‘Aula a distância ameaça direito à educação e aprendizagem’
Coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe-RJ) avalia a situação da educação no contexto da pandemia
Publicado: 11 Maio, 2020 - 11h11
Escrito por: CNTE
2020 05 11 destaque cntenamidia
Rio de Janeiro – Em meio à paralisação forçada pela epidemia de covid-19, alunos e professores de todo o Brasil vivem nova realidade com a intensificação das aulas pela internet, prática conhecida como ensino a distância (EAD). Há dez dias, o Conselho Nacional de Educação (CNE) autorizou que, a partir do ensino fundamental, essas aulas virtuais possam contar para cumprir a carga mínima obrigatória de 800 horas prevista para o atual ano letivo. A regulamentação agora cabe aos governos estaduais e municipais, por intermédio de suas secretarias de Educação.
Já adotadas em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, entre outros, a substituição das aulas presenciais pelo ensino a distância é, no entanto, fortemente criticada pelas entidades de classe ligadas aos profissionais da educação. Estas apontam o problema da exclusão digital no país e afirmam que os alunos das redes públicas – pobres, em sua quase totalidade – já sofrem a ameaça concreta contra seu direito constitucional à educação e à aprendizagem.
Coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe-RJ) e integrante do Fórum Municipal de Educação do Rio de Janeiro, a professora Izabel Costa falou à RBA sobre a luta contra a exclusão provocada pelo modelo sugerido pelo CNE e que tem o apoio da Secretaria Estadual de Educação (Seeduc-RJ). A sindicalista falou também sobre o plano do governador Wilson Witzel que diminui as verbas para a educação no Estado e sobre o congelamento do salário dos servidores públicos em nível nacional. Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Qual a posição do Sindicato em relação à decisão do CNE que autoriza as redes estaduais e municipais a computarem as aulas à distância como parte da carga horária mínima obrigatória?
No período de consulta online do CNE, a posição do Sepe-RJ foi bastante clara. Para nós, é um parecer que vai ao encontro somente dos anseios e da realidade da rede privada e, em especial, dos grandes centros urbanos. Nas principais escolas privadas, os estudantes têm uma estrutura maior que os permite o acesso às plataformas digitais. Mas, para nós, é um erro o parecer que autoriza as redes estaduais e municipais a fazerem o mesmo. Estamos falando de escolas de ensino fundamental – dos anos iniciais até o nono ano – que irão computar as aulas à distância como substitutivas ao calendário letivo presencial.
A preocupação muito clara de boa parte dos sistemas de ensino e do CNE é terminar a qualquer custo o calendário 2020. Não apenas o Sepe-RJ, mas vários outros sindicatos da Educação e também a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) são contrários a essa perspectiva porque para nós há outras prioridades antes daquela de manter o calendário a qualquer custo. Para alguns setores, garantir que o calendário 2020 termine em 2020 é mais importante do que a realidade e as peculiaridades das redes privada e pública, e também de cada região do país.
Como a questão das atividades complementares está sendo discutida pela categoria?
Para o Sepe-RJ, a CNTE e várias entidades de educação, o fundamental é que seja garantido – e o período de pandemia não pode relativizar isso – o direito universal e a igualdade de acesso à educação a todos os estudantes. Isso não é apenas um item da Constituição, mas foi um direito conquistado pelos trabalhadores da educação, pela juventude, pela sociedade e pelos movimentos populares. E é isso que está em risco.
O grande embate é com o caráter suplementar das atividades online. Veja bem que a discussão não está sendo feita no campo da necessidade de que os professores mantenham algum vínculo com os seus alunos. Muitos professores já tinham esse contato antes mesmo da pandemia. A discussão não é essa, mas sim o caráter obrigatório e suplementar dessas atividades online que, excludentes e com dificuldades de acesso, valerão para poucos alunos. Isso quer dizer que uma parte importante dos estudantes, especialmente da rede pública, terá retirada do seu calendário letivo no mínimo dois meses de aula porque elas estão sendo repostas de maneira online e o acesso vem se mostrando insuficiente.
No Rio, qual a posição da Secretaria Estadual de Educação (Seeduc)?
A Seeduc e também algumas redes municipais defendem a adoção das aulas à distância. Nossa crítica em relação a essa plataforma é exatamente pelo fato de ela colocar em risco e não garantir a igualdade de acesso a todos os estudantes da rede estadual. A exclusão digital é imensa em nosso país, e no Estado do Rio de Janeiro não é diferente. Mesmo que cada aluno tenha o seu aparelho de celular, a exclusão digital se mede por outros meios como, por exemplo, o acesso à banda larga ou a existência de computadores em seus domicílios. São instrumentos fundamentais para que você tenha um acesso digno e condições razoáveis para se trabalhar de forma digital.
O embate do Sepe-RJ e do Ministério Público Estadual com a Seeduc é para que essas atividades online não sejam consideradas obrigatórias e que não substituam o calendário letivo. Portanto, que não tenham o caráter suplementar. Nós não estamos falando de acompanhamento ou da manutenção de vínculos, de laços que os professores tentam manter com seus estudantes no limite da exclusão digital antes da pandemia e durante a pandemia. Mas estamos falando do quadro no qual alunos que têm o direito à educação estarão tendo esse direito confiscado porque não terão acesso às aulas online. Para nós, isso coloca a possibilidade de que saiamos da pandemia com uma desigualdade educacional ainda maior do que aquela existente antes dessa terrível crise.
Qual a posição do Sindicato acerca da necessidade de reorganização do calendário escolar por conta da epidemia?
Sobre a reorganização do calendário escolar, estamos amadurecendo nossa posição junto à categoria, já que é uma posição da diretoria e não tivemos ainda uma assembleia para ratificar essa orientação. Estamos estudando formas de reunir a categoria virtualmente com a maior representatividade possível. Nossa posição é que a reorganização do calendário escolar seja feita após o fim da pandemia, juntamente com a comunidade escolar. O princípio democrático da gestão não pode ser relativizado e a reorganização do calendário deve ser feita em um grande processo de debate e de discussão com o sindicato, com as secretarias de Educação e com toda a comunidade escolar.
Nosso segundo princípio é que nesta reorganização haja uma desvinculação entre o calendário civil e o ano letivo. Ou seja, nós ultrapassaríamos o calendário letivo de 2020, ultrapassaríamos o mês de dezembro. Para nós é a única forma concreta de se garantir não apenas os dias e as horas letivas, mas também a continuidade do processo de aprendizagem que será bastante difícil, inclusive no seu retorno. Esperamos que o retorno não seja marcado pela volta direta aos conteúdos, precisaremos ter uma fase de adaptação, de reaproximação com os estudantes, de acolhimento. Muitas crianças perderam familiares, outras tantas ficaram doentes. Então, é uma formalidade e uma hipocrisia dizer que nós vamos garantir o direito à educação e à aprendizagem dentro de um calendário que se encerra em dezembro.
Como a categoria pretende se organizar para combater o PL 2421, encaminhado pelo governo do Rio, que prevê a redução de verbas para a educação?
Infelizmente, vivemos um momento de avanço conservador e ultraliberal. Antes mesmo da pandemia, a educação já vivia em luta contra o corte de verbas. Uma luta que estava em curso é pela revogação da Emenda 95, que congela os investimentos em educação durante dez anos. Essa luta hoje é mais atual do que nunca, precisamos da revogação dessa lei e da volta dos investimentos. Nós estávamos em luta pela renovação da mais importante fonte de financiamento da educação pública nacional, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que termina em 2020. Queremos não somente sua renovação, dando um caráter permanente a essa política, mas também a ampliação dos recursos da União para que a divisão seja mais igualitária entre os vários estados e municípios do país. Estávamos também em luta contra a autorização para que o Estado desvincule verbas que eram carimbadas, como o próprio Fundeb e outras verbas da Educação e da Saúde.
Portanto, o PL 2421 de Witzel entra no bojo dessa luta contra a redução de verbas que, na verdade, significa uma precarização e um desmantelamento ainda maior da educação pública no Estado. Este vem sofrendo há décadas essa desestruturação muito evidente e já fartamente comprovada pelo número absurdo de fechamento de escolas, de turmas, de turnos e com a carência de vagas na educação pública estadual. Continuamos vivendo um quadro aterrador de destruição da escola pública para que setores do mundo privado e a financeirização abocanhem essas verbas que ainda são muito significativas na área de educação. Então, é uma política que vai ao encontro dos setores financistas e privatistas do capitalismo brasileiro, o grande mercado da educação. Esse é o compromisso dos governos que foram eleitos na onda de 2018, e o Rio de Janeiro é um exemplo claro dos compromissos com o setor privado da educação nacional.
E em relação ao PL apresentado na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) pelos deputados Waldeck Carneiro (PT) e Flávio Serafini (Psol) e que prevê a suspensão temporária do ano letivo na rede estadual?
O PL da Alerj vai ao encontro das nossas propostas. Para nós, neste momento é fundamental lutar contra o coronavírus, e isso é incompatível com a manutenção do calendário letivo. A suspensão temporária do ano letivo seria o melhor caminho para o conjunto das redes públicas e da rede privada. Não à toa os setores privatistas dentro da educação pública estão pressionando para que esse PL não seja aprovado. Para nós, a aprovação seria um grande avanço porque colocaria para o período pós-pandemia a necessidade de uma discussão ampla e democrática de reorganização do calendário escolar.
É uma pena que o secretário estadual de Educação, principal figura do campo institucional da educação no estado do Rio de Janeiro, se negue a participar das audiências públicas da educação na Alerj. Ele se nega a discutir com a sociedade os caminhos que está traçando sozinho lá de seu bunker na Secretaria.
Qual a posição do SEPE-RJ sobre o PL 39/2020, aprovado na Câmara dos Deputados em Brasília, que prevê o congelamento dos salários dos servidores públicos?
Essa política é um desdobramento de todas as ações do governo Bolsonaro e de seus congêneres pelos estados e municípios. O governo Bolsonaro se elegeu com essa plataforma ultraliberal de desmantelamento e diminuição ao máximo possível do Estado brasileiro e, obviamente, de destruição da carreira do serviço público e de arrocho dos servidores. A direita, o capital, os liberais não pararam as suas ações e as suas políticas por causa da pandemia. Pelo contrário, se aproveitam desse momento de crise, dor e desmobilização presencial da sociedade para acelerar a sua agenda de contrarreformas.
Esse é o caso da educação, com a generalização do uso das plataformas de educação à distância feitas por meio de parcerias com conglomerados nacionais e, inclusive, internacionais, mas também através de políticas que estão sendo votadas no Congresso Nacional. A votação joga para o servidor a responsabilidade pela crise. Um serviço público que já vem há anos sem reajuste salarial em vários estados, na esfera federal e nos municípios. O Rio de Janeiro, com essa política, pode nos levar a oito anos sem reajuste salarial. É uma política nefasta porque não garante a vida, os empregos e a valorização salarial daqueles que serão elementos fundamentais na reorganização do Estado brasileiro pós-pandemia.
(Rede Brasil Atual, 10/05/2020)