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Artigo: Violência contra a mulher: um fenômeno social

Publicado: 01 Março, 2018 - 18h22

Escrito por: CNTE

Aparecida Gonçalves
Diretora-presidenta da Xaraés - Consultoria e Projetos

As conquistas alcançadas no enfrentamento à violência contra a mulher, pelo movimento de mulheres e feministas,nessas últimas décadas, são significativas. Podemos citar,no campo legislativo, a Lei nº 10.778 /2003, que cria a notificação compulsória dos casos de violência contra a mulher que foram atendidas nos serviços de saúde; a Lei nº 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica e familiar; a Lei nº 12.015/2009, que dispõe sobre os crimes contra a dignidade sexual; a Lei nº 12.845/2013, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual; a Lei nº 13.104/2015, que altera o art. 121 do Código Penal, para prever o Feminicídio como qualificadora do crime de homicídio, e o incluino rol dos crimes hediondos.

No campo das políticas públicas, a realização da 1ª Conferência de Políticas Públicas para as Mulheres, em 2004, foi o grande marco no processo das políticas a serem implantadas no país, como Delegacias Especializadas de
Atendimento à Mulher, Centros Especializados de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, Casas Abrigos, Defensorias Públicas da Mulher, Promotorias Públicas da Mulher e Juizados Especializados da Violência Doméstica e Familiar. E, também, na elaboração de estratégias de implementação delas, como o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher 2007 e o Programa Mulher Viver sem Violência 2013.

Apesar das conquistas, os dados mostram que, segundo o Mapa da Violência 2015, 4.762 mulheres são assassinadas por ano no Brasil, das quais, 50.3% por familiares. Os dados indicam, ainda, que 33% desses crimes
são praticados por parceiros, e que, na última década, diminuiu o número de assassinatos de mulheres brancas e aumentou em 54% o de mulheres negras. Os números colocam o Brasil no 5º lugar do ranking de assassinatos
de mulheres no mundo, evidenciando que é um dos países mais inseguros para se nascer mulher. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2016, houve 49.497 registros de ocorrências de estupro,
um crescimento de 3,5%. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que analisou os registros de violência sexual utilizando os dados do Ministério da Saúde, concluiu que 89% das vítimas são do sexo feminino. E, no caso de estupros, 70% são cometidos por parentes, namorados, amigos ou conhecidos da vítima. (IPEA, 2015).

A Pesquisa Data Senado – Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher 2017 revela um aumento de 18%, em 2015, para 29%, em 2017, no número de mulheres que declararam ter sofrido algum tipo de violência doméstica. Também, 56%, em 2015, e 71%, em 2017, declararam conhecer alguma mulher que já sofreu violência doméstica. E das entrevistadas que se declararam brancas, 57% informaram ter sido vítima de violência física e 11% de violência sexual. Entre as negras, o percentual é maior. Das que se declaram pardas, 76% informaram ter sido vítimas de
violência física e 17% sexual, enquanto das que se declaram pretas, 65% relatam ter sofrido violência física e 27% violência sexual.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2017, traz no relatório “O Poder do Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha”, que no ano de 2016 foram instaurados 290.423 novos inquéritos policiais - indicador elevado, mas
provavelmente subestimado - foram 195.038 medidas protetivas de urgência expedida pelos Tribunais Estaduais, tramitaram na justiça estadual em 2016 um milhão cento e noventa e nove mil cento e dezesseis processos,
o que corresponde a 11 processos a cada 1000 mulheres ou 1 processo a cada 100 mulheres brasileiras.

Segundo o relatório, foram 334.088 novos casos de conhecimentos criminais em violência contra a mulher, e proferiram-se 194.304 sentenças. O relatório do CNJ representa um grande avanço na perspectiva de dados
oficiais, que é um grande desafio para as políticas públicas.

Os números da violência contra a mulher elucidam que os desafios são tão grandes quanto as conquistas. É preciso compreender que a violência contra a mulher é uma das questões estruturantes das desigualdades entre homens e mulheres, fruto do patriarcado e do machismo, que garante a submissão de uma pessoa por outra e está em todas as classes sociais.Traz elementos como a manutenção de valores comportamentais e tradição que perpassam, cotidianamente, toda sociedade.

É visto, presenciado e justificado nas novelas, filmes, músicas e nas redes sociais, nos jornais e revistas e no uso do discurso, por meio da educação, cultura, religiões etc.

Garante a manutenção da cultura da violência estabelecida por intermédio do ódio, da discriminação e do preconceito. A violência contra a mulher não pode ser tolerada, justificada ou aceita, seja pelo discurso de censura, seja pelo direito à liberdade de criação, ou qualquer outra justificativa.

Músicas com apologia ao estupro, assassinato de mulheres, devem ser denunciadas pela sociedade, a exemplo o novo hit “Só uma surubinha de leve”, do MC Diguinho, que faz apologia ao estupro e consta como as primeiras
colocadas playlists virais do Spotify (na finalização desse artigo, foi retirada após denúncia). Não pode um país, onde acontece um estupro a cada duas horas, aprovar atitudes que valorizam, estimulam e até provocam o crime do estupro.

É necessário que a violência contra a mulher seja entendida como um fenômeno social e público. Para tanto, precisa-se investir recursos políticos, financeiros e intelectuais em seu enfrentamento. É preciso reconhecer
sua capacidade de manutenção de privilégios e das relações de poder, sua manutenção gera uma sociedade doente, violenta, permissiva e abusiva.

Nesses últimos anos, a conquista dos direitos das mulheres tem sofrido ameaças permanentes, com maior intensidade, com argumentos fundamentalistas, retrocesso histórico, onde as culpam, matam e estupram
pelo fato de serem mulheres. As mulheres ainda só querem o direito de ir e vir, a justiça social, a liberdade, ao seu próprio corpo, aos direitos iguais, a equidade de gênero e viver sem violência.

Porque viver sem violência é um direito das mulheres.

>>Acesse a Revista Mátria na íntegra em PDF