Escrito por: CNTE

Realidade: Minha avó, minha vida

Por Kátia Maia

Ah, a casa da avó! Sinônimo de comidinha gostosa, muita brincadeira, vontades feitas. O imaginário de muita gente traz na infância as melhores lembranças da casa da avó. Mas, o que para muitos é apenas um local para brincadeiras e férias, para muitos, nos últimos tempos, tem sido sinônimo da casa principal, onde os netos moram e são criados.

A mudança de perfil da casa dos avós tem vários motivos. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, por exemplo, a criação e o cuidado com os filhos tornaram-se mais um encargo para as mães que tem de dividir o seu tempo entre o mercado de trabalho e a família.

Não só o mercado de trabalho levou as crianças para a casa das avós em tempo integral, mas também a sociedade moderna, com o divórcio e as novas constituições familiares. Segundo o último levantamento do IBGE sobre o tema, em 2014, o Brasil registrou 341,1 mil divórcios ante 130,5 mil registros em 2004. Um salto de 161,4% em dez anos. O dado é da pesquisa Estatística do Registro Civil 2014.

Na avaliação do IBGE, o crescente número de divórcios concedidos revela “uma gradual mudança de comportamento da sociedade brasileira, que passou a aceitá-lo com maior naturalidade e a acessar os serviços de Justiça de modo a formalizar as dissoluções dos casamentos”.

Com o divórcio, a correria do dia a dia no mercado de trabalho e a própria emancipação da mulher, muitas mães delegaram aos avós a tarefa de criar seus filhos.

Ouro de vó - O Brasil se emocionou como a medalha olímpica de Thiago Braz no salto com vara. O sucesso do atleta trouxe à tona sua história de vida.

Thiago cresceu com os avós em Marília, no interior de São Paulo. Orlando (pescador) e Maria do Carmo (dona de casa) assumiram a criação do neto, depois que ele foi abandonado pelos pais ainda pequeno. Responsáveis pela criação do menino, os dois relatam que, por dias, ele ficou esperando a mãe com a sua mochila nas costas. Ela nunca veio. O avô e avó, então, viraram referência: ''Todas as qualidades que tenho hoje vieram dos ensinamentos deles, que foram meus pais na realidade'', declarou Thiago.

"Meus pais brigavam muito, não sei direito a história completa. Eram muito jovens. Fui morar com meus avós e tive também o apoio de meu tio, Fabiano, ex-atleta. Nos momentos de dificuldade, meu pai não estava presente, mas a minha avó me abraçou e me ensinou a perdoá-los. São seres humanos e merecem o meu perdão. Já os perdoei, a gente tem contato, sei onde moram para que eu possa ajudá-los", revelou o medalhista olímpico em sua entrevista coletiva durante as Olimpíadas Rio 2016.

O ouro olímpico atribuiu à avó uma parcela importante de sua vida. Segundo ele, ela era exigente, só admitia um resultado nos dias de prova: vencer!

Professora e Avó - Maria Stela Gomes de Matos Nunes Santana tem um nome comprido e o coração maior ainda. Há sete anos, ela assumiu a criação de seu neto Rafael, com nove na época, depois que a mãe dele faleceu em um acidente de carro. Maria Stela, que é mãe de seis filhos e se aposentou como professora, é avó de quinze netos e afirma: “A gente
que se envolve com a educação, não adianta, vai morrer com o foco na educação”, diz.

Maria Stela conta que desde a criação dos filhos, já tinha a vocação para ensinar as crianças. “Os coleguinhas dos meus filhos vinham aqui para casa e eu terminava dando aulas para eles também, na tarefa de casa”, conta. Ela relembra que seu neto era o caçula e que era muito ligado à mãe. “Até hoje, eu sinto que ele ficou com certo trauma da perda da mãe.
Ele teve inclusive acompanhamento com psicólogo”, disse.

"Eu tomei conta dele, ele mora comigo desde então. Minha vida foi toda assim, sempre que um filho precisa, ele vem aqui para minha casa." Ela conta que outro filho foi morar nos fundos da casa e, pela proximidade, os netos terminaram tendo também a presença da avó na criação. “Eles vinham aqui para casa para fazer os deveres, para eu levar para as aulas de reforço, inglês, escola, tudo era eu”, conta.

De acordo com a psicóloga Isabela Machado da Silva, professora do Depto. de Psicologia Clínica e do PPG em Psicologia
Clínica e Cultura da UnB, e editora chefe da Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, a vida moderna tem dificultado a quantidade de tempo que os pais dispõem para passar com os filhos, “mas não creio que isso seja necessariamente sinônimo de uma terceirização da criação. Nesse contexto, precisamos diferenciar aqueles casos em que os avós assumem o papel de principais cuidadores daqueles em que os avós complementam o cuidado”, explica.

Os prós e contras de os avós estarem mais presente na vida dos netos traz aspectos positivos e negativos, na avaliação
dela, dependendo das condições que levaram a essa organização. “O fato de os avós cuidarem dos netos pode sim
ser um fator positivo tanto para as crianças quanto para os seus pais. Pode fornecer às crianças a proteção, o afeto e a estabilidade que os pais, porventura, não possam oferecer naquele momento, assim como pode garantir aos pais a oportunidade de se reorganizarem, de investirem em seu desenvolvimento pessoal e profissional ou de cuidarem da sua saúde”, esclarece.

Ela também contrapõe que “as principais dificuldades em situações como essa tendem a surgir quando as funções a
serem desempenhadoas não ficam claras para todos os envolvidos ou existem segredos quanto às condições que
levaram a essa organização familiar”, destaca.

No que se refere aos papéis, de acordo com Isabela, há casos em que os avós não se sentem autorizados a estabelecerem regras ou a definirem limites juntos aos netos por não serem seus pais. “Nesses casos, é necessário um trabalho junto aos avós – e aos próprios pais, quando disponíveis – para que as atribuições se tornem claras para todos. A criança deve ter um adulto que se responsabilize pela sua proteção e pelo estabelecimento de limites e deve saber o que esperar de cada um”, conclui.

>> Acesse o arquivo completo em PDF da revista Mátria 2017.