Escrito por: JCPE- Mirella Araújo

Valorização: especialistas debatem os desafios com o programa Mais Professores

O governo federal afirma que o programa beneficiará 2,3 milhões de professores e impactará a qualidade do ensino para 47,3 milhões de estudantes

JOSIMAR OLIVEIRA
O programa Mais Professores para o Brasil visa estimular o ingresso dos jovens na carreira docente -

Em Pernambuco, mais de 17 mil participantes da edição de 2024 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) têm nota para o "Pé-de-Meia Licenciaturas", segundo dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC).

Para concorrer à bolsa, é preciso ter alcançado nota igual ou superior a 650 pontos no Enem e se matricular em um curso presencial de licenciatura. A iniciativa faz parte do programa Mais Professores para o Brasil, lançado pelo governo federal na semana passada, com o objetivo de valorizar a carreira docente.

“Para se ter uma ideia, em uma consulta realizada com alunos de 15 anos, apenas 3% dos entrevistados manifestaram interesse em ser professores. Esse é um problema não só no Brasil, mas em todo o mundo. Aliás, o tema do G20 que trouxemos para o Brasil no ano passado foi a valorização dos professores. A ideia do programa é atrair, estimular e incentivar que mais pessoas queiram seguir a carreira docente”, explicou o ministro Camilo Santana, em entrevista ao programa Bom Dia, Ministro, produzido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Além do incentivo financeiro no valor de R$ 1.050, sendo R$ 700 com saque imediato e R$ 350 destinados à poupança, o governo federal também visa incentivar o ingresso de docentes nas redes públicas de ensino da educação básica e ampliar a atuação em regiões com carência de professores — modelo semelhante ao programa "Mais Médicos".

Neste caso, o participante receberá uma bolsa mensal no valor de R$ 2.100, além do salário do magistério, pago pela rede de ensino à qual está vinculado. No entanto, o que especialistas na área de educação têm discutido é que, embora essas ações sejam vistas como positivas, é necessário realizar outros investimentos na carreira docente, e isso passa por melhorias reais nas condições de trabalho.

Outras medidas precisam ser adotadas

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, afirma que há uma expectativa de que outras medidas dentro do escopo do programa Mais Professores para o Brasil sejam adotadas.

"O que foi anunciado é pouco para uma mudança estrutural na valorização da nossa categoria. A fala do presidente Lula fez um diagnóstico preciso da nossa situação, quando ele relatou a dificuldade da nossa ida e volta à escola, o transporte, a violência no espaço escolar e a dificuldade do processo de formação", destacou Heleno Araújo, em entrevista à coluna Enem e Educação.

Entre os pontos que precisam ser priorizados, o presidente da CNTE falou sobre a lei do piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério da educação básica, que enfrenta diversas dificuldades para ser aplicada, principalmente no âmbito municipal. Muitos prefeitos não aplicam os percentuais e a atualização do valor do piso, argumentando que a lei não existe mais devido à mudança do Fundeb em 2020.

"O governo também precisa dar atenção ao projeto de lei que está tramitando no Congresso Nacional, que trata do piso para os funcionários da educação, não apenas para os profissionais do magistério. Esse tema não foi tratado no programa, e isso se faz necessário", afirmou Araújo.

Portanto, não basta apenas oferecer incentivos para a manutenção e formação dos estudantes de licenciatura, sem considerar melhorias efetivas ao longo da carreira desses profissionais. A pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Darcilene Gomes, reforça que, ao falar sobre a valorização da docência, isso significa falar da carreira, do salário, das condições de trabalho e da formação desses profissionais.

"As condições de trabalho ainda são precárias em boa parte do país: elevado número de turmas por professor; atuação em mais de uma escola; infraestrutura precária das escolas (ventilação inadequada, espaço inadequado etc.). Tudo isso faz parte da rotina dos professores. Com a formação, também temos problemas. O reconhecimento da carreira passa por muitas questões, inclusive tem um caráter político, da própria organização da profissão. Ter boa formação é igualmente importante", afirmou.

Ainda segundo a pesquisadora da Fundaj, iniciativas como o Pé-de-Meia Licenciaturas são importantes, principalmente porque há critérios para a manutenção e o acesso à bolsa, como cursar a quantidade obrigatória de créditos de cada período; a cada semestre, obter resultados acadêmicos satisfatórios nos créditos matriculados, conforme o regulamento; e, após a conclusão da licenciatura, ingressar em uma rede pública de ensino em até cinco anos.

"Nesse caso, o MEC está olhando para o futuro, o que considero algo importante. Mas espero que também acene para os professores que estão atualmente em atividade. Muitos críticos do programa têm apontado que o problema da baixa atratividade da docência teria mais a ver com as perspectivas futuras de atuação, o que é verdade", ressaltou Darcilene Gomes, em entrevista à coluna Enem e Educação.

A prova nacional dependerá de adesão

Dentro dos eixos do programa Mais Professores para o Brasil também está a aplicação da Prova Nacional Docente (PND), que servirá como processo unificado para o ingresso de professores nas redes públicas de ensino.

A primeira aplicação da prova deverá ocorrer em novembro, sob a matriz do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes das Licenciaturas (Enade Licenciaturas), o qual, desde a edição de 2024, tem foco na avaliação dos cursos que formam professores para a educação básica.

As redes públicas de ensino poderão optar por utilizar os resultados da prova como mecanismo único ou complementar de seleção dos docentes.

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação das provas, ressalta que a Prova Nacional Docente não substituirá os concursos públicos, mas será uma estratégia para o aprimoramento da qualidade da formação docente no país.

Sobre o PND, o presidente da CNTE, Heleno Araújo, afirma que boa parte dos municípios argumenta que realizar o concurso público tem um custo elevado.

"Se isso for verdade, essa prova nacional é uma oportunidade, pois permite definir os critérios nos municípios, sem que seja necessário gastar muito para realizar o concurso público. Mas, como sabemos que, em muitos casos, essas alegações não são verdadeiras — pois utilizam a escola como cabide de emprego em troca de votos — esses municípios provavelmente não farão a adesão", afirmou Araújo.

Para a pesquisadora da Fundaj, Darcilene Gomes, um dos principais problemas atualmente na educação pública e que afeta sobremaneira as perspectivas sobre a carreira docente é o expressivo percentual de professores com contratos temporários nas redes.

"Em alguns estados, esse percentual alcança 80% dos professores atualmente em atividade, o que é um absurdo. Esses professores não conseguem ter qualquer previsibilidade sobre suas vidas, já que nada garante que estarão empregados no futuro. A remuneração também é um problema, pois os ganhos são bem menores e muitos sequer têm garantia do recebimento de 12 salários por ano", criticou.

No entanto, o modelo de concurso unificado é algo novo no país — o Concurso Nacional Unificado (CNU), conhecido como "Enem dos Concursos", ainda não foi finalizado.

"Ou seja, ainda não sabemos o que funcionou ou não. Eu, particularmente, tenho certa reserva quanto à avaliação por provas padronizadas. Não acredito que o modelo possa garantir um profissional que atue considerando a complexidade da docência. A docência não se resume a repassar conteúdos e exige, sobretudo, uma ética que não pode ser mensurada em provas padronizadas", afirmou Darcilene Gomes.

 

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