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Feridas abertas pela ditadura influenciam – e redes sociais potencializam – violência nas escolas

 

Publicado: 06 Abril, 2023 - 22h03

Escrito por: CNTE

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 Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
 
Discurso de ódio, contra a democracia e desprezo pelos direitos humanos são também resultado da impunidade. Escola pode ser instrumento de combate à intolerância e ao ódio
 
Os ataques às escolas vêm crescendo, no último período, e tem sido motivo de preocupação para pais, mães, especialistas e trabalhadores/as da educação, entre outros atores. A origem dessa violência ainda não é bem definida. As feridas abertas pela ditadura, bem como as redes sociais, são apontadas como dois dos motivos que influenciam e potencializam atos de violência contra a comunidade escolar.
 
No último dia 31, enquanto o Clube Militar, no Rio de Janeiro, celebrava os 59 anos da ditadura no Brasil – período que deixou um rastro de mortes e retrocessos, inclusive na educação – ignorando orientação do Ministério da Defesa para não fazer menção à data, o país discutia como frear o avanço da extrema-direita nas escolas brasileiras.
 
Apenas quatro dias antes, em 27 de março, a professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos, teve uma parada cardíaca e morreu após ser atacada a facadas, por um aluno de 13 anos, numa escola da Zona Sul de São Paulo, onde voltara a lecionar por amor ao magistério. Lamentavelmente, outro atentado chocou o país, nesta quarta-feira (5), quando um homem de 25 anos invadiu a creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC), e assassinou ao menos quatro crianças a golpes de machado
 
Saiba mais:
 
Casos de violência em escolas expõem sucateamento da educação no país e escalada do extremismo de direita. Somente em quatros meses de 2022, o país teve ao menos oito ataques em escolas; nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Ceará e São Paulo, e especialistas apontam, como um dos principais fatores, a exposição dos jovens aos discursos de ódio, combustível do governo de Jair Bolsonaro (PL), o candidato derrotado nas últimas eleições, e de seus apoiadores.
 
“A suscetibilidade dos jovens a aderirem a ideias extremistas, faz dos espaços, onde frequentam, importantes aliados na prevenção e formação de um perfil capaz de conviver com a diversidade”, analisa a professora e doutora em Ciências da Educação, Sandra Petit. “Porém, a capacidade de compreender a pluralidade como parte de uma rotina não é o suficiente se não houver justiça”, aponta.
 
Silenciosa, a ditadura continua
 
Ela destaca que o fortalecimento da extrema-direita, impulsionado pelo vácuo deixado a partir do golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, permitiu a instalação de uma concepção menos aberta para questões sociais e de equidade racial e de gênero. Esse novo cenário, aliado à impunidade dos criminosos, durante o período da ditadura militar, acende um alerta, pois cria uma falsa ideia de que a violência é um caminho viável e produtivo.
 
“Os torturadores e as forças militares, no comando durante a ditadura, não foram encarados com o devido senso de justiça. Não foram julgadas e não precisaram responder por crimes contra a democracia. Não houve cura contra a ditadura e a arbitrariedade sobreviveu ao fim dela. Basta ver quantos militares, que atuaram durante esse período, continuam agindo hoje e estiveram envolvidos nos atos terroristas de 8 de janeiro. Não há uma real ruptura com o modelo arbitrário de segurança pública”, avalia Sandra.
 
Ataques potencializados
 
Segundo análise da professora, a chegada de Bolsonaro ao poder, fortalecido pelas redes sociais, encontrou nova forma de fazer política, que se mantém por fake news e atinge milhões de pessoas com informações deturpadas e conteúdo de apologia ao ódio, à violência e à intolerância. Com maior liberdade e um filtro menor para separar mentira e verdade, o ambiente digital se torna um espaço para semear e organizar os futuros atores, que promoverão ações de violência.
 
Os números confirmam a avaliação de Sandra Petit. Até 2018, foram oito registros de violência extrema em escolas. Entre 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, e 2023, os casos quase dobraram e subiram para 14
 
Os responsáveis pelos ataques compartilham um perfil. De acordo com pesquisa do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp, há um recorte racial nas ações, já que a maioria dos autores dos atentados são jovens, brancos e do gênero masculino. De acordo com a pesquisa, eles utilizam as redes sociais, geralmente são frequentadores de fóruns e jogos online e a maior parte utilizou arma de fogo – metade deles convivia com o armamento em casa – e buscaram vingança e reconhecimento
pela ação.
 
Escola combate a intolerância
 
Em dezembro de 2022, um grupo de estudiosos, que há anos se debruça sobre as causas da violência nas escolas, entregou ao então presidente recém-eleito,Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o relatório “Ultraconservadorismo e Extremismo de Direita entre Adolescentes e Jovens no Brasil” , encaminhado ao grupo de transição da área de educação do governo.
 
O documento associa o crescimento de atos de violência à escalada do ultraconservadorismo e do extremismo de direita no país, e à falta de controle e criminalização desses discursos e práticas. Segundo o levantamento, ao longo dos anos 2000, ocorreram 16 ataques em escolas brasileiras, que mataram 35 pessoas e deixaram 72 feridas.
 
As comunidades escolares, portanto, alvos de ataques também são frentes de resistência. Porém, na opinião do professor Daniel Cara, dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) e um dos organizadores do estudo, a sociedade brasileira lida com o problema de forma superficial e efêmera. Para ele, as comunidades escolares permanecem desamparadas. A opinião é compartilhada por Sandra Petit, que enxerga no país um déficit de conhecimento mais politizado.A escola não tem sido instrumento de valores democráticos, não tem conseguido ajudar mais pessoas a construírem conhecimento sobre si mesmas. Por isso o investimento e um olhar atencioso à formação é fundamental neste momento em que vivemos”, defende a educadora.
 
Educação antirracista para combater o ódio
 
Para além disso, a educomunicadora e analista de comunicação do Instituto Palavra Aberta, Elisa Tobias, defendeu em artigo no portal Geledés, a necessidade de uma educação antirracista para enfrentar os casos de nazismo. “Sendo assim, abordar as relações étnico-raciais é fundamental para que educadores e instituições revejam sua postura e comecem a atuar de forma pedagógica, para combater o ódio”, aponta. “A legislação brasileira garante isso, desde janeiro de 2003, por meio da Lei 10.639, que obriga as escolas de ensino fundamental e médio a discutirem, em sala de aula, a história e cultura afro-brasileira”, complementa.
 
Resposta do governo
 
Nesta segunda-feira (3), 10 homens apontados por neonazismo em Santa Catarina, estado onde ocorreu o atentado à creche, foram presos. Eles eram responsáveis pelo recrutamento de jovens já radicalizados e buscavam futuros integrantes na internet ou em encontros entre células brasileiras. De acordo com a antropóloga Adriana Dias, que pesquisa o neonazismo no Brasil desde 2002, os grupos vem crescendo no Brasil 270%, desde 2019, e há ao menos 530 núcleos extremistas, um universo que pode reunir até 10 mil pessoas.
Como resposta ao ataque desta quarta-feira (5), o Ministério da Educação (MEC) informou que articula um decreto interministerial para instalação de um grupo de trabalho, com o objetivo de elaborar uma política nacional de combate à violência nas escolas.