No Brasil, as mulheres respondem por cerca de 52% do eleitorado nacional. No entanto, apenas 10% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados são ocupadas por parlamentares do sexo feminino. No Senado, elas ocupam 16% das 81 vagas (são 13 senadoras). Para ampliar a participação de mulheres, os partidos progressistas incluíram diversos mecanismos na proposta de Reforma Política para diminuir essa disparidade – medidas que, no final das contas, não foram aprovadas pela casa.
A proposta de Emenda Constitucional 134/15 é uma delas: reserva uma cota de vagas para as mulheres na Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras municipais, pelo menos 10% na primeira eleição depois da aprovação da PEC, 12% na segunda e 16% na terceira. Está pronta para votação em Plenário desde 2016.
A ideia inicial dos deputados era estabelecer cotas para as mulheres no sistema de listas fechadas, mas com a aprovação do voto majoritário, o chamado "distritão" para deputados federais e estaduais e vereadores, a proposta não foi adiante.
A senadora Fátima Bezerra (PT/RN) destacou a importância de se discutir com a sociedade o percentual mínimo de cadeiras nas representações legislativas em todos os níveis federativos.
"A medida abrange a Câmara dos Deputados, assembleias legislativas, Câmara Legislativa do Distrito Federal e câmaras municipais. Essa é uma causa que pertence a todos, homens e mulheres", enfatizou. Ela também defende a alternância de gênero (um homem, uma mulher) no sistema de listas fechadas previstas na reforma política.
"O Parlamento deveria expressar a pluralidade da sociedade, mas não é o que acontece. Os negros e lgbts também vivem esse processo de exclusão das esferas de poder. Os trabalhadores e sindicalistas enfrentam diariamente uma maioria parlamentar composta por empresários e representantes do empresariado, embora os trabalhadores sejam maioria na sociedade. Tudo isso demonstra que é preciso avançar no debate de classe, gênero, raça e orientação sexual na sociedade brasileira, do contrário uma minoria rica continuará definindo os rumos do Brasil e fazendo do Estado um instrumento de proteção de privilégios e de negação de direitos." afirma a senadora.
De acordo com a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), os parlamentares até demonstraram alguma simpatia pela causa da inclusão das mulheres, mas na hora de aprovar as mudanças, deram pra trás: “Nós tínhamos uma PEC, que no senado era de número 98 (depois se tornou a PEC 134/15). O que era muito pouco mas nós conseguimos fazer um acordo para que fosse aprovada. Depois foi para a Câmara. E estava tudo certo, mas no dia programado para votar, eles simplesmente não votaram, porque disseram que as bancadas não concordavam em votar”.
Para a senadora, essa resistência tem um motivo muito claro: perda de poder por parte deles: “Eles dizem que as mulheres não estão lá porque não querem, não se candidatam porque não querem, no fundo sabem que não estamos porque não temos espaço nem nos partidos nem lugar nenhum”, avalia. Grazziotin ressalta: “Nós já fizemos muitos estudos, já demonstramos, eles têm ciência disso: de que os países onde a presença das mulheres avançou foi exatamente por conta destas políticas afirmativas”.
Preconceito
A discriminação pura e simples ainda é uma barreira para as mulheres. “Os partidos se fecham para as mulheres. Onde há exceção, as mulheres avançam. Nós, do PCdoB temos na presidência nacional uma mulher, 40% da nossa bancada federal é de mulher. Quando se abre o espaço, a mulher evolui”, relata Vanessa Grazziotin. Ela explica que o machismo é muito forte em partidos conservadores: “Nós vivemos no século 21 como se estivéssemos no século 19. A mulher é penalizada pela sua função da maternidade, pela sua situação de gênero, não dá mais para convivermos com este tipo de coisa e estas reformas que estão
vindo por aí, consolidam ainda mais esta discriminação. No mundo do trabalho, na divisão de tarefas, está muito difícil para as mulheres. Sentimos um retrocesso no ar”.
Subrepresentação das mulheres em comparação com outros países
O quadro de subrepresentação das mulheres no Brasil é ainda mais delicado quando comparado a outros países. A ONU Mulheres, em parceria com União Interparlamentar (UIP), divulgou em 2017 um ranking da participação delas no Congresso. O estudo analisou 174 países e o Brasil ficou na 154ª posição.
Segundo os estudos do Inter-Parliamentary Union, organização internacional que compara a representação das mulheres nas Câmaras baixas de 193 países, a Câmara brasileira ocupa a 153ª posição. O Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI), elaborado com base no banco de dados primários do Banco Mundial (Bird) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também coloca o Brasil numa posição ruim: o país ocupa a 115ª posição no ranking mundial de presença feminina no Parlamento dentre os 138 países analisados.
Retrocessos nos direitos das mulheres
A PEC 181/2011, que proíbe completamente o aborto no Brasil, mesmo nos casos de estupro, é uma das que mais tem preocupado as mulheres e os movimentos progressistas. A Anis, rganização feminista, não-governamental e sem fins lucrativos, vem se destacando por atuar abertamente em defesa dos direitos reprodutivos das mulheres e pela descriminalização do aborto. Veja a seguir como a entidade se posiciona diante dos ataques recentes.
No ano passado tivemos a PEC 181/2011 que, com a desculpa de ampliar o prazo de licença-maternidade de 120 para 240 dias às mães de bebês prematuros, queria proibir todos os tipos de aborto. O texto base foi aprovado por 18 votos a 1, recebendo apoio da bancada evangélica. Como vocês avaliam esse retrocesso? Quais os motivos que nos levaram a esse ponto?
A PEC que inicialmente tratava da ampliação da licença-maternidade para as mães de filhos prematuros, foi alterada, passando a propor em seu texto a definição de que a vida se inicia a partir da concepção, abrindo assim a possibilidade de uma eventual proibição do aborto em todos os casos, inclusive os já assegurados or lei, como os de aborto em caso de gestações decorrentes de estupro. A atual PEC 181 é resultado da articulação de forças políticas conservadoras do país. Ela surge com o intuito de atender as demandas de restrição dos direitos das mulheres da bancada evangélica, e de pequenos grupos antiaborto que se reúnem em torno dessa pauta. Essa articulação não é nova, o avanço e fortalecimento dessa pauta já vem de longa data dentro dos setores conservadores do país, o que temos de particular aqui é que, nesse momento, esses grupos encontraram uma maneira perversa de incluírem disfarçadamente a pauta, já recorrente, antiaborto em uma proposta de lei com tramitação avançada. O avanço da PEC, além de frear o debate sério sobre aborto e sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, ainda abre precedentes para a retirada dos direitos já estabelecidos.
Sobre a história da Rebeca Mendes, que pediu na Justiça o direito de abortar e, ao ser negado, viajou para a Colômbia onde realizou o procedimento: inúmeras brasileiras passam por histórias semelhantes mas não tiveram o mesmo apoio de viajar para poder realizar o aborto. Qual foi o impacto do caso dela? Vocês estão recebendo muitos pedidos de ajuda para abortar? Em caso positivo, como vocês estão lidando com as mulheres que procuram vocês?
A história dela é semelhante a de tantas outras mulheres, mas é também bastante singular. A maioria das mulheres que enfrenta essa realidade, passa por ela no silêncio da ilegalidade, nas sombras da clandestinidade, são histórias de medo e de insegurança. Rebeca, ao contrário, decidiu publicizar sua demanda, assumiu ser o rosto e a voz dessa causa envolta em tanto tabu e discriminação e por isso, foi convidada para participar de uma palestra na Colômbia onde pôde realizar o procedimento de forma segura e legal. Foi a coragem de Rebeca de ter assumido essa pauta que fez com que ela pudesse ter acesso a esse tipo de procedimento. Com a história de Rebeca temos o primeiro caso no Brasil de um pedido judicial de aborto por vontade da mulher até a 12ª semana de gestação. O caso tem alguns pontos de impacto: visibilizar a realidade do aborto clandestino é um deles. Não só escancarar o cenário de clandestinidade e risco ao qual as mulheres estão expostas, mas também mostrar que o perfil das mulheres que abortam é o mais variado possível, e inclui mulheres que já são mães, trabalham, são estudantes, e que não podem interromper seus projetos de vida e de suas famílias por uma gravidez indesejada. Estamos falando de vários perfis de mulheres, que frequentam os mais variados espaços, e que sofrem todos os dias com os riscos da criminalização do aborto. O outro ponto de impacto imporante, talvez, seja que a partir do caso de Rebeca, várias outras mulheres vejam que é possível exigir da justiça brasileira as suas demandas. Sim, nós recebemos muitas vezes contatos de mulheres que afirmam estar em situação de sofrimento por uma gravidez que não deveria ter acontecido. Depois do caso de Rebeca, tivemos um número de procura similar ao que tínhamos antes. Nossa resposta a esses pedidos é, e sempre foi, no sentido de que a forma como podemos ajudar é pelas vias legais, dando o suporte para um pedido judicial, como foi o de Rebeca, para proteger a vida e a saúde da mulher, se essa for a sua vontade.
Em 2018 teremos eleições. Como vocês vão se relacionar com os candidatos e partidos? Existe alguma carta de compromisso ou algum tipo de intervenção para pressionar os candidatos a se comprometerem com a pauta do aborto legal, seguro e gratuito ou mesmo com as questões de direito reprodutivo no geral? Quais são as estratégias de luta pra desmontar esse tabu?
Nós não temos nenhum compromisso de nenhuma ordem com qualquer partido ou candidato específico. Em um ano eleitoral, nossa atuação será como em qualquer outro ano, porém com atenção especial a como esses debates serão conduzidos. Dessa forma, nossa principal estratégia será, como já vem sendo, a de evidenciar que os debates sobre direitos reprodutivos não são debates abstratos, tampouco são matéria de aceitar ou não aceitar, nem ser contra ou a favor, mas sim debates sobre direitos e leis que têm efeitos concretos na vida das mulheres e das famílias. Seguimos contando histórias sobre aborto e mostrando que proteger os direitos reprodutivos é uma forma de garantir igualdade para as mulheres.
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