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Acúmulo indiscriminado de cargo de professor/a compromete a docência e a qualidade da educação

Publicado: 28 Novembro, 2023 - 16h26

Escrito por: CNTE

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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 169/2019, de autoria do deputado federal Capitão Alberto Neto (PL/AM), tem por objetivo alterar o art. 37 da Constituição Federal para permitir a acumulação remunerada de um cargo de professor/a com outro de qualquer natureza no serviço público, ampliando-se, nesses casos, os direitos previstos em lei, inclusive a dupla aposentadoria.

Atualmente, a Constituição permite a acumulação de cargos nos seguintes casos:

Art. 37, XVI: “É vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; 

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;”

Art. 42, § 3º: “Aplica-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios o disposto no art. 37, inciso XVI, com prevalência da atividade militar.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 101, de 2019)

A PEC 169/2019 prevê alterar a alínea “b” do art. 37, inciso XVI da CF/1988, por meio da seguinte redação: “a de um cargo de professor com outro de qualquer natureza”. E a justificativa para a mudança se baseia em suposta imprecisão do texto constitucional em relação ao que seja “cargo técnico ou científico”. De modo que, ao invés de sugerir a regulamentação desse dispositivo constitucional, a fim de dirimir a conceituação dos “cargos técnicos ou científicos”, o parlamentar optou por propor a extensão do acúmulo do cargo de professor/a com outro de qualquer natureza.

A CNTE luta pela qualidade da educação pública e pela valorização da carreira docente e dos demais profissionais da educação, mediante a garantia de condições de trabalho e de vínculo profissional efetivo preferencialmente a uma só escola e rede de ensino. Para tanto, se faz necessário avançar na valorização do piso salarial profissional nacional e nas diretrizes nacionais de carreira, tanto para professores como para especialistas e funcionários da educação, a fim de possibilitar condições de trabalho que garantam a efetiva aprendizagem dos estudantes e preservem a saúde física e mental dos/as educadores/as, proporcionando-lhes remuneração digna.

O magistério de nível básico é onde se concentra uma das maiores incidências da síndrome de burnout, dada a alta carga de trabalho e de envolvimento psicológico e afetivo na relação de aprendizagem com os estudantes e suas complexas histórias de vida. A escola pública concentra mais de 80% do total das matrículas escolares, a maioria oriunda de classes populares submetidas a privações de direitos e à violência física e emocional. E esse contexto social tem sido determinante para entender a complexidade do trabalho pedagógico e para agregar políticas públicas que deem suporte efetivo às escolas e a seus profissionais.

A origem do acúmulo de cargos de professores/as na Constituição Federal remonta o processo histórico de desvalorização da carreira docente, sobretudo a partir da industrialização e urbanização da sociedade brasileira, quando a demanda por formação escolar da classe trabalhadora explodiu e os/as professores foram condicionados a duplas e triplas jornadas, com salários aviltantes. Em compensação à exploração do trabalho docente, o Estado permitiu a esses/as trabalhadores/as acumular cargos/salários para prover seus sustentos com um pouco mais de dignidade.

Embora essa realidade persista até hoje, dado que o piso nacional do magistério sequer é respeitado em todo o território nacional, a luta da categoria dos trabalhadores em educação adicionou outros elementos à valorização profissional, com destaque para: ingresso por concurso público, salário mínimo profissional nacional (piso), formação inicial e continuada, planos de carreira em todos os entes públicos, subvinculação mínima de 70% do FUNDEB para fortalecer as remunerações dos profissionais da educação, percentual mínimo de 1/3 de hora extraclasse para os/as professores/as organizarem as atividades escolares, entre outros que precisam ser preservados, ampliados e cumpridos efetivamente.

A profissão docente exige, além de sólida formação acadêmica, compromissos com a atividade laboral, com a comunidade e o currículo escolar, tornando os/as professores/as e demais profissionais da educação protagonistas sociais vinculados a hábitos que estimulam o constante conhecimento. Daí a intencionalidade da Constituição em vincular o acúmulo de cargo de professor/a com carreiras técnicas (do aprender a fazer) e científicas (que dominam os processos de conhecimento e aprendizagem).

Ao permitir o acúmulo de cargo de professor/a com qualquer outra atividade – seja burocrática ou desprovida de intencionalidades técnicas ou científicas –, corre-se o risco de agravar um cenário já contaminado pela precariedade da formação profissional em cursos a distância, onde o magistério se apresenta como mera possibilidade de complemento de renda (“bico”) e sem o devido compromisso em atender com qualidade o direito à educação de crianças, jovens e adultos.

Recentemente, com o advento das escolas cívico-militares, que teve a constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal em julgamento ainda pendente, os militares, vislumbrando a possibilidade de renda extra nessas instituições, acrescentaram o § 3º ao art. 42 da CF/1988, que permitiu a eles o acúmulo de cargo militar com um de docência. Na esfera civil, o piso salarial nacional, atualmente em R$ 4.420,55, já se mostra atrativo para o complemento de renda de algumas categorias profissionais que desejam atuar na docência em escolas públicas, mesmo desconhecendo a fundo a realidade da profissão. Outro fator de estímulo ao acúmulo de cargo provém das reformas previdenciárias, que limitaram a aposentadoria dos servidores ao teto do INSS, fazendo com que muitos almejem uma segunda fonte de renda no futuro. Em todos esses casos a vocação e as condições efetivas para atuar no magistério são secundarizadas, podendo comprometer ainda mais o trabalho escolar e a identidade profissional do magistério.

Se é verdade que estamos vivendo um apagão de professores/as no Brasil e no mundo, não será com mais precariedade da profissão docente que conseguiremos reverter esse cenário de maneira adequada e compromissada com as atuais e futuras gerações. O recomendável é investir na profissão e na valorização dos profissionais da educação, através de Formação presencial, Contratação de mais professores/as e demais profissionais da educação por meio de Concursos Públicos, cumprimento do Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério e aprovação do Piso dos Funcionários da Educação, instituição de Diretrizes Nacionais de Carreira para possibilitar Jornadas Únicas nas escolas, implementação de ampla Gestão democrática, garantia de Condições de Trabalho apropriadas e Segurança nas escolas. Esses são alguns dos pressupostos elementares para a qualificação da profissão docente e da educação pública no Brasil, junto com a ampliação das creches e das escolas públicas de tempo integral e com o atendimento aos mais de 70 milhões de brasileiros/as acima de 18 anos de idade que não concluíram a educação básica.

 

Brasília, 27 de novembro de 2023

Diretoria da CNTE