Escrito por: CNTE

Política - Representatividade feminina e progressista na política

As eleições de 2022 podem ser a chance de uma renovação de quadros femininos e de projetos que melhorem a vida das mulheres

Mesmo sendo a maioria da população do pais (51,5%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres ainda continuam sub-representadas na política. A Lei nº 12.034/2009, prevê uma cota mínima obrigatória de 30% de candidatas por partido ou coligação, mas o percentual feminino no Parlamento está muito longe disso. A última eleição trouxe uma representatividade de apenas 14,8% de mulheres para o Congresso Nacional.

Um estudo realizado pela União Interparlamentar, organização internacional responsável pela análise dos parlamentos mundiais, coloca o Brasil na 142ª posição, em um ranking de 190 países. “A representação é muito pequena. Mas que mulheres a gente quer que cheguem no poder?”, questiona a socióloga Masra de Abreu, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). “Hoje, temos muitas candidaturas conservadoras, alinhadas a uma lógica de reforço do patriarcado, e não dialogam sobre os direitos das mulheres”, avalia.

Para Masra, o atual parlamento vem produzindo um volume grande de projetos de lei, no campo da violência contra a mulher, que levam à desconfiguração da Lei Maria da Penha. “São centenas de proposições vendidas como proteção, mas é só aumento da punição de agressores”. No executivo, a socióloga denuncia: “Não há fiscalização com o que está sendo implementado. A execução orçamentária da pasta das mulheres é pífia. Existe uma desestruturação da rede de apoio às mulheres, às casas de apoio e centros de referência da mulher. O governo federal tem uma agenda moralista muito forte, e não executa medidas de combate à violência sexual de crianças, meninas e mulheres”, acusa.

Na opinião de Sônia Coelho, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e coordenadora da Marcha Mundial de Mulheres (MMM) no Brasil, o problema não está na representatividade, mas na qualidade das representates no Parlamento. “A gente sempre faz discussão, no período eleitoral, defendendo a importância de votar em mulheres, mas não em todas. É preciso apoiar aquelas que tenham uma plataforma feminista, anticapitalista, antirracista”, destaca. “A gente vai ver quantas mulheres votaram a favor da reforma da previdência, por exemplo. Muitas mulheres. E a quem essa reforma prejudicou mais? Às mulheres”, conclui.

Reforma da Previdência

A economista e técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Maria de Fátima Guerra, reforça que as mulheres sofreram muitas perdas com essa reforma (Emenda Constitucional 103/2019) aprovada no início do governo Bolsonaro. Ela explica que as condições em que o trabalhador se aposenta dependem da qualidade da inserção no mercado de trabalho ao longo da vida. “E as mulheres em geral têm uma trajetória pior do que a dos homens, estão mais inseridas na informalidade, recebem os salários menores, o desemprego delas é maior. Então, elas têm dificuldade de cumprir requisitos para se aposentar”, aponta.

Para a economista, a reforma da previdência dificultou o acesso à aposentadoria no geral, mas para a mulher o impacto é maior. “A reforma diminuiu o bônus que as mulheres tinham em relação aos homens, devido às condições de trabalhos domésticos não remunerados, dentre outros fatores”, explica. “Eram cinco anos a menos para se aposentar, agora a diferença é de apenas três anos”, conclui.
Na avaliação da economista há uma perda muito significativa na pensão por morte, ponto pouco lembrado: “A reforma mudou tanto a regra de cálculo da pensão como da aposentadoria, que agora é de 60% da média de contribuição do trabalhador. A pensão por morte agora é uma cota de 60% do valor da aposentadoria mais 10% para cada dependente”.

Maria de Fátima Guerra também reforça que há regras mais restritas de acesso às pensões: “Quanto mais nova for a mulher beneficiária, quanto menos tempo de contribuição do cônjuge e menos tempo de casamento, menor vai ser o tempo que ela terá direito a essa pensão, que não é vitalícia”.

Reforma Administrativa

A Reforma Administrativa (PEC 32/2020), que tramita no Congresso Nacional, traz diversas ameaças, entre elas a perda da estabilidade, a ampliação das terceirizações e o enfraquecimento do papel do Estado. É uma proposta do governo que, se aprovada, também poderá trazer inúmeros prejuízos para as mulheres.

“Nós mulheres somos a maioria da população, somos a maioria da classe trabalhadora”, argumenta Rosilene Corrêa, secretária de finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). “O concurso público é um mecanismo que, para a mulher, tem um significado muito maior, porque é a nossa porta de acesso ao mercado de trabalho de forma igualitária, sem desvantagem, considerando que o país ainda é machista e patriarcal”, reflete.

Para Rosilene, apesar do concurso público não significar avanço automático na carreira, é um instrumento que dá mais segurança às mulheres. “A estabilidade nos protege mais dos assédios no ambiente de trabalho em relação à iniciativa privada, por exemplo. A gente não fica tão vulnerável às penalidades e punições”, explica a secretária. Outro aspecto reforçado pela dirigente da CNTE é o desmonte dos serviços públicos que essa reforma poderá provocar. “Se for aprovada, haverá terceirização, rotatividade e desemprego. E invariavelmente as mulheres são as primeiras dessa fila da precarização”, conclui.

Teto de Gastos

A Emenda Constitucional 95/2016 estabeleceu o “Teto de Gastos”, um limite que o governo precisa cumprir a pretexto de controlar os gastos públicos. “É uma medida abrupta, com vigência de 20 anos e que estabelece revisão somente ao completar 10 anos. Em nenhum outro país, isso ocorre. No geral, em 4 ou 5 anos se colocava uma revisão”, relata Tauá Pires, coordenadora de programas da Oxfam Brasil (Comitê de Oxford para Alívio da Fome).

Durante a pandemia de Covid-19, quando a população mais precisou de investimentos públicos em saúde, educação e assistência social, o Teto de Gastos foi um impeditivo. E o impacto foi sentido por todos os brasileiros – especialmente pelas mulheres negras, que representam 27% da população. Segundo o IBGE (2018), 68% das famílias chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza.

“Quando a gente fala de teto, falamos de arrecadação e tributação. Mas quem paga mais imposto, proporcionalmente, no Brasil, são as pessoas pobres. E quem está na base da pirâmide são as mulheres negras. E, nesse momento, elas sofrem o impacto mais forte: uma mulher negra tem o dobro de desemprego do que o homem branco”, ressalta Tauá.

Na avaliação da coordenadora da Oxfam Brasil, esse é um teto que pensa a questão fiscal sem pensar no bem-estar social. “A gente pensa que economia do cuidado não gera riqueza. Mas o trabalho de cuidado não remunerado é fundamental para a economia e gera mais recursos do que a economia, por exemplo, das tecnologias”, explica. “Para o país funcionar é preciso ter um cuidado com a saúde, com os mais velhos. Quem está na base, girando a economia local, a economia do cuidado acontecer, a nossa força produtiva, são as mulheres”.

“O que o Teto de Gastos está fazendo é um desamparo. É deixar uma geração sem perspectiva, sem possibilidade de sonhar com uma mudança para o crescimento. A conta fica para a juventude, as próximas gerações serão impactadas”, conclui Tauá Pires.

Fundeb permanente

A aprovação da Emenda Constitucional 108/2020, que estabelece o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) de forma permanente foi uma conquista de educadores e educadoras. A Lei atinge diretamente as mulheres, já que as docentes são a grande maioria na educação básica (79,4%), segundo dados do Censo Escolar 2020.

Segundo a vice-presidente da CNTE, Marlei de Carvalho, há uma baixa valorização da categoria, justamente porque a maioria é mulher. “Infelizmente, no Brasil, essa desvalorização atinge todas as mulheres, em todas as profissões. Nossos salários cresceram diante da miséria que recebíamos; muitas, menos de um salário-mínimo”, desabafa Marlei. “Essa luta despertou, de norte ao sul do país, a coragem, o conhecimento de direitos, a profissionalização e a busca de direitos”, completa.

Para a vice-presidente, o Fundeb e o Piso Salarial Nacional trouxeram um processo de valorização das mulheres. “A CNTE dará continuidade à luta do Piso para sua implementação na integralidade para as professoras e implantar para as funcionárias, vencendo o processo de terceirização”, frisou.

Como os partidos estão se preparando para eleger mulheres
Entrevista com Luciana Santos, presidente do PCdoB.

Qual investimento foi feito para ampliar a participação das mulheres? A expectativa é aumentar em quanto por cento a participação de mulheres, das últimas eleições para cá?
Luciana Santos: Talvez, o PCdoB seja um dos partidos que mais investem, tanto financeiramente quanto politicamente, na promoção de mais mulheres na política. Grande parte de nossas bancadas, nas câmaras municipais, assembleias estaduais e Câmara Federal é composta de mulheres.
Temos práticas cotidianas de valorização da presença de mulheres nas direções e espaços de decisão do PCdoB, e buscamos criar condições para que as mulheres estejam presentes aos debates e participem ativamente da vida partidária, desde a base até nossa direção nacional.
Na Câmara dos Deputados, as mulheres são 40% da nossa bancada. Nas próximas eleições, a expectativa é lançar um importante número de mulheres, para além dos 30%.

Quais as principais bandeiras de lutas das mulheres do partido para estas eleições de 2022?
Luciana Santos: Nosso horizonte é a equidade, igualdade de oportunidades para homens e mulheres. No contexto atual, nossas principais bandeiras são o fim da discriminação e de toda forma de violência de gênero; trabalho decente com salários iguais - e atenção especial para as chefes de família; garantia de políticas públicas que diminuam a jornada de trabalho das mulheres; fortalecer a educação inclusiva; garantir a assistência integral à saúde das mulheres; além da defesa da democracia e contra os retrocessos do governo Bolsonaro, que tem se mostrado como um governo machista e misógino, inimigo das mulheres e do seu bem-estar.

Quais as perspectivas após 2022?
Luciana Santos: Qualquer cenário de governo sem Bolsonaro já é melhor que nossa condição atual. Mas nossa perspectiva é uma virada, com a vitória de um governo progressista, que possa trazer, de volta, políticas estruturantes para o Brasil e, especificamente, para as mulheres, como já tivemos, por exemplo, a Secretaria Especial das Mulheres, com status de Ministério. Por si só, ter de volta esse órgão, significa um compromisso em recuperar e ampliar políticas públicas que possam fazer o enfrentamento da desigualdade de gênero no nosso país.

Ele Não!

Os protestos das mulheres contra a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência, em 2018, também conhecidos como movimento #EleNão, ocorreram em diversas regiões do Brasil e do mundo. “O ‘Ele não’ contribuiu para que tivéssemos um segundo turno. O Bolsonaro poderia ter ganhado no primeiro turno, se as mulheres não tivessem ido para as ruas denunciar o caráter fascista que ele colocava para o Brasil”, analisa Sônia Coelho.

Após a eleição, as mulheres seguiram articuladas e protestaram todos os anos, denunciando os projetos de morte do governo federal e reivindicando a saída de Bolsonaro do poder. “Queremos que ele saia do poder já, mas queremos também que nunca mais a gente possa eleger, no Brasil, um candidato com um projeto como esse, que é ultra neoliberal, que ataca a vida a todo momento, que fez um desmonte do estado, das políticas públicas, que aprofundou a misoginia, o racismo e todo o tipo de preconceito”, sintetiza Sônia.

Para 2022, os movimentos feministas preparam novo calendário de mobilização nas ruas, incluindo atos em locais onde é possível fazer mobilização presencial em segurança sanitária. Sônia Coelho ressalta que é um movimento também de solidariedade às mulheres e à população que está passando fome e necessidade, com distribuição de cestas básicas e alimentos. “As doações diminuíram e a gente não vê políticas públicas para suprir isso. A fome não tem a ver com a pandemia, mas com a forma com que o governo está colocando suas prioridades”.

Expectativa
Segundo levantamento realizado em janeiro deste ano pelo PoderData, do site Poder360, apenas 17% das mulheres pretendem reeleger o atual presidente. Apesar dessa estimativa, Sônia Coelho pondera que as fake news continuam circulando na população mais vulnerável e, em seu trabalho de distribuição de cestas básicas, ainda escuta que a “culpa” é da pandemia e não do governo e suas políticas.

Para Sônia, não basta apenas denunciar as políticas do presidente, é preciso também fortalecer as candidaturas femininas comprometidas. “Temos muitas candidatas populares, negras, trans, lésbicas, que têm plataforma feminista anticapitalista, antirracista e que precisam ser eleitas”, explica a coordenadora do MMM. “Porque elas tendem a fazer aliança com representantes da classe trabalhadora, e elas têm que interpelar esses companheiros, para também apoiar os projetos de igualdade salarial, de combate à violência contra a mulher, legalização do aborto. Tem que ser uma aliança das mulheres progressistas com aqueles que defendem a classe trabalhadora”, conclui.

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