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Artigo: Mulheres brasileiras e o pacto patriarcal institucionalizado: Recuos e desafios

Publicado: 06 Março, 2019 - 15h20

Escrito por: CNTE

Vanja Santos

Presidente nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM), formada em Filosofia, acadêmica do curso
de direito, membro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), membro do Conselho Nacional
de Saúde (CNS), presidente da Câmara Técnica de Monitoramento de Políticas Públicas do CNDM

Em 2014, na guerra ideológica entre direita e esquerda, deu-se início a pregação, pela direita, do voto nulo e a desconstrução da participação popular na política brasileira. A direita alimentou afirmativas, como: Dilma não ganha, se ganhar não será empossada, se empossada não chegará ao fim do mandato. Ao perder, a direita não reconheceu a reeleição de Dilma e passou a trabalhar na desconstrução da decisão popular. Suas maiores investidas foram na imagem de Dilma enquanto mulher: charges incitando o estupro, definindo-a como desequilibrada, grosseira e comandada por homens, comparando-a à Medusa de Caravaggio.

Ou seja, o machismo definindo o poder como uma habilidade masculina. A partir desse momento foi se naturalizando o ataque às mulheres. Tudo dentro da perspectiva machista. Nesse contexto, Bolsonaro se colocou, alinhado à estratégia machista de tomada do poder e servindo à aniquilação da democracia.

Junto a ele foi acionada uma máquina de líderes políticos, jornalistas, empresários e marqueteiros numa grande rede de expressão do ódio em forma fascista.

Mulheres e a luta por políticas públicas – para onde caminhamos?

As políticas públicas de Estado voltadas para a mulher sofrem ameaça à sua existência, sobretudo ao avanço de leis como a Maria da Penha, uma grande vitória da luta das mulheres, da luta feminista do enfrentamento à violência doméstica silenciosa.

O Brasil ocupa a alarmante posição de 5º lugar na ocorrência de feminicídios, segundo a OMS. A necessidade de outro olhar acerca do assassinato de mulheres resultou na Lei do Feminicídio, criada há três anos. Uma palavra nova para uma prática antiga, crime de ódio, que mata a mulher por ser mulher.

Nas leis trabalhistas, direitos como descanso antes do início de hora extra, licença-maternidade de seis meses, repouso após aborto natural, direito a aposentar-se cinco anos antes dos homens, são conquistas movidas por muita luta das mulheres.

A participação política da mulher foi forjada por meio de políticas afirmativas oriundas de debates em conferências internacionais como a de Beijing(1995) que construiu uma plataforma de ação internacional no sentido de consolidar os direitos das mulheres por meio da igualdade, desenvolvimento e paz. A política de cotas para disputa eleitoral e mais recentemente a destinação de fundo partidário para formação de mulheres, tempo de TV e fundo eleitoral para campanhas femininas, buscando ampliar a participação no parlamento. Somos mais da metade da população e trazemos conosco toda uma carga cultural patriarcal que nos dificulta o acesso à participação política.

Desde a posse do atual presidente, temos sinalizações claras de que muita coisa mudará. Sua plataforma eleitoral, defendida apenas em redes sociais, e seu discurso de posse que declarou que “libertará o país do socialismo e da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”, demonstram a discordância à PEC das domésticas, que deu às mulheres, em sua maioria negras, direitos como o limite da jornada de trabalho, carteira assinada e FGTS. Essa medida de reconhecimento da profissão e garantia de direitos, produziu na classe média um sentimento de indignação e de perda do direito a uma escrava doméstica.

A criação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sinalizou pontos de tensão e o alinhamento com uma pauta conservadora e moralizante. O governo da família e dos bons costumes posiciona uma mulher como Damares num espaço para estabelecer uma política de desqualificação do papel da mulher, dela própria (mesmo que imperceptivelmente) e das políticas em curso.

Alinha-se a isso a regulação do porte de arma no país, uma bomba social. Afinal, está sendo regulamentada a instrumentalização da violência. Quem lucrará será a indústria do armamento que manteve a bancada da bala no Congresso, da qual Bolsonaro fez parte. As mulheres poderão ter parceiros violentos e armados. Segundo o DATASUS, 1 de cada 2 feminicídios é por arma de fogo.

O papel das mulheres no enfrentamento ao machismo institucional
Como encarar essa agenda de retrocesso?

A desesperança tomou espaço. Afinal, após grandes mobilizações do #EleNão, o presidente foi eleito com toda sua mediocridade. Deu-se início à política de desmonte do Estado e das Políticas Sociais, tendo as mulheres como principais alvos. Colocaram Damares para nos tirar do prumo e do foco. As declarações em tons discriminatórios, machistas e circenses tomam conta das redes sociais nos obrigando a nos posicionarmos nesses espaços e nos perdemos numa chamada “cortina de fumaça”. Enquanto Damares dá uma de “boba da corte”, os “senhores corte” vão junto com Bolsonaro, tomando medidas de desmonte do país. Como nos movimentar de forma estratégica? É importante fazer algumas reflexões e autocríticas. Não reflexões motivadas pelo o que a direita e os conservadores falam dos partidos e dos movimentos. Mas, uma reflexão sobre o quanto a elite brasileira achou que perdeu no período de governo de esquerda e o quanto fez para retomar o posto de poder alinhando ódio, conservadorismo e falsa moral. Dessa forma, nada será considerado um absurdo, mas parte de um jogo, principalmente a manutenção de Lula na cadeia. Uma reflexão avaliando nossas reações a cada ação fascista é um exercício. A extrema direita pensa em perpetuar-se no poder político e nós precisamos ter a capacidade de entender cada movimento, buscando trabalhar uma ação para cada contradição, cada tropeço. O debate tem que ser permanente. Estar presente nas bases, levando pautas gerais e tratando das específicas ajudará a dialogar mais e melhor. O movimento de mulheres cresceu, mas precisamos de muito mais. Dar cada vez mais voz às mulheres, fazer da luta uma empolgante mobilização social. Tomar as redes sociais e as ruas. Fazer desses dois campos um palco de exposição das contradições e da mobilização de pessoas. Construir pequenos atos para alcançar melhor a periferia e adequar a nossa presença é importante. A ofensiva da direita apenas começou e promete ser grande e demorada. Nesse momento, é imprescindível colocarmos em prática a máxima: Ninguém larga a mão de ninguém.

• TIBURI, Márcia. Como conversar com um fascista: reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro (2018). Ed. Record
• BEARD, Mary. Mulheres e poder: um manifesto (2018). Ed. Crítica

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