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Pais, professores e médicos são contra volta às aulas sem controle da pandemia

Retorno das atividades presenciais expõe mais pessoas ao risco de contaminação e morte 

Publicado: 30 Julho, 2020 - 20h58

Escrito por: CNTE

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Festas de fim de ano e até o carnaval de 2021 foram cancelados devido a pandemia do novo coronavírus, mas para governos Federal, estaduais e municipais o retorno das aulas presenciais ainda este ano é uma possibilidade, mesmo com inúmeros riscos à saúde e a vida de milhões de alunos, trabalhadores da educação e familiares que podem ser contaminados.

O argumento para a volta às aulas a qualquer custo é que as crianças e adolescentes não podem perder o ano letivo, mas o que vem fazendo governadores e prefeitos desprezarem os cuidados com a saúde e a vida é a pressão econômica dos donos de escolas particulares que temem perder alunos e, consequentemente, lucros.

A maioria das mães, pais, professores e médicos infectologistas são contra o retorno das atividades escolares enquanto a curva de contaminação estiver em alta, com média diária de mais de 40 mil casos confirmados e mais de mil mortes por Covid-19, doença provocada pelo vírus, como vem ocorrendo.

Se as crianças voltarem às aulas e forem contaminadas podem transmitir o vírus para o pai, a mãe, avós ou mesmo para os educadores. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 123,5 milhões de pessoas moram em domicílios que possuem pelo menos uma pessoa com idade até 17 anos, ou seja, em idade escolar.

A volta às aulas neste momento também representa risco para 9,3 milhões de brasileiros de grupos de risco que vivem na mesma casa de crianças e adolescentes, como mostra análise da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que ressaltou a importância de as autoridades seguirem as recomendações de órgãos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Unesco para um retorno das aulas presenciais de forma segura.

Segundo a entidade, o poder público deve levar em conta não apenas a curva epidemiológica de casos e mortos, mas também a taxa de transmissão. “De qualquer forma, em todos os cenários, o Brasil não alcança os requisitos básicos”, diz documento da entidade, divulgado esta semana.

E mesmo sem cumprir estas medidas básicas de proteção, a justificativa dos governos sobre o retorno às aulas das escolas públicas é a preocupação com o ano letivo.

Em Manaus, as aulas das escolas públicas estão previstas para voltarem em 3 de agosto e a meta do governo estadual é finalizar o ano letivo antes do Natal, mesmo com 98.118 casos confirmados de Covid-19, segundo boletim epidemiológico divulgado na última terça-feira (28).

Outras escolas, tanto públicas como privadas, estão se organizando para implementar um sistema hibrido de ensino, com escalas de dias na escola outros em ensino a distância. E empresários estão indo às ruas em diversos estados brasileiros protestando e cobrando dos governos a volta às aulas imediatamente.

“A pressão econômica e o ano letivo não podem estar acima das vidas. O mercado quer a volta das aulas porque visam à economia, pensando que a pessoa pode voltar a trabalhar e colocar a responsabilidade da segurança e da saúde de seus filhos na escola, o que não é verdade. Você mandaria seu filho para escola sabendo que lá pode ter um tiroteio ou pode pegar fogo a qualquer momento?”, questiona o médico infectologista, Dr. Alexandre Motta.

Segundo ele, é preciso fazer esta analogia porque os riscos de contaminação estão colocados, principalmente no Brasil, um país que vive desgovernado, sem políticas nacionais de enfrentamento a pandemia e onde os dados mostram que a Covid-19 está bem distante de ser controlado.

“É difícil essa situação que estamos vivendo porque o vírus é algo que você não vê e acredita que ele não está em alguns lugares, mas está! Nós temos um nó e não temos um norte. Não temos quem guie este navio para um porto seguro, não temos ministro da Saúde, não temos presidente e não temos política. Por isso nossos números de caos e mortes pela doença são tão altos”, afirma.

Outro fator que precisa ser levado em consideração, aponta a médica infectologista e diretora da CUT e do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Juliana Salles, é sobre a criança ser transmissor da doença. Na última semana, um estudo realizado na Coreia do Sul, publicado no periódico Emerging Infectious Diseases, trouxe mais elementos para o debate.

A pesquisa mostrou que crianças entre 10 e 19 anos podem espalhar o vírus na mesma intensidade que os adultos. Já aquelas com menos de 10 anos também são vetores da doença, mas ainda não está claro com qual intensidade. Os resultados, de acordo com os autores do estudo, sugerem que, à medida que as escolas forem reabrindo, há uma grande possibilidade de surgirem novos focos de contaminação.

“As crianças são os vetores da doença e muitas vezes elas ficam sadias, têm quadros leves e são assintomáticas, mas podem infectar outras pessoas. E cada pessoa doente pode infectar outras seis, inclusive as próprias crianças. Não podemos deixar normalizar a doença e a morte e qualquer probabilidade de morte não deveria ocorrer”.

"Eu como mãe, médica e sindicalista não mando meus filhos para escola e vou lutar para que não tenha aulas presenciais no meio deste caos.Volta às aulas segura só com vacina". Juliana Salles

A campanha do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) contra a reabertura das escolas é justamente em defesa da vida. Entre as peças da campanha com várias informações contra a reabertura das escolas, a entidade pergunta: Você topa que seja seu filho?

Se não cumprir protocolo da OMS é greve!

Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Heleno Araújo, o debate de retorno às aulas no meio da pandemia é precipitado. Segundo ele, o retorno às aulas presenciais é uma pressão dos empresários, que querem que pais e mães voltem a trabalhar e outros que querem que suas escolas abram logo para não perder alunos.

O dirigente, que também é professor, disse que tanto escola pública quanto privada, o volta às aulas deve ser submetida a um protocolo único, porque iniciar só na escola privada, além do risco de contaminação e morte, também aumenta a desigualdade educacional nos estados e municípios.

“E para isso nós defendemos a orientação da OMS para voltar às aulas com segurança e para isso é preciso que tenha controle sobre a contaminação e sobre o vírus, que os protocolos sejam discutidos amplamente com toda a comunidade escolar e que todas as medidas do protocolo sejam executadas. Mas para isso a gente sabe que precisa de financiamento e recursos, vontade política e um governo comprometido com a educação, o que não é o caso do Brasil”, afirma Heleno.

A orientação da CNTE para seus sindicatos filiados é que se uma das medidas de segurança não estiver sendo executada pela escola ou pelo governo do Estado é para fazer greve.

“Caso qualquer um destes protocolos não seja colocado em prática orientamos sim a fazer uma greve de não retorno e para manter as atividades remotas e uma grande defesa da saúde e da vida”, afirma Heleno.

O que dizem pais e professores sobre o retorno das aulas

A professora da rede estadual de ensino no Distrito Federal, Márcia Lages, que leciona para crianças portadoras de deficiência, disse que mesmo com todos os desafios, como avó de uma criança de 8 anos e também como professora, o retorno às aulas presenciais agora não seria bom para ninguém.

“Aqui em casa já decidimos que meu neto não volta este ano e para ajudar nesta reportagem consultei os pais e mães de nove alunos e os nove disseram que também não vão deixar seus filhos na escola neste momento de pandemia”.

E não é só a professora que tomou esta decisão. Segundo ela, um levantamento feito por uma escola particular na região aponta que 79% das crianças não voltarão este ano e que vão continuar com as aulas online.

O professor de matemática concursado em Tocantins, Rodrigo Mota Marinho, disse que a sobrecarga está demais mesmo, com uso de grupos de rede sociais e no Whatssap, não havendo mais separação entre horário de trabalho e descanso, com mensagens chegando inclusive aos fins de semana. Mas ainda assim, o professor diz ser contra a volta às aulas presenciais e que a medida é temerária.

“Eu acho temerário qualquer retorno escolar neste momento, porque não temos estrutura. Em Palmas, que é a capital, a prefeitura requisitou leitos de UTI da rede privada e isso nos mostra que nós não temos uma estrutura capaz desta abertura total. É algo que precisamos ter um cuidado maior, sobretudo porque colocaria em risco muito mais pessoas, os alunos, professores e suas famílias”, disse Rodrigo.

A professora em São Bernardo do Campo, Paula Batista, também é contra a reabertura das escolas, mesmo estando com muitas saudades de seus alunos. Ela disse que é impossível manter qualquer protocolo com as crianças e adolescentes, que também estão morrendo de saudades dos professores e dos colegas e não têm consciência do perigo da doença.

“Na educação infantil o ensino é baseado em brincadeiras e interações. Como vamos fazer isso com as crianças se temos que evitar aglomerações” questiona e segue com as perguntas sem resposta: “Como vamos proibir o contato entre eles, que devem estar morrendo de saudades um do outro, isso seria desumano? E ainda, como vamos exigir o uso da máscara nas 4 ou 5 horas que as crianças estarão nas escolas? É tudo muito complicado”, afirmou Paula.

“Perguntei hoje para as mães dos meus alunos se elas mandariam seus filhos para escola e todas, sem exceção, disseram que não. Nenhuma mãe vai deixar de proteger seus filhos”, complementa a professora.

Tereza Salim, mãe de um aluno da rede privada de ensino em São Paulo, também disse que não mandará seu filho Giuliano para escola de nenhuma maneira até ter vacina. Segundo ela, ele é do grupo de risco e ela não vai mandar seu filho para o abatedouro.

"Eu prefiro que meu filho perca o ano escolar do que eu perder ele para esta doença. É como mandar meu filho para um abatedouro e eu não vou fazer isso".
- Tereza Salim

Volta às aulas a qualquer custo?

Em São Paulo, na manhã desta terça-feira (29), houve uma carreata, chamada pela Apeoesp, contra o retorno presencial das aulas neste momento em que os casos da Covid-19 seguem em alta, mas a manifestação de professores, trabalhadores do sistema público de saúde, movimentos sociais e apoiadores foi impedida pela polícia de chegar na porta do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado de São Paulo.

O governador João Doria (PSDB-SP), anunciou o retorno gradual das aulas presenciais a partir de setembro. Ele vem alterando os critérios para o retorno das atividades econômicas e até da volta às aulas presenciais por causa de pressão de empresários. O critério para a mudança de fase e a volta da “normalidade” era de ter 60% da taxa de ocupação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Doria aumentou para 75%.

“Além disso, a contagem de número de mortes também mudou e isso facilitou a vida de Doria, que está negligenciando números para facilitar a vida do empresariado enquanto milhares de vidas são perdidas, principalmente na periferia das cidades. Para essa população não está assegurado o direto a saúde e nem a educação”, afirma a médica Juliana Salles se referindo ao modelo atual de educação a distância, que precisa de um estrutura tecnológica que os mais pobres muitas vezes não têm.

(CUT Brasil, Érica Aragão, 30/07/2020)