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Diversidade: A insustentável leveza do gênero

Publicado: 07 Março, 2017 - 13h02

Escrito por: CNTE

Por Katia Maia

Hoje ou amanhã? Azul ou cor-de-rosa? Perto ou longe? Homem ou mulher? A vida está frequentemente colocando à prova o poder de decisão de homens e mulheres.

O s gostos, as preferências musicais, os lugares, as pessoas. Tudo para que se posicionem e se identifiquem (ou não) com algum grupo, tendência ou estilo. O mundo cobra e muitos aceitam. As preferências de cada um fazem parte de um processo de elaboração do ser humano - sob os aspectos social, cultural e sexual, dentre outros.

O criador da psicanálise, Sigmund Freud, declarou que a sexualidade não se resume aos órgãos genitais, mas envolve também aspectos psicológicos, sociais e comportamentais. Décadas depois das declarações do psicanalista, a sexualidade se mostra muito mais fluida do que parece. 

Em processo dinâmico, as denominações para a identidade de gênero se multiplicam. Vão do heterossexual e homossexual ao transexual, pansexual, cisgênero, transgênero, travesti, não binário, trans não binário, andrógino, gênero 
fluido. A liberdade de gênero nunca esteve tão em pauta neste processo de construção da própria identidade.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), gênero compreende "características socialmente construídas sobre mulheres e homens". A OMS destaca a importância em ser sensível às "diferentes identidades que não necessariamente se encaixam nas categorias binárias de masculino ou feminino”.

“Estou em processo de desconstrução, tem momentos que quero vestir saia e salto alto, mas não me sinto transexual”, se define André Baioff, 24 anos, estudante de jornalismo. Com um visual beirando a neutralidade, André conta que muitas vezes é confundido na rua com uma “moça” e se diverte com isso. “Tenho uma amiga que, quando me conheceu, confessou que pensava que eu era uma lésbica”, ri.

Assim, cada vez mais, jovens que se desidentificam com o estereótipo binário e buscam ser reconhecidos como pessoas (apenas). Independentemente de seu gênero, buscam seu espaço e se posicionam contra o “padrão de gênero que nos é imposto”, diz Guilherme Lopes Teixeira, 20 anos, estudante de Relações Públicas na UNESP, de Bauru, e estagiário de uma editora de revistas.

Padrão Imposto - Guilherme assume sua identidade não binária – que foge ao padrão homem-mulher e que não se sente confortável em uma divisão entre gênero masculino e gênero feminino. Ele questiona o seu gênero e abdica, segundo o próprio, do papel de macho, passando a performar o seu gênero de forma vista como ‘feminina’: “Isso me torna menos respeitado e tecnicamente diminuiria minha masculinidade e me tornaria mais feminino, e isso é inaceitável dentro de uma sociedade machista?”, pergunta.

Marina recentemente adotou Mar como seu nome. Artisticamente, gosta de ser chamada de Saint Hills apenas. Com 20 anos, ela conta que sua identidade é fundamentalmente não binária, “por que existem várias coisas femininas sobre mim,
assim como masculinas. Eu tenho uma vivência que sempre foi uma dança entre dois gêneros”, define. 

Estudando Música em São Francisco, ela se recorda que, desde muito cedo, teve a consciência mas nunca teve palavras para expressar ou explicar o que sentia. “Tenho lembranças desde os 3 anos de não me sentir muito como uma menina e me sentir inclinadx* a coisas estereotipadas como de menino”, revela.

Guilherme lamenta que “desde sempre se aprenda que o mundo, e o nosso gênero, é definido de forma binária e dividido, desde o rosa e o azul. As pessoas, muitas vezes, não conseguem compreender aquilo que não vai ao encontro desse padrão imposto”.

Vestuário - Diego Arcos, estudante, 23 anos, de São Paulo, também se autodefine não binário. “Então eu me assumi muito cedo para minha família, com 16 anos”, lembra. Ele relata que sempre soube que “era diferente das outras pessoas” e que
nunca se viu nem como homem nem como uma mulher, embora destaque que não foi fácil e que a aceitação na família foi bem complicada. 

“Eles nunca entenderam esse meu jeito de ser. Mas com o tempo pararam de falar sobre o assunto”. Diego esclarece: “Nunca me considerei com o gênero imposto pra mim e desde pequeno sempre fui afeminado”, confirma.

André, Guilherme e Diego se sentem bem vestindo roupas femininas, mas isto não significa que querem ser mulheres. “Não existe esta imposição de gênero”, esclarece André. Entretanto, vestir roupas do mundo feminino os deixa confortáveis. “Eu me visto com roupas que me sinto bem e a grande maioria delas é feminina”, confirma Diego.

Embora alguns não binários recorram a tratamentos hormonais para provocar mudanças corporais e se aproximarem mais ainda do visual ’sem gênero’, Diego diz que não faz nenhum tratamento com hormônios. Guilherme complementa: “o não binário de gênero não tem a ver com sexualidades, existem pessoas não binárias ginessexuais (atração pelo gênero feminino), androssexuais (atração pelo gênero masculino), polissexuais (atração por vários gêneros), pansexuais (atração por todos os gêneros)”, diz.

Mar, em contrapartida, confessa que sente muito desconforto quando enxerga ou percebe os aspectos femininos sobre o seu corpo, por isso pretende tomar hormônio testosterona. Segundo ela, “muitas mulheres (cis) sentem que precisam
de peitos maiores para se sentirem mais mulher, e procuram fazer silicone, por que isso, de uma forma ou outra, afirma o gênero delas. Não é muito diferente da minha história, exceto que, no meu caso, praticamente tudo sobre o meu corpo que
representa a feminilidade eu gostaria de inverter para a masculinidade”, destaca.

Para ela, ser não binário não significa que queira se relacionar com os dois gêneros, “por que sexualidade e gênero são duas coisas diferentes. Eu não sou nem pansexual nem bissexual. É muito importante entender que há uma diferença entre sexo, gênero, e sexualidade” . Ela justifica que “em termos românticos e sexuais, eu sou atraidx pela feminilidade e por mulheres”, afirma.

Ao se reconhecer como não binário, Guilherme esclarece que realmente não se importa se é chamado pelo pronome masculino ou feminino. Segundo ele, “expresso meu gênero com muitos signos que são lidos como femininos, é notória a 
confusão que isso causa nas pessoas, pela maneira que elas olham ou se confundem ao usar ele ou ela”, compreende.

“x” ou “@”
Uso do “x” ou “@” para determinar a neutralidade de gênero faz parte da “linguagem não binária” ou “linguagem neutra”.
Conceito defendido por ativistas dos movimentos inclusivos de gênero, tem como objetivo descaracterizar o “binarismo” da linguagem, isto é, a ideia de que palavras são necessariamente femininas ou masculinas.

Glossário de gênero

Não binário: que não se sente confortável em uma divisão entre gênero masculino e gêne- ro feminino.
Cisgênero: se identifica com o sexo biológico, aquele atribuído no nascimento baseado nas genitálias: pênis = homem, vagina = mulher.
Transgênero: não se identifica com o gênero atribuído a elas no nascimento.
Gênero fluido: não tem uma identidade de gênero fixa, transitando entre os gêneros.
Agênero: “sem gênero”, e quer dizer que a pessoa não se identifica com nenhum gênero, nem mesmo o fluido.

>> Acesse o arquivo completo em PDF da revista Mátria 2017.