Relatório da regulamentação do FUNDEB preocupa e exige avanços sociais
Veja a avaliação da CNTE sobre o relatório apresentado pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) no último dia 16
Publicado: 17 Novembro, 2020 - 19h09
Escrito por: CNTE
O deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), relator do PL 4.372/2020, que visa regulamentar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, apresentou no último dia 16 seu relatório que deverá ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados, segundo estimativas do próprio relator, até a próxima semana.
Mesmo ciente do prazo exíguo para aprovação da matéria, bem como dos desafios em escutar os diferentes setores da sociedade, a CNTE ficou surpresa e preocupada com determinados pontos do relatório. Em primeiro lugar, observa-se um esforço quase nulo em aproveitar as contribuições do projeto de lei sobre o mesmo assunto que tramita no Senado Federal. E isso pode atrasar a tramitação!
Embora o texto não preveja a abertura indiscriminada dos recursos do FUNDEB para escolas privadas em diferentes etapas e modalidades, especialmente para instituições religiosas como defende parte do governo federal e do Congresso – e esse desafio se mantém presente para a votação em plenário –, a inclusão da educação técnica-profissional (sobretudo o Sistema S) nas opções de convênios com o setor público avança na perspectiva da privatização do ensino médio, à luz da reforma imposta pela Lei 13.415 (reforma do ensino médio).
A meritocracia é outro ponto de destaque no parecer do relator. Ela será a base para os repasses da complementação da União pelo sistema VAAR (2,5%), que acontecerá a partir de 2023, mediante a implementação da metodologia de cálculo do Índice de Aprendizagem com Equidade. Este, por sua vez, considerará três variáveis: i) resultados dos estudantes nos exames nacionais de larga escala (língua portuguesa e matemática), ponderados pela taxa de participação de cada rede escolar nos exames, que não poderá ser inferior a 80% das matrículas; ii) taxa de aprovação dos estudantes e iii) taxas de atendimento escolar confrontadas com a evasão (algo similar ao atual IDEB).
Outro fator meritocrático para diferenciar os repasses de recursos (VAAR) às redes escolares refere-se ao tipo de gestão escolar, devendo ter mais peso aquelas que priorizarem critérios técnicos de mérito e desempenho dos candidatos, desprezando, portanto, a participação da comunidade nos processos de escolhas dos dirigentes escolares.
O Custo Aluno Qualidade (CAQ) é totalmente ignorado no projeto de lei e no parecer do relator, dando lugar a um constructo sem previsão legal, qual seja, os custos médios a serem definidos pelo INEP/MEC. Embora o CAQ deva ser regulamentado pela Lei do Sistema Nacional de Educação, é essencial que a regulamentação do FUNDEB preveja sua incorporação futura, podendo, inclusive, o CAQi e o CAQ servirem de indicadores para a composição do VAAT ou de outro índice ponderado como propõe o texto do Senado.
A valorização dos profissionais da educação ficou bastante fragilizada no relatório em pelo menos três aspectos:
i) não diferencia profissionais da educação dos demais trabalhadores que só deveriam ser incluídos na subvinculação de 70% mediante a conclusão dos cursos de profissionalização, a fim de estimular a formação inicial e continuada e a efetiva valorização da carreira de todos que trabalham nas escolas públicas;
ii) incorpora na subvinculação remuneratória os trabalhadores de equipes multiprofissionais (psicólogos, assistentes sociais, podendo, no futuro, ter outros como fonoaudiólogos, dentistas, pediatras de creches, contabilistas, militares etc). O art. 61 da LDB e a Lei 13.935 não consideram esses trabalhadores como profissionais da educação, embora seja permitida, à luz do art. 71 da LDB, a prestação de serviços assistenciais às escolas desde que sejam remunerados por outras fontes de recursos. O parecer, no entanto, pretende substituir o conceito de “profissionais da educação” por “vínculo funcional e oneroso com a administração pública educacional”, incorrendo em graves inconstitucionalidades – pois afronta os artigos 206, parágrafo único e 212-A, inciso XI, que tratam exclusivamente dos profissionais da educação – e ilegalidades, à luz do art. 71, inciso IV da LDB;
iii) não estimula a consecução das metas do Plano Nacional de Educação referentes à valorização do magistério e dos demais profissionais da educação, deixando-as de fora de indicadores para composição, por exemplo, do VAAR (em especial, o cumprimento do piso salarial e dos planos de carreira pelos entes públicos, a contratação efetiva através de concursos públicos etc).
Os aspectos acima elencados, juntamente com o cômputo das remunerações dos trabalhadores em educação cedidos às instituições conveniadas para fins da subvinculação dos 70%, reforçam o caráter fiscalista e restritivo do parecer do relator em relação às políticas de valorização dos profissionais da educação.
Destaca-se, ainda, que das inúmeras contribuições enviadas pela CNTE ao relator, apenas uma referente à regulamentação dos registros de dados contábeis, orçamentários e fiscais foi efetivamente acatada.
Além dos pontos destacados acima, há outras preocupações da CNTE em relação ao parecer do relator. São elas:
1. Não contempla os princípios da gestão democrática na composição da Comissão Intergovernamental de Financiamento da Educação Básica de Qualidade, com base no que determina o parágrafo único do art. 193 da Constituição Federal, instituído pela Emenda 108 (verbis): “O Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas”. Todos os indicadores e ponderações do FUNDEB ficam exclusivamente a cargo do INEP/MEC e da Comissão Intergovernamental, sem qualquer intervenção social.
2. Também a regulamentação da ação redistributiva dos recursos do FUNDEB diretamente às escolas ficará a cargo do MEC, com posterior aprovação pela Comissão Intergovernamental, sem qualquer participação social.
3. O parecer aponta perspectivas meritocráticas para as regulamentações da cota-parte do ICMS municipal, do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica e do Sistema Nacional de Educação, temas de grande relevância para a educação e de integração com o FUNDEB. Também em razão disso, é preciso avançar na regulamentação democrática dos indicadores socioeconômicos, tributários e orçamentários dos entes, a fim de melhor equalizar os objetivos distributivos do FUNDEB, e tendo o CAQ como referência para o investimento público educacional.
4. A prorrogação do prazo de 31 de janeiro para 30 de abril do ano subsequente para a execução de 100% do FUNDEB (inclusive a complementação da União) tende a agravar a situação fiscal dos municípios, sobretudo na época em que incidem os pagamentos de férias e do décimo terceiro salário dos trabalhadores em educação.
5. A inclusão de novos representantes de “organizações da sociedade civil” nos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social das três esferas, embora pareça uma escolha mais democrática, tende, na realidade, a descompensar a correlação de forças entre a gestão pública (através de seus parceiros privados) e a comunidade escolar.
6. A manutenção dos atuais indicadores de ponderações para 2021, os quais não dialogam com a realidade escolar nas diversas etapas e modalidades de ensino, impõe severas restrições orçamentárias aos entes subnacionais, especialmente aos municípios.
Sobre os pontos positivos, destacam-se:
1. Previsão temporal para a regulamentação dos demais indicadores e fatores de ponderação VAAF, VAAT (e VAAT Infantil), VAAR e outros até 31.10.2021.
2. Incorporação de nova fonte de recursos (25% da parte do ICMS destinada aos fundos de combate à pobreza) como forma de compensar a exclusão da compensação do ICMS prevista na LC 87 (Lei Kandir).
3. Definição de critérios para os registros contábeis de tributos e orçamentos da educação, com ampla divulgação das informações e com penalizações em caso de descumprimento por parte dos entes públicos (pretende-se constitucionalizar o SIOPE).
4. Incorporação de representações da Educação do Campo, Indígena e Quilombola nos conselhos de acompanhamento e controle social e ampliação dos mandatos dos conselheiros dos CACS do FUNDEB para 4 anos e em períodos não coincidentes com os mandatos eletivos das esferas administrativas.
5. Inclusão de instrumentos ponderativos nos critérios de avaliação institucional para distribuição do VAAR, os quais amenizam porém não impedem o caráter meritocrático que prepondera nesse fator distributivo.
6. O § 7º do art. 21, que trata da forma de transferência dos recursos do FUNDEB às contas específicas dos entes federados (de 10 em 10 dias), precisa também prever a gestão dos recursos pelo mesmo critério estabelecido no § 5º do art. 69, sob a responsabilidade dos órgãos da educação.
A CNTE reitera a necessidade de urgência na aprovação da lei de regulamentação do FUNDEB, porém chama a atenção do nobre relator e dos demais parlamentares para a necessidade de aperfeiçoamento da proposta, buscando contemplar a correlação de forças na sociedade que resultou na aprovação da EC 108 quase a unanimidade na Câmara dos Deputados e pela totalidade dos pares do Senado Federal.
Brasília, 17 de novembro de 2020
Diretoria da CNTE