Escrito por: Vicente Faleiros
Vicente Faleiros é professor Emérito da UnB e da Coordenação do Fórum dos Direitos da Pessoa Idosa do DF
Este texto é uma contribuição para o debate do Eixo 3 – Enfrentamento a todas as formas de violência e do Eixo 4- Protagonismo da pessoa idosa, participação social e vida comunitária, previstos para a 6ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa em 2025. Esses eixos estão conectados entre si, pois a violência é negação do protagonismo e da vida comunitária. O protagonismo, por sua vez, promove o enfrentamento da violência com o fortalecimento da autonomia, da cidadania e da participação.
A violência contra a pessoa idosa está articulada a determinações estruturais e inter-relacionais, referentes às relações de produção e de dominação, às condições de vida e institucionais e às relações de poder na dinâmica familiar e social. A desigualdade do envelhecer e a discriminação são questões estruturantes da violência. Nas relações interpessoais violentas há exercício do poder que agride o corpo (violência física), que nega a identidade e autonomia (violência psicológica), que se apropria do patrimônio e bens (violência financeira/patrimonial), que viola a sexualidade e que abandona ou negligencia a pessoa idosa (negligência e abandono)
As relações violentas são complexas e heterogêneas co-determinadas pelas condições de vida e de cidadania, pela classe, pela cor da pele, pelo gênero, pelas condições e relações de poder familiares e de cuidados e pela fragilização da pessoa idosa. A negligência é a agressão mais denunciada, representada pela falta de cuidados e de atenção. As denúncias de violência patrimonial e financeira têm aumentado.
Conforme dados de 2011 a 2019 do Disque Denúncia as pessoas idosas sofrem violência em todas as faixas etárias, pontuando-se uma média de 31,69 % das denúncias na faixa de 61 a 70 anos, de 33,36 % entre 71 e 80 anos e, acima de 81 anos, 27,88%, com 7% não informados. Os principais agressores são filhos e filhas ou pessoas próximas e as principais vítimas são as mulheres.
Do ponto de vista societário, a principal manifestação de violência é a discriminação por idade, denominada de idadismo, que se expressa na negação do lugar da velhice e da longevidade na sociedade e nas relações intergeracionais, representando-se a velhice como improdutiva, inútil, imbecil, incapaz, vagarosa e até mesmo vagabunda. Ainda não se assimilou a transição demográfica acelerada, com 16% da população acima de 60 anos em 2022, e com tendência de crescimento para 24% em 2030. O enfrentamento do idadismo é urgente e inadiável. A educação para se entender e conviver com o envelhecimento, o diálogo com as pessoas idosas, a inclusão social, inclusive digital, o respeito a suas opiniões, a garantia da diversidade do envelhecer e a efetivação da Lei 10.741/2003 - Estatuto da Pessoa Idosa são imprescindíveis.
O protagonismo da pessoa idosa, a participação social e a vida comunitária são condições para a qualidade de vida das pessoas longevas no contexto em que vivem. Protagonismo significa autonomia relacional com cidadania protegida. A velhice é uma etapa da vida e não a antessala da morte. Há projetos e realizações em todas as idades. A reinvenção de projetos após a aposentadoria de forma coletiva ou personalizada implica um processo de ruptura com as rotinas dos hábitos de vida do trabalho vivido por longos tempos e a busca de oportunidades de inserção social e política. O conceito de inovação pode estar eivado de idadismo, pois as pessoas idosas têm capacidade e interesse em atividades inovadoras.
A vida comunitária supõe interações no ambiente em que se mora, bem como vínculos com grupos, associações, cultura, voluntariado ou trabalho, respeitando-se a cidadania e direitos, as fragilizações e vulnerabilizações, bem como as opções e o diálogo. Pessoas com demência têm direitos.
As políticas públicas precisam promover o envelhecimento ativo e saudável em todas as dimensões com garantia de renda, educação, assistência social, saúde, cultura, lazer, turismo, trabalho. Sem oportunidades de envelhecer bem não se envelhece bem.
A acessibilidade e a mobilidade precisam estar asseguradas às pessoas idosas. O cuidado domiciliar é imprescindível nas condições de perda de funcionalidade ou de capacidade cognitiva. As cidades e municipalidades precisam organizar atividades e equipamentos que promovam a acolhida e o envelhecimento saudável e participativo.
As pessoas idosas contribuem para a vida social, a economia, a cultura, o cuidado e não são um peso para os mais jovens. Ao contrário são em grande parte, responsáveis pela subsistência da família, sendo o que recebem dos fundos públicos ou privados e dos planos de saúde/doença resulta de suas contribuições.
A dignidade e o respeito às pessoas de todas as idades e em sua diversidade promove o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. Garantir direitos, promover a convivência, o diálogo e a interação, com responsabilização dos violadores dessas constitucionalidades e institucionalidades são condições para se envelhecer bem.