Escrito por: CNTE

Por que a CNTE é contra a PEC 169?

Não se trata de corporativismo, mas de defender a profissão docente e a qualidade da educação

A proposição de autoria do deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) usa como justificativa pretensa dificuldade das administrações públicas em conceituar o que sejam “cargos técnicos ou científicos”, os quais, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, são admitidos para acumular cargo de magistério público na educação básica ou superior, nos seguintes termos:

“Art. 37 (CF)  .....................................................

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

(...)”

Somente depois de 31 anos, e após ser promulgada a Emenda Constitucional nº 101, que permitiu aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios acumularem cargo de magistério com a prevalência da atividade militar, é que um representante militar no parlamento nacional resolveu propor a extensão indiscriminada do acúmulo de cargo no magistério público “a outro cargo de qualquer natureza”.

A PEC 169 foi protocolada na Câmara dos Deputados no período de ascensão da extrema direita e de sucessivos ataques promovidos pelo governo de plantão e sua base parlamentar contra a ciência, a educação e seus profissionais. E, não por acaso, a conjuntura política deu azo a outra tentativa danosa de incorporar no texto da PEC a possibilidade de contratação de professores como microempreendedores, conforme segue a redação do primeiro substitutivo da Comissão Especial da Câmara:

“Art. 37. .....................................................

XVI - ........................................................

b) a de um cargo de professor com outro cargo de qualquer natureza, sendo também possível que o professor atue como microempreendedor individual, definido em lei complementar;”

Embora a proposta de constitucionalização do contrato “pejotizado” tenha sido retirada do substitutivo final da Comissão Especial – em razão de forte contestação da CNTE em audiência pública que tratou a matéria –, essa possibilidade pode retornar a qualquer momento na votação em plenário na Câmara ou no Senado Federal. Seria, assim, a antecipação da PEC 32/2020 (reforma administrativa) para o magistério público.

Do ponto de vista conceitual, muitas são as razões para contestarmos a PEC 169, que se apresenta não apenas como possibilidade de ganho extra aos servidores de qualquer atividade pública, que, no máximo, deverão fazer uma complementação pedagógica para atuarem na educação básica, coisa que nem isso é exigida dos contratados por Notório Saber – outro ataque frontal à profissão do magistério.

Na sequência, elencamos alguns dos problemas mais notáveis e preocupantes de uma proposta aparentemente inofensiva e com ares de contribuição para suprir déficits de professores em determinadas áreas do conhecimento. São eles:

  1. Terceiriza o debate e as soluções para a formação profissional e a valorização do magistério a outras categorias profissionais, sem exigência de perfil técnico-profissional para atuar no magistério, especialmente no nível básico, onde as competências do cargo não se resumem ao conteúdo didático (daí nossa crítica também às escolas cívico-militares e ao acúmulo de cargo docente para policiais militares).
  2. Descredibiliza a profissão docente, historicamente atacada no país, diminuindo a importância dos cursos de Pedagogia e as Licenciaturas para atuação no magistério.
  3. Estimula a prática de dupla e tripla jornadas de trabalho, algo que os profissionais da educação tentam superar com a valorização da profissão. A dedicação exclusiva ao emprego, e em uma só escola, perfaz um dos requisitos para melhorar as condições de trabalho docente e a qualidade da educação no país.
  4. Ignora os elementos da gestão democrática e da jornada de trabalho extraclasse no magistério (1/3 da carga horária) que requerem tempo para qualificação permanente, reuniões com o corpo funcional escolar e com a comunidade, preparação de aulas, correção de provas e trabalhos¸ entre outras atividades.
  5. Caso a “pejotização” volte à pauta da PEC 169, o magistério será a primeira categoria do serviço público a ter todos os direitos trabalhistas e sociais flexibilizados, com potencial supressão de piso salarial, planos de carreira, jornada máxima de trabalho semanal, férias, 13º salário, contribuição previdenciária patronal, entre outras garantias.
  6. Propõe superar o déficit de professores expandindo a oferta de empregos sem critérios técnicos apropriados. E isso coloca em risco a qualidade da educação, há tempos sustentada pelo empenho de uma categoria que atua na maioria das vezes em condições precárias e em alguns casos insalubres.
  7. Associa a expansão da oferta de emprego docente (não necessariamente qualificado) a outros projetos que tentam adotar e/ou ampliar na educação básica e superior a oferta educacional a distância e com softwares de Inteligência Artificial, ambos expedientes destinados a diminuir a contratação de professores.
  8. Segue em sentido contrário às orientações emitidas pela Unesco no “Relatório Global sobre Professores: abordar a escassez de professores e transformar a profissão”, lançado em abril deste ano, onde se destaca a necessidade de os estados reforçarem as políticas de formação profissional docente e de valorização da profissão (piso, carreira, jornada compatível e condições de trabalho apropriadas).
  9. Igualmente, contrapõe as recentes iniciativas do Ministério da Educação (ainda incompletas) que visam reforçar políticas direcionadas aos professores do Brasil, notadamente no aspecto da formação profissional inicial e continuada.
  10. Repassa a péssima mensagem ao país, especialmente para a juventude, de que o trabalho do professor é “bico”, podendo ser executado por qualquer pessoa e em quaisquer condições.

A CNTE continuará empenhada em aprofundar esse e outros debates com a sociedade e o parlamento, buscando encontrar as melhores soluções para a educação pública e seus profissionais. Além de professores, as escolas contam com funcionários administrativos que precisam ser igualmente respeitados e valorizados.

A mobilização virtual coordenada pela CNTE na última quarta-feira (13), quando a PEC 169 foi retirada da pauta de votação do plenário da Câmara dos Deputados, revelou diversas táticas e ataques cibernéticos de grupos sem expressão na sociedade, mas que utilizam as redes sociais para “viralizar” suas opiniões e interesses. E a CNTE atuará mais incisivamente contra esses grupelhos digitais que atuam em outras áreas estratégicas e que não se cansam de desafiar a ordem democrática nacional, inclusive tentando interferir em votações no Congresso Nacional.