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Capa: Elas não fogem à luta! Quem são as novas professoras do Brasil

Publicado: 02 Março, 2015 - 16h20

Escrito por: CNTE

Por Katia Maia
Colaboraram: Ana Paula Domingues, Karina Vilas Boas, Marcionila Teixeira
e Vivian de Albuquerque

Brasil: Pátria Educadora. O discurso da Presidenta Dilma sintetizado neste novo lema para o governo prioriza a educação e em 2015 o Plano Nacional de Educação, aprovado no ano passado, começa a ganhar forma. Uma das promessas é a valorização do Magistério. Urgentemente necessária, já que uma pesquisa da CNTE revelou que, apesar de considerado o ofício mais importante para o futuro do País, apenas 15% da população brasileira pensa em se tornar professor. Cerca de 85% da categoria é formada por mulheres.

A Mátria conversou com mulheres das cinco regiões sobre a escolha da carreira de educadora e uma característica se mostrou comum a todas elas: engajamento. Ninguém é professor à toa. Quem aposta na profissão e faz do ofício o desafio diário é porque acredita que é possível fazer a diferença na vida das pessoas.

Paixão pelo ensino
“O que me chamou a atenção na licenciatura foi o dinamismo da profissão, a gente aprende muito com os outros. Eu tive outros empregos e nunca estava feliz, sempre muito dividida. Agora como professora eu me sinto completa”, revela Suelem Soares Jobim, 31 anos. Recém aprovada para lecionar na rede pública de ensino do Distrito Federal, ela fala com amor pela profissão de professora, na qual – segundo Suelem – foi possível unir a paixão pelas artes e a vontade de estar sempre aprendendo mais. “Tem o lado romântico da profissão e muita coisa gratificante. Tenho oportunidade de falar e aprender com os alunos”, conta apaixonadamente.

Embora perceba as dificuldades da carreira que escolheu e as aponte com facilidade na hora de falar em remuneração, valorização e formação continuada, para ela tem que ter paixão, vontade e gostar de gente. “Mas é uma coisa muito de luta também. A gente tem que enfrentar e brigar para as coisas melhorarem”, avalia. No Rio de Janeiro, Elaine Chase, formada em Música pela Universidade de Brasília e Pós-graduada em Musicoterapia pela Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde, também acredita na profissão.
“A vida de professor não é fácil e nunca será. Ter a cada 50 minutos um público diferente pronto a aprender (ou não), jamais será fácil. Mas não acho que pelos problemas as pessoas têm deixado de seguir essa vocação. Eu sou professora desde antes da minha formação acadêmica.

Eu nasci professora”, explica a profissional, nomeada em concurso público em 2014 e que tem a didática na veia e brilho nos olhos. "É preciso ter paciência com as lagartas, se quisermos conhecer as borboletas”, sintetiza Elaine.

Atividade árdua
Paixão e realidade à parte, Anderci da Silva fala da profissão com admiração pelo que faz. “Escolhi ser professora porque o magistério é uma das atividades mais bonitas, mais apaixonantes, mais gratificantes que existem. Árdua, sem dúvida, mas indescritivelmente bela”, revela a educadora de 28 anos. No primeiro semestre de 2013, ela passou no concurso do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, na área de artes. Anderci cursou o normal superior, se especializou em gestão escolar, em São Paulo, e em 2007 mudou-se para Dourados (MS).

Após dar aula para séries iniciais em escolas rurais do interior, resolveu fazer artes cênicas na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), prestar o concurso da Rede Estadual e batalhar para seguir carreira como professora de artes. “Conhecer nossos alunos, transmitir conhecimento, receber conhecimento (porque a troca é constante e infinita!), criar laços, ver o desenvolvimento e contribuir para que ele se dê de forma prazerosa”, define. E completa: “mentiria se negasse que sou, e serei sempre, idealista e que acredito na capacidade de transformação social pela educação”, revela.

Estabilidade e plano de carreira
Assim como Anderci, Daniele Padilha Carvalho, 27 anos, recém aprovada no concurso da Prefeitura Municipal de Curitiba (PR) é hoje professora. Ela dá aula de Educação Física em duas escolas da capital paranaense e conta que foi observando a irmã que decidiu pela profissão.Mais do que isso, ela já sabia que seria uma professora de escola pública. “Tive muitos professores que ajudaram a despertar essa vontade. Mas a minha irmã, acredito, foi a minha verdadeira inspiração”, conta. Sexta filha de pais agricultores, ela se recorda que nos finais de semana quando ia visitar a irmã “ela estava planejando as aulas da semana, enquanto meus sobrinhos dormiam. Era algo que ela fazia sorrindo”, conta.

Formada em 2012, pela Universidade do Contestado, de Mafra, Santa Catarina, trabalha para a Prefeitura de Curitiba. “O que eu queria era ir para uma escola e poder ter contato com as crianças desde o início do seu aprendizado. Escolhi a carreira pública por causa da estabilidade e também por conta de um plano de carreira”, diz. Mesmo recente nesta rea-
lidade, Daniele acredita que a profissão deveria ser mais valorizada. “Vejo quando filhos de colegas meus dizem que também querem ser professores, eles responderem que nem pensem nisso, porque só irão passar fome. Infelizmente, é uma profissão muito bonita, mas que não tem o respeito e a credibilidade que deveria ter”, lamenta.

Mas, para ela, profissão não está em decadência, sempre existirão professores. “O que me preocupa é a qualidade. Os alunos de hoje serão os professores do futuro. Mas com que qualidade?”, questiona.

Falta de estrutura no ensino público
A falta de estrutura no ensino público é um dos desafios que jovens professoras têm que enfrentar na luta para fazer a diferença. Em alguns momentos, a realidade chega a desanimar essas jovens determinadas. 

Foi o que aconteceu com Anna Rakhael Alves, 29 anos. Ela respira fundo ao lembrar-se do dia em que uma aluna lhe comunicou que trocaria as bancas escolares pela venda de drogas. O marido, justificou a jovem, havia sofrido um acidente enquanto trabalhava com uma carroça e o casal estava passando fome.

“Insisti muito para a aluna ficar e ela permaneceu”, alegra-se. Por algumas vezes, Anna - que concluiu o curso de Letras em 2008 - conta que pensou em desistir de lecionar, “mas o poder de mudança que a educação proporciona e a troca de conhecimento com os estudantes me mantêm em sala de aula”, reflete.Concursada, ela leciona na Escola Santa Edwirges, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana de Recife (PE). Planeja um futuro no qual a linguagem em sala de aula seja adaptada às novas gerações de estudantes e que o professor tenha uma maior autonomia nas decisões tomadas em sala.

“A escola não evoluiu junto com a sociedade e não dá respostas para os alunos de hoje. Onde ensino, por exemplo, não há computadores, nem Internet disponível para todos, somente para a área de gestão. Recursos multimídia, como TV e datashow, também não existem. Quando queremos mostrar algo diferente aos alunos, precisamos baixar no CD em casa e levar nosso notebook”, diz.

Engajamento
No perfil das redes sociais, Anna é retratada como uma profissional engajada em iniciativas populares, como o Movimento Ocupe Estelita, que ficou conhecido em todo País por questionar o avanço da especulação imobiliária em Recife. “Não encaro a profissão como sacerdócio ou com benevolência. Acho que minha geração, de forma geral, pensa assim. Prefiro ser ligada a apenas uma escola, recebendo R$ 1,8 mil, do que me desdobrar em vários lugares. Dou menos aulas, me dedico também ao meu artesanato e assim
consigo dar conta dos alunos”, explica.

Questões políticas também preocupam Carla Vieira, 29 anos, professora da escola municipal Ana Cristina, em Manaus (AM). “Não basta serprofessor, a gente precisa participar do espaço político também. A gente precisa ser um exemplo social”, declara. Segundo ela, a valorização profissional caminha a passos lentos: “O piso salarial é um ganho para o País, é pequeno, mas é alguma coisa. Se a sociedade desse mais apoio para os professores, tenho certeza que esses profissionais iriam conseguir pressionar os governantes para obterem melhores salários”.

Para Carla, o ensino deveria estar disponível para quem desejasse aprender: “A educação deveria ser mais igualitária. Por que eu não posso ter aula de música, por exemplo? Se o aluno quer aprender, acho que ele deveria ter acesso a todo e qualquer ensino, e gratuito”, idealiza.

“Alguns professores bons acabam indo para o ensino particular, com salário maior. Mas eu acabei pensando na minha função. Nas pessoas que precisam mais de mim. Não só eu, mas acredito que vários professores que começam agora pensam como eu, querendo mudar o status quo. Então no final do ano a gente fica feliz com uma criança que mudou o comportamento e isso muda a nossa visão. Isso faz a gente continuar na profissão”, revela Carla Vieira.

A palavra-chave que impulsiona essas jovens mulheres é a determinação. Elas concordam que é preciso deixar de fazer apenas o básico, se envolver em novos projetos e ideias, buscar novos formatos. O ano letivo é muito corrido, mas ensinar leva tempo. Na escola, essas professoras aprendem, na prática, o poder transformador da educação.

Pesquisa revela que só 15% querem ser professores

Instituto de Pesquisa Data Popular realizou a pesquisa “Educação: motor de um país melhor”, lançada na Conferência Nacional de Educação, em novembro de 2014, em Brasília (DF). O levantamento revelou que a falta de segurança e violência nas escolas são
os principais problemas apontados pela população. Para 89% dos entrevistados, existe muita violência nas escolas públicas brasileiras.

Realizada a pedido da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) em parceria com a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), a pesquisa também revelou que a valorização dos professores e funcionários é fator de preocupação para a população brasileira. A falta de perspectiva na carreira é outro ponto a ser analisado: os entrevistados consideram a profissão de professor o ofício mais importante para que o País tenha um bom futuro, mas apenas 15% gostariam de virar educadores.

Para o presidente da CNTE, professor Roberto Franklin de Leão, os números refletem a triste realidade da escola pública brasileira: “Esse documento confirma, de maneira científica, as denúncias que a CNTE, há tempos, faz à sociedade”. A pesquisa também levou em conta aspectos relacionados à valorização, formação (capacitação) e remuneração dos professores e dos profissionais da educação.

Clique aqui para acessar a pesquisa da CNTE e obter mais dados.

Para ver mais imagens, acesse o arquivo em PDF da Revista Mátria 2015.