Escrito por: Redação CNTE

Violência política por gênero e raça é tema de seminário da Câmara dos Deputados

Evento buscou conscientizar e fortalecer a rede de apoio contra as violências políticas que mulheres sofrem em todo o país

Renato Araújo/Câmara dos Deputados

Dados reunidos pela organização Terra de Direitos revelam que 2024 foi o ano mais violento contra figuras políticas. Entre janeiro e outubro deste ano, 558 casos de violência política foram registrados no país. O número equivale a uma ocorrência a cada 15 horas. Segundo explica a coordenadora de incidência política da instituição, Giseli Barbieri, 212 do total aconteceram somente no mês de setembro, sendo 78 deles contra mulheres. 

De acordo com Giseli, o recorte de gênero entre as vítimas levanta ainda mais preocupações, já que as mulheres ainda são minoria no cenário político.  

“Existem especificadores, pois as mulheres estão em menor representação na política. E contra elas, essa violência é feita como uma forma de impedi-las de chegarem nesses espaços. Quando conseguem ocupá-los, há as perseguições feitas para tornar o lugar insuportável para mulheres”, explicou.

Renato Araújo/ Câmara dos Deputados

As informações foram compartilhadas nesta quarta-feira, 27, durante o seminário de Prevenção da Violência Política de Gênero e Raça, na Câmara dos Deputados, em Brasília. O evento foi promovido pelas Comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, em parceria com o Instituto E Se Fosse Você?, com o objetivo de mobilizar esforços conjuntos de combate aos ataques que tentam silenciar a participação feminina na política.

O seminário também buscou fomentar o diálogo sobre o impacto da Lei 14.192/2021, que estabelece medidas contra a violência política de gênero, e para fortalecer iniciativas de apoio às mulheres vítimas desses ataques. 

A procuradora Regional da República e coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Violência Política do Ministério Público Federal, Raquel Branquinho, apresentou o trabalho desenvolvido pelo órgão no enfrentamento desses crimes.

"A lei 14.192/21 é um marco no combate à violência política de gênero, que é um dos fatores de afastamento da mulher da política no nosso país. Independente de qual seja a vertente ideológica e sua esfera de atribuição, todas as parlamentares mulheres sofrem com o mesmo tipo de discriminação e violência”, lamentou.

Renato Araújo/ Câmara dos Deputados  

Ameaças e intimidações

Entre outubro e o início de novembro, a deputada federal Carol Dartora (PT-PR) foi mais uma vítima de violência política de gênero e raça. Em e-mails enviados de forma anônima, mensagens carregadas de racismo e misoginia tentaram intimidar a parlamentar, chegando até a ameaçá-la de morte.

De acordo com a gerente de projetos do Instituto E Se Fosse Você?, Brenda Espindula, a maioria dos ataques registrados contra mulheres na política segue o padrão de anonimidade, nos meios digitais, em discursos de ódio de modo a constranger as servidoras públicas.

“Nos últimos quatro meses, o projeto-piloto Plantão Onde Ela Quiser!, que presta acolhimento às mulheres em situação de violência política, registrou 61% de denúncias de violência vinda de candidatas nos municípios. Em maioria, são os familiares ou assessores que buscam ajuda. Além disso, a violência econômica também foi mencionada, onde o próprio partido tem dificultado a distribuição de fundos para estruturar as campanhas”, disse. 

Renato Araújo/ Câmara dos Deputados  

Segundo a secretária de Relações de Gênero da CNTE, Berenice Darc, a luta para ter mais mulheres ocupando cadeiras na política é um dos desafios a serem superados futuramente.

"Os resultados das últimas eleições mostram a dificuldade que as mulheres ainda enfrentam para participar da vida política, se posicionarem e se colocarem como candidatas. Quando olhamos para o painel das duas últimas eleições, vemos um crescimento de apenas 1%. Ainda temos uma participação muito tímida", lamenta a dirigente. 

"Não restam dúvidas de que (essa menor participação) tem a ver com a violência política de gênero e raça que afeta as mulheres, mulheres negras, trans e travestis. Quando analisamos o perfil das candidatas, por exemplo, aparecem poucas mulheres negras. Isso é algo que diverge da nossa realidade em termos do número de mulheres negras na população brasileira, mas não é diferente quando se olha para a perspectiva da invisibilidade dessas na sociedade", completa.

Berenice aponta que uma das consequências da violência política de gênero e raça se dá em menos mulheres motivadas a terem uma vida pública e política. Além disso, avalia que a onda política conservadora dos últimos anos tem inviabilizado ainda mais a participação de candidatas.

"Nos últimos anos, temos visto mais casos de violência, perseguições, candidatas mulheres sendo ameaçadas. Durante a campanha de eleições municipais, tivemos candidatas às prefeituras sendo ameaçadas, sendo mortas, deputadas sofrendo violências por defender a nossa questão de gênero, raça, pluralidade e diversidade no país... isso demonstra que a ofensiva conservadora está disputando o espaço democrático", avalia.

Não tolerar

Para Ana Pimentel, deputada federal (PT-MG) e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, o seminário também contribuiu para a construção de políticas públicas efetivas.

“Não vamos tolerar nenhum tipo de violência contra as mulheres que se colocam à frente da condução política desse país. Cada mulher que esteve presente no seminário sabe que ocupar esses espaços institucionais já é um processo longo, tortuoso e marcado por muitos tipos de violência”, mencionou.

A presidenta do Instituto E Se Fosse Você?, Manuela D’Ávila, também ressaltou a gravidade desse tipo de violência e a importância de criar redes de proteção.

Renato Araújo/ Câmara dos Deputados  

“A violência política marca o nosso cotidiano. Somos caluniadas, desacreditadas e ameaçadas constantemente. Enfrentamos as ondas de ataques virtuais e a misoginia crescente na internet. Nossas vidas e as das nossas famílias estão em risco. Mas temos a convicção de que podemos construir redes de proteção e de solidariedade, estratégias de cuidado mútuo para estarmos bem e fortalecidas”, disse. 

“Não é normal e não pode fazer parte da democracia uma mulher ser submetida cotidianamente a ameaças à sua vida por dizer o que pensa e por apresentar suas ideias.  Se nós somos parâmetros da emancipação da sociedade, podemos também ser parâmetro das ameaças à vida democrática brasileira. Se acreditassem na realidade das ameaças que sofremos, Marielle Franco estaria entre nós e não teríamos vivido o que vivemos nos últimos seis anos. Ser forte não pode ser uma condição para ocupar o parlamento. Eu não aguento mais ser forte e acredito que nenhuma parlamentar também aguenta”, completou.

"O cenário é duro, mas precisa ser denunciado", reforça Berenice. "Qualquer tipo de ação violenta contra a mulher deve ser denunciado. Seguidamente, é preciso fortalecer as redes de proteção contra as mulheres em todos os ambientes. Já temos um Ministério da Mulher que retornou forte, mas também temos que fortalecer as ações que o órgão vem traçando, sobretudo, nos ambientes políticos, formando essa rede de proteção", destaca.

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