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Reforma do Ensino Médio aumenta exclusão nas escolas

Modelo de 'itinerários formativos' impede acesso universal de estudantes a todos os conhecimentos oferecidos

Publicado: 03 Fevereiro, 2023 - 18h38

Escrito por: CNTE

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Foto: Arquivo/Agência Brasil

Entre os itens da lista de retrocessos que compõem o chamado Novo Ensino Médio, sancionado pelo presidente golpista Michel Temer (MDB), em 2017, há um ponto que poderia representar um avanço. Com a mudança na lei, desde 2022, todas as escolas do Brasil tiveram que se adaptar para flexibilizar a grade de horário como forma de oferecer itinerários formativos, uma série de disciplinas, projetos e oficinas voltadas a anteder as necessidades e perspectivas dos estudantes.

Na teoria, a ideia poderia ser defendida por organizações que lutam em defesa de um modelo de ensino mais atrativo e inclusivo. Na prática, o modelo implementado durante a pandemia sem o devido diálogo com a sociedade se mostrou um fracasso, ao diminuir a carga de disciplinas básicas, impedir o acesso universal de alunos e alunas e se apresentar como mais uma porta de acesso às verbas públicas para a iniciativa privada.

A partir de 2018, o ex-presidente derrotado no último pleito, Jair Bolsonaro (PL), aprovou documentos que referendaram e deram sustentação às mudanças, como o novo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), referência para o trabalho das escolas e para a estruturação da Educação Geral Básica, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

Desde a regulamentação, a reforma recebe críticas de inúmeras entidades e movimentos que defendem o direito à educação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), aponta, dentre outros aspectos discutíveis, que os itinerários formativos trazem problemas que vão desde a ausência de opções de disciplinas para todas as escolas até alunos que ficaram fora dos espaços escolares a partir da implementação do turno de período integral.

Ilhas de exclusão

Por conta dessa opção, as unidades que funcionavam em dois turnos passaram a adotar apenas um e restringiram o acesso de estudantes que podem ter dificuldade em estudar, seja por conta do deslocamento, seja porque precisam conciliar os estudos com alguma atividade profissional.

A diretora da secretaria para Assuntos Educacionais do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco (Sintepe) e professora da rede estadual, Marília Cibelli, aponta como os itinerários, apresentados no modelo atual, fizeram do conhecimento algo para a poucos e ferem, inclusive, a proposta de homogeneizar a estrutura educacional proposta na Base Nacional Comum Curricular.

“O que vemos são ilhas de ofertas de determinados itinerário em determinados lugares, principalmente em bairros mais ricos. Por exemplo, em Recife temos algumas escolas na periferia que oferecem itinerários mais voltados para a área de tecnologia, mas, em geral, esse conteúdo é restrito a colégios mais no centro e próximos a uma área que chamamos de Porto Digital.”

Além da falta de estrutura das unidades de ensino e mesmo de professores e professoras capacitados para ministrar as aulas, que gera discrepâncias entres as regiões, Marília também cita a desconexão entre o que é passado nos itinerários com o que é ministrado durante as aulas regulares.

“Parece que até os formadores não sabem o que fazer, pois não há uma conexão do que é trabalhado na formação com a prática na sala de aula. Não há um cuidado por parte do Estado em se preocupar com a didática, o modelo, a forma como se trabalhar esse currículo. Não há planejamento”, critica.

Escolhas limitadas

Em junho de 2022, a Rede Escola Pública e Universidade (Repu) divulgou uma nota técnica em que aponta os retrocessos presentes no formato aplicado de itinerários formativos.

O levantamento analisou a aplicação da medida e verificou que 1.327 escolas paulistas de Ensino Médio da rede estadual (35,9%) oferecem apenas dois itinerários formativos entre dez possíveis para o 2º ano, o mínimo exigido pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Mas como o aluno só pode escolher um, a formação nas matérias que não estão contempladas fica comprometida.

Segundo o estudo, entre os 645 municípios do estado, 334 possuem somente uma escola pública de Ensino Médio e os estudantes e as estudantes não têm opção além de aceitar o que é ofertado. Nas escolas maiores, o cenário não é muito melhor, já que as matrículas são realizadas de acordo com a proximidade com o endereço de residência e a variedade nas opões depende das condições estruturais das escolas.

Outro fator importante, destaca a nota, é a ausência de professores. Após dois meses do início do ano letivo, 22,1% das aulas dos itinerários formativos do Ensino Médio do 1º semestre de 2022 ainda não haviam sido atribuídas.

O levantamento da Repu indica ainda que em 90,30% das turmas do 1º e 2º anos da rede estadual a expansão era feita à distância com a mesma plataforma utilizada para o ensino remoto durante a pandemia. Para estudantes do período noturno e das escolas de perfil socioeconômico mais baixo, a expansão de carga horária presencial é quase nula, pontua a pesquisa.

Na avaliação da secretária do Sintepe, Marília Cibelli, muitos dos problemas seriam resolvidos a partir do diálogo com a sociedade civil. “Em muitos Estados e em Pernambuco essa participação se deu de forma muito tímida, por meio webinários [seminários realizados pela internet] promovidos pelas Secretaria de Educação. Tivemos seminário de construção onde se apresentou o documento para opinarmos, mas, na prática, não tínhamos a noção de como seria. A ideia vendida foi de que tudo iria se ajeitar”, lembra.

Telecurso repaginado

O secretário de Políticas Públicas para a Juventude da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Matheus das Neves, ressalta que os itinerários formativos deveriam servir para o estudante se aprofundar nas áreas relacionadas às demandas do vestibular que deseja prestar, da carreira que deseja seguir ou daquilo que mais se afeiçoa. Mas, de fato, serve a interesses privados, que lucram com a venda de materiais, inclusive no formato digital.

“O que a gente avalia de mais grave é a defasagem em dois pilares: o projeto de vida e o ensino técnico. O ensino técnico funciona como se fosse um telecurso no século 2021, porque a maioria das aulas são remotas e ofertadas pelo Sistema ‘S’ ou Organizações Sociais (OS), que são empresas. Já o eixo que trata do projeto de vida é cumprido mas não sob o viés de educação financeira conectada com a realidade de classe desses estudantes e sim como um debate de coach que ensina a tramar sua ‘jornada de herói’. A gente sabe que isso é fruto de uma agenda neoliberal que se aprofunda desde 2107”, afirma.

A luta pela revogação da Reforma do Ensino Médio foi uma das diretrizes definidas pela UBES em seminário realizado nesta semana, no Rio de Janeiro. Em resolução, a entidade aponta a construção de um novo modelo a partir do diálogo com a comunidade escolar, inclusive os estudantes.