política nacional é uma vitória não só minha, mas de todas as pessoas trans e LGBTQE+, mulheres e mulheres negras. Representa uma esperança nesse momento difícil que a gente está vivendo e também uma resposta da sociedade contra tanto discurso de ódio e fake news", comemora Linda Brasil.
Apesar de novata na Câmara de Vereadores, Linda tem um histórico voltado para a luta social.

Seu interesse pela política surgiu na Universidade Federal de Sergipe em 2013. "Aos 40 anos ingressei na Universidade depois de vários processos de violência. Cheguei a ser empurrada para a prostituição como acontece com 90% das trans e travestis", relata Linda. "Quando tentei me matricular com meu nome social eles não permitiram, mas me aconselharam a falar com os professores, para que eles anotassem, colocassem de lápis à frente do nome registro. Como eu queria muito ocupar esse espaço na academia, segui o conselho. No primeiro dia de aula, as minhas duas primeiras professoras foram bem amigáveis e receptivas, mas o terceiro não. Ele falou bem alto meu nome de registro", relata a vereadora.

Após o constrangimento, Linda Brasil fez uma denúncia junto à Universidade e foi autora de um processo que gerou uma Portaria, que hoje regulamenta a questão do uso do nome social da universidade. Mas não apenas isso, a situação foi o pontapé para que ela ingressasse no movimento estudantil, coletivo de mulheres e feministas. Em 2015 filiou-se ao PSOL e chegou a ser candidata à deputada estadual em 2018. Atualmente, a vereadora e mestranda em educação é uma das fundadoras da Associação e Movimento Sergipano de Transexuais e Travestis (AMOSERTRANS).

Para ela, apesar de ainda serem necessários avanços para uma política mais representativa, as eleições 2020 são apenas o início para um país mais justo. "É preciso fazer política com um olhar diferenciado, com o olhar das mulheres, das LGBTs, da população negra da periferia, eu acho que vai ser muito importante para que a gente possa ter mais direitos, oportunidades e justiça social", destaca a vereadora.

No Brasil Para a socióloga e conselheira do Instituto Patrícia Galvão, Fátima Jordão, há um longo caminho para eleições com mais igualdade. "Nós estamos parados. Nessa onda conservadora brasileira nessas últimas eleições, houve um sinal claro senão de retrocesso, de estagnação. Os números são muito claros em relação a isso. Foram 12% de mulheres
eleitas, de 30% de candidatas obrigatórias", enumera.

De acordo com a especialista, a sub-representação feminina é resultado da soma de múltiplos fatores, dentre eles, barreiras internas dentro dos próprios partidos e sindicatos. "Elas representam 50% no partido, um pouco mais até no sindicato e aí é o buraco negro. Elas entram e desaparecem, na liderança, nas eleições, nas reuniões e assim por diante", conta.

Ainda de acordo com Fátima Jordão, o leve aumento de mulheres candidatas neste ano, apesar do recorde, representa o mínimo do que é preciso para uma política mais igualitária. "A lei tem por determinação uma obrigatoriedade dos partidos terem um mínimo de 30% de representação. Então isso é o mínimo. É uma lei de conquistas das mulheres. Não é um fenômeno da democracia brasileira. A democracia brasileira no seu conjunto de liberdades e de direitos, ela reduz a mulher a 30%", finaliza.

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