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Avaliação do PL 4513/2020, de autoria da Deputada Ângela Amin (PP/SC), que institui a Política Nacional de Educação Digital

Para a CNTE, os conteúdos devem ser construídos de forma democrática e as plataformas educativas precisam ser públicas

Publicado: 29 Setembro, 2021 - 10h34

Escrito por: CNTE

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Avaliação do PL 4513/2020, de autoria da Deputada Ângela Amin (PP/SC), que institui a Política Nacional de Educação Digital e insere novos dispositivos na Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional (LDB)

1. Apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ainda em setembro de 2020 pela Deputada Ângela Amin (PP/SC), o PL 4513/2020 versa sobre a instituição de uma Política Nacional de Educação Digital e se inscreveu dentro das preocupações vigentes à época de fechamento de escolas da educação básica e de instituições de ensino superior, com o incremento e incorporação das aulas remotas mediadas por tecnologias e plataformas educacionais naqueles estabelecimentos educativos de nossos sistemas de ensino.

2. O contexto social e político à época, portanto, justificava as preocupações da parlamentar na formulação dessa proposição legislativa, que não se restringe somente aos aspectos atinentes aos ambientes educacionais, ao contrário do sugerido pelo nome dado à política proposta, mas que se ampara muito àquela destinação escolar.

3. O PL abarca 5 eixos e objetivos do que veio a denominar de educação digital, traçando para cada um deles estratégias prioritárias a serem perseguidas:
a. Inclusão digital, que tem como principal alvo o apoio às populações vulneráveis e excluídas do mundo digital;
b. Educação digital escolar, direcionada às atividades de ensino, a partir do letramento digital e das competências digitais em todos os níveis de escolaridade;
c. Qualificação digital, voltada à formação e treinamento da força de trabalho brasileira, empregada ou desempregada, com vistas à melhoria da empregabilidade do/a trabalhador/a;
d. Especialização digital, preocupada com o fomento de competências digitais no ensino superior, a partir da implementação de redes de programas de formação, fomento de cursos de mestrados e doutorados, além de implantação de laboratórios de inovação nas instituições de ensino superior;
e. Pesquisa digital, com o objetivo de assegurar a produção de novos conhecimentos a partir de políticas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em parceria com os setores privados do mercado e interação internacional com blocos de países ao redor do mundo.

4. Apesar desse caráter amplo apresentado no conteúdo do projeto de lei, que traz em si uma técnica legislativa e de própria redação muito sofisticada, o PL se debruça com especial atenção, a partir de sua leitura atenta, às questões educacionais no âmbito escolar. Indica (i) novas formulações pedagógicas no processo de ensino-aprendizagem, (ii) sugere o desenvolvimento de recursos educacionais digitais nos componentes curriculares e formativos, (iii) propõe formação de professores/as em competências digitais e uso de tecnologias a partir de programas a serem ofertados pelas secretarias municipais e estaduais de educação, (iv) aponta para o fomento do setor de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) junto aos/às estudantes, (v) sinaliza para a democratização dos meios digitais na aprendizagem e (vi) reforça a formação no ensino superior em parceria com empresas da área da digitalização industrial.

5. Na própria justificação apresentada pela Deputada Amin, as questões relativas à educação digital nos espaços educacionais ganham especial proeminência diante dos outros eixos apresentados no PL, além do fato de que a única área em que o PL indica alterações normativas em nosso ordenamento jurídico é a educação, a partir da inserção de novos dispositivos na LDB. Nada se propõe referente aos normativos do sistema público de emprego e renda no país ou da política industrial brasileira, o que seria natural se esperar diante dos outros 4 eixos apresentados como também objetos da política proposta.

6. Antes da análise de mérito do PL 4513/2020, cumpre informar que essa proposição legislativa foi indicada em sua tramitação para ter apreciação conclusiva nas comissões a que foi destinada: Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), Comissão de Ciência e Tecnologia (CCTCI), Comissão de Educação (CE), Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

7. Remetida a CTASP e indicado como relator nessa comissão o Deputado Rogério Corrêa (PT/MG) em março de 2021, o prazo de 5 sessões para apresentação de emendas a esse projeto, no âmbito dessa comissão, foi encerrado em 20 de abril, no aguardo, agora, do relatório do Deputado Corrêa. No último dia 31 de agosto, a Deputada Luísa Canziani (PTB/PR) apresentou um requerimento de urgência à Mesa Diretora da Câmara para a apreciação célere desta matéria, assinado por deputados/as e lideranças de vários partidos, inclusive pelo líder do Partido dos Trabalhadores naquela Casa legislativa. A Deputada Canziani é ardorosa defensora da educação domiciliar e é, atualmente, a relatora de proposição legislativa que trata sobre o assunto na Câmara Federal (PL 3.179/2012).

8. O requerimento de urgência 1757/2021 foi a votação no último dia 28 de setembro e, por 377 votos favoráveis à apreciação célere do PL 4513/2020 (Política Nacional de Educação Digital), foi aprovado em Plenário da Câmara Federal. Isso significa que a matéria deverá ser incluída na Ordem do Dia do Plenário e poderá ser votada a qualquer momento. Segundo o Regimento Interno da Casa, se o PL for apreciado e votado pelo Plenário da Casa, encerra-se a sua tramitação nas comissões.

9. Quanto ao mérito do projeto legislativo, cumpre destacar que o esforço aqui deve ser o de olhar a floresta para além da árvore isoladamente. É claro que o PL trata de questões centrais e pertinentes ao desenvolvimento nacional, mas não é possível enxerga-lo de forma indissociável ao contexto mais amplo de contingenciamento dos recursos orçamentários para a educação, e outras tantas políticas públicas afetas aos propósitos do PL, bem como ao ambiente de imposição da Reforma do Ensino Médio aos entes federados a partir da aplicação das diretrizes da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

10. O diagnóstico e proposições indicadas no PL correm o risco de não passarem de uma bela carta de intenções, porém, inócuas em sua efetividade normativa. É fundamental que o Brasil tenha uma política nacional de educação digital, em especial pelo momento de pandemia que, na educação, escancarou o abismo existente não só nos conteúdos e nas práticas pedagógicas amparadas em TICs, especialmente na escola pública de nível básico, como também no acesso dos estudantes e dos próprios trabalhadores em educação aos equipamentos de tecnologias remotas de ensino.

11. Em que pese propor em um dos seus eixos fomentar a inclusão digital, “com o objetivo de garantir que toda a população brasileira tenha igual acesso às tecnologias digitais para obter informações, comunicar-se e interagir com outras pessoas”, o PL não apresenta soluções viáveis para dirimir a enorme exclusão digital a que o país está submetido. Pesquisas estimam que mais de 20 milhões de estudantes matriculados no ensino obrigatório (4 a 17 anos) não tiveram contato às aulas remotas durante a pandemia por falta de computadores e internet de banda larga. E essa segregação (verdadeiro apartheid digital) constitui grave negação ao direito à educação durante a pandemia.

12. Nunca é demais lembrar que o atual governo brasileiro entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a implementação da Lei nº 14.172, aprovada em junho de 2021 e que dispõe sobre a garantia de acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e a professores da educação básica pública. Esta lei deverá contemplar mais de 18 milhões de estudantes e cerca de 1,5 milhão de professores das escolas públicas. O veto presidencial a essa importante legislação foi derrubado pelo Congresso Nacional.

13. Para a educação escolar brasileira, o PL parece se esforçar em pavimentar a implementação da Reforma do Ensino Médio e da BNCC, já que esses são dois modelos que se preocupam demasiadamente com a utilização das TICs no ambiente escolar. O primeiro se pauta na diminuição paulatina de conteúdos comuns e obrigatórios a serem ministrados aos estudantes. Ao atingir 4.200 horas curriculares (limite apontado na Lei 13.415), haverá no máximo 1.800 horas de BNCC (42,85%) e 2.400 horas de currículo diversificado (57,15%). E tanto a BNCC como os itinerários formativos poderão ser parcialmente ofertados a distância, de acordo com o parágrafo 11 do art. 36 da LDB.

14. Se, por um lado, a reforma do ensino médio desestrutura a oferta presencial nas escolas – sem ao menos garantir todos os itinerários em todas as escolas e municípios do país (lembrando que mais da metade dos municípios possui apenas 1 escola de nível médio) –, por outro, a BNCC se constitui numa simples carta de intenções curriculares que tende a desorganizar e suprimir conteúdos básicos nas escolas públicas, pois somente português e matemática serão exigidos nos três anos do ensino médio. A proposta de educação digital proposta pelo PL aqui em análise se presta a dar solução a essa demanda criada por essas novas legislações, particularmente nessa oferta, que se fará agora necessária, da educação à distância mediada por TICs e plataformas educacionais.

15. A resolução CNE/CEB nº 3/2018, que atualizou as diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio, criou uma enorme dicotomia entre a oferta presencial e a oferta à distância, além de pouco aprofundar as estratégias de utilização das TICs como metodologia de ensino auxiliar. O documento admite a oferta a distância em instituições públicas ou privadas (parceiras do poder público) de até 20% dos conteúdos da BNCC e dos itinerários formativos (no caso de estudantes matriculados em cursos presenciais) e até 80% nos cursos de EJA (Educação de Jovens e Adultos). Essa orientação, além de desvirtuar o debate sobre TICs e a necessária educação digital no ambiente escolar, contribui para desestruturar a concepção “curricular-pedagógica” necessária para garantir a integralidade da formação escolar. Trata-se de medida economicista que pretende esvaziar as escolas públicas, a fim de gerar menos despesas às administrações, comprometendo a formação dos estudantes das escolas públicas e o acesso desse público à universidade.

16. Ao propor o acréscimo de novos dispositivos no artigo 4º da LDB, o PL 4513/2020 converge, em grande medida, com todo esse ambiente proposto pelas novas legislações educacionais implementadas no país no período mais recente. Chama a atenção os objetivos descritos no inciso que o PL pretende incorporar no supracitado artigo da LDB, destacados os seguintes:

a. “formação de professores na aquisição do letramento digital e de capacidades para avaliar e introduzir novas tecnologias digitais em sua prática de ensino”
b. “melhoria da utilização de tecnologias digitais para fornecer oportunidades autênticas de aprendizagem experiencial”
c. “oferta de oportunidades de aprendizagem flexíveis e personalizadas para permitir que os estudantes tenham mais controle de sua progressão ao longo do curso”
d. “inclusão de inovações digitais nos processos de ensino-aprendizagem, de forma integrada, confiável e sustentável em plataformas digitais de aprendizagem abrangentes”

17. Na justificação do PL, assinado pela Deputada Ângela Amin, em que fica evidenciado a preocupação central do projeto em oferecer educação digital no ambiente escolar, a convergência de sua proposição legislativa com os novos normativos do campo da educação é explicitada na seguinte frase: “Do ponto de vista educacional, o desafio não é apenas garantir que os jovens desenvolvam as competências digitais necessárias, mas também colher os benefícios do uso pedagógico da tecnologia”.

18. Em outro ponto, o PL é justificado de forma mais explícita em seu intento prioritário de ingerência no campo pedagógico, em absoluta consonância com o proposto pela Reforma do Ensino Médio e a nova BNCC: “Este projeto de lei usa a expressão “educação digital” para destacar essas duas perspectivas diferentes, mas complementares: a aquisição e o desenvolvimento das competências digitais de estudantes e professores, por um lado, e o uso pedagógico de tecnologias digitais para apoiar, melhorar e transformar a aprendizagem e o ensino, de outro”.

19. Trata-se mesmo de um PL que dialoga de forma estreita com o proposto atualmente pelas legislações educacionais recentes brasileiras que, além de padecerem em sua fase de formulação da participação de um dos principais atores da comunidade educacional (os/as educadores/as), ainda se alinham com a proposição de que esses atores serão (e devem ser) alijados do processo de construção coletiva de qualquer proposta pedagógica: “Além da capacidade dos próprios professores de usar as tecnologias digitais, é importante sublinhar que a pedagogia é central: um professor não precisa necessariamente estar totalmente familiarizado com as tecnologias para usá-las de forma a melhorar a experiência de ensino e aprendizagem. Em vez disso, eles devem estar abertos a pedagogias inovadoras e compreender os benefícios que essas tecnologias podem trazer para seu trabalho”.

20. Por fim, cumpre destacar a defesa histórica dos princípios do setor educacional brasileiro, e também dos educadores e educadoras de nosso país, nesse debate que é tão importante, e que em absoluto não são contrários ao uso de tecnologias de informação e comunicação no processo de ensino, bem como à construção de uma política nacional de educação digital em nosso país.

21. Avaliamos esse PL a partir dessas perspectivas que já contam com um amplo lastro de pesquisas acadêmicas e práticas pedagógicas e que, por isso, podem e devem ser incorporadas na construção de uma Política Nacional de Educação Digital que, em nossa avaliação, não foram contempladas de forma satisfatória no PL 4513/2020, de autoria da Deputada Ângela Amin:

a. As TICs e a educação digital não constituem um fim em si mesmo e precisam ser adotadas como apoio aos conteúdos presenciais. Não pode haver dicotomia entre currículo presencial e atividades auxiliares (remotas) pautadas em TICs.

b. A escola básica pública precisa primar pela oferta presencial, a fim de garantir todos os elementos socioeducacionais e culturais que permeiam a educação de crianças, jovens e adultos. A convivência social é fator primordial para a formação da cidadania, especialmente para o respeito às diferenças. As TICs e a educação digital não devem jamais estimular
a oferta escolar à distância, pois esta não atende aos preceitos constitucionais da educação e à realidade da maioria dos estudantes brasileiros.

c. As TICs e a educação digital escolar devem ter seus conteúdos construídos de forma democrática e as plataformas educativas precisam ser públicas, podendo as universidades se incumbir dessa tarefa. O sigilo de dados dos usuários (atualmente expostos indevidamente na maioria das plataformas privadas em uso no país) não pode ser desconsiderado neste debate.

d. As TICs e a educação digital devem ser incorporadas à formação inicial e continuada dos profissionais da educação (professores, pedagogos e funcionários) e absorvida no projeto político pedagógico das escolas.

e. O Estado precisa garantir a formação dos profissionais da educação e fornecer todos os equipamentos e condições para o desenvolvimento das TICs e da educação digital nas escolas públicas brasileiras.

Brasília, 29 de setembro de 2021
Assessoria da CNTE