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Câmara dos Deputados aprova a regulamentação da educação domiciliar; a luta agora é para barrar a proposta no Senado

O homeschooling abrasileirado também anda de mãos dadas com o movimento retrógrado e que se autodenomina Escola sem Partido

Publicado: 20 Maio, 2022 - 00h55

Escrito por: CNTE

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A Câmara dos Deputados aprovou ontem (18) o texto base do PL 3.179/2012, com vistas a alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.090/90), a fim de dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica.

O projeto foi apresentado em 2012 e só se tornou viável a partir da eleição de Jair Bolsonaro. Em 2019, o governo apresentou projeto similar sobre o tema (PL 2.401/19), que tramitou apenso à proposta mais antiga.

Embora alguns países disponham desse tipo de oferta educacional, o caso brasileiro é marcado por peculiaridades que destacam pautas reacionárias de costumes e aprofundam a visão neoliberal na educação, reforçando (i) o preconceito social, de raça, de cor, de gênero e de religião; (ii) o negacionismo científico; (iii) o desrespeito aos profissionais da educação; (iv) os ataques à democracia e à cidadania; e (v) o esvaziamento do orçamento público, abrindo caminho para diversas formas de privatização da educação.

O homeschooling abrasileirado também anda de mãos dadas com o movimento retrógrado e que se autodenomina Escola sem Partido, estimulador da mordaça aos professores e que se presta a combater teorias pedagógicas (científicas) e conteúdos curriculares emancipadores. A dialética marxista e a identidade de gênero são os alvos centrais desse grupelho, que tem sofrido sucessivas derrotas no Supremo Tribunal Federal ao tentar emplacar suas teses sem fundamentos junto a sistemas escolares país afora. E foi nessa contingência de avançar suas pretensões sobre os sistemas de ensino, que passou a investir – com o apoio do governo federal – num sistema de ensino individualizado e promovido diretamente pelas famílias, que opta claramente por confinar e alienar crianças e jovens da convivência social e do conhecimento amplo.

Essa condição de apartheid socioeducacional não encontra guarida na Constituição Federal, que elegeu a cidadania, a solidariedade e o combate a todas as formas de discriminação como fundamentos e objetivos da Nação. E por isso não temos dúvidas de que a discussão de mérito da educação domiciliar, caso seja aprovada no Senado (e esperamos que a Casa revisora rejeite o projeto), ensejará o controle de constitucionalidade pelo STF, onde se espera reverter, em última instância, esse indesejável absurdo.

Desde o primeiro dia de governo, o presidente Bolsonaro elegeu a educação e seus profissionais como inimigos nº 1. E o homeschooling é mais uma batalha num setor onde continua imperando a falta de políticas efetivas para enfrentar os reais problemas da educação brasileira. O Plano Nacional de Educação com suas 20 metas foi abandonado pelo governo. Os sucessivos cortes na educação, na ciência e na pesquisa inviabilizam escolarizar a massa de estudantes ainda fora da escola – inclusive da educação obrigatória de 4 a 17 anos – e da Universidade. Continuamos entre os países da América Latina com menor taxa líquida de estudantes matriculados no ensino superior. E o homeschooling acaba operando como mais uma cortina de fumaça sobre esses temas que de fato necessitam de ações urgentes e contundentes do Estado.

Por outro lado, a adesão da Câmara dos Deputados a essa pauta reforça o caráter privatista e de esvaziamento das políticas públicas que tomaram conta do executivo e do legislativo federais, desde o golpe institucional de 2016. De modo que a educação domiciliar poderá representar menos investimentos públicos em infraestrutura e em contratação de pessoal nas escolas e em outras áreas de proteção da infância e da juventude no Brasil, indo ao encontro dos interesses do projeto neoliberal em curso.

O preço para a sociedade, especialmente para as atuais gerações de crianças, adolescentes e jovens, será cruel. Na mesma linha do que pretende a reforma do Ensino Médio, teremos menos escolas, menos profissionais da educação, menos condições para a aprendizagem de qualidade e menos perspectiva de futuro promissor, sobretudo para aqueles que já dispõem de tão pouco para enfrentar as desigualdades sociais que assolam o país desde a sua descoberta.

Por fim, a educação domiciliar traz consigo outro ataque perverso e misógino do governo e da Câmara dos Deputados às(aos) trabalhadoras(es) em educação, pois menospreza a qualificação profissional da categoria, composta majoritariamente por mulheres na educação básica (cerca de 80%). Nega a pedagogia como ciência! Mas nem isso, por mais grave que seja, supera os impactos negativos que a proposta impõe às crianças, adolescentes e jovens, que serão alijados de conhecimentos e práticas escolares fundamentais para a convivência social (plural), gerando, certamente, consequências futuras gravíssimas para a formação cidadã e para a consolidação de uma nação soberana, justa, solidária e democrática.

Como bem ensinou Paulo Freire, patrono da educação brasileira e diuturnamente atacado por esse governo obscurantista, “a educação é um gesto de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate, a análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”. E, à luz desses ensinamentos e inspirações, reiteramos o chamamento à luta contra a aprovação da educação domiciliar, agora no Senado, devendo o país se voltar para aquilo que verdadeiramente interessa à grande maioria da população, que tem vivido em carestia, muito, inclusive, pelo desamparo governamental durante a pandemia: é preciso investir na promoção da educação escolar pública, gratuita, laica, desmilitarizada e de qualidade social para todos e todas.

 

Brasília, 19 de maio de 2022

Diretoria Executiva