“Convenção 190: uma prioridade do movimento sindical mundial”
Amanda Corcino, secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, fala dos desafios para ratificar no Brasil a primeira definição internacional sobre violência e assédio no mundo do trabalho
Publicado: 13 Março, 2025 - 09h57
Escrito por: Redação | Editado por: Redação
A Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) traz a primeira definição internacional de violência e assédio no mundo do trabalho. A norma entrou em vigor em 25 de junho de 2021, dois anos depois de ter sido adotada pela 108ª Conferência Internacional do Trabalho da OIT, em Genebra, na Suíça.
Conhecida pela sigla C190, esta convenção está em processo de ratificação no Brasil: em 2023, o Governo Federal enviou à Câmara dos Deputados o texto para avaliação (MSC 86/23), que só poderá entrar em vigor após aprovação pelas duas Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado). Até o momento, 25 países já ratificaram a C190, sendo três deles da América Latina: Argentina, México e Uruguai.
Balanço divulgado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostra que ações envolvendo assédio moral e assédio sexual no ambiente profissional somaram 419.342 casos no Brasil, de 2020 a 2023. O volume de processos julgados sobre assédio sexual cresceu 44,8% no período, e os de assédio moral aumentaram 5%, segundo o Conselho Nacional de Justiça.
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino, eleita para ocupar um assento no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), vinculado ao Ministério da Justiça, falou à Revista Mátria sobre os desafios para ratificar a C190 no Brasil.
Revista Mátria – Qual a importância da ratificação da Convenção 190 para o combate à violência e ao assédio no trabalho no Brasil? O que isso representa para a classe trabalhadora?
Amanda – É o primeiro tratado Internacional que reconhece o direito a um trabalho sem violência e sem assédio. E, por mais que nós já tenhamos aqui no Brasil um arcabouço de leis que tratam desse tema, vimos retrocessos nos últimos anos com a reforma trabalhista, o que deixou a classe trabalhadora muito vulnerável, principalmente as mulheres. Considerando, ainda, que vivemos no Brasil, uma sociedade machista, marcada pelo patriarcado e a misoginia, as mulheres são as principais vítimas de assédio moral e sexual no trabalho. Nesse sentido, o tratado tem uma importância muito grande para prevenir e punir.
Como tem sido a mobilização para que a ratificação do tratado aconteça no Brasil? Quais os principais desafios desse processo?
Olha, tem sido uma luta muito difícil. Apesar de o Governo Lula já ter encaminhado o texto ao Congresso para ratificação da C190, o projeto está na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) e caiu nas mãos de um deputado da extrema direita, com ideias misóginas e machistas, que é o relator Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Por isso, estamos avaliando a melhor maneira de pressionar pela tramitação do texto, para que o projeto não saia desconfigurado. Estamos conversando muito com os movimentos sindicais e sociais para definir uma estratégia adequada, de modo que a ratificação não saia prejudicada.
Conscientizar e envolver a classe trabalhadora é parte desse desafio, então...
Sim... Entre os vários temas abordados na Campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, a Convenção 190 foi uma das pautas. A CUT, juntamente com suas entidades filiadas, se envolveu ativamente nesta campanha. Foram atividades como rodas de conversa, plenárias e debates, abordando os tipos de violência enfrentados pelas mulheres. Nesta campanha, sensibilizamos a sociedade e promover a implementação de políticas públicas em defesa dos direitos das mulheres.
Enquanto a ratificação não acontece, já é possível se antecipar de alguma forma?
Com certeza. Estamos orientando as entidades filiadas a incorporar conceitos da Convenção 190 nos acordos coletivos e negociações sindicais entre empregadores e empregados. Várias categorias estão conseguindo avançar bem nesse sentido, inserindo cláusulas para garantir que se tenha uma ouvidoria dentro das empresas e que se acolham as denúncias de assédio, além da implementação de comitê de avaliação dessas denúncias com garantia de punição para os assediadores, entre outras recomendações. Já tivemos acordos coletivos aprovados com essas cláusulas, vinculando algumas orientações da Convenção.
Como o setor empresarial tem recebido essa discussão sobre a C190?
Olha, de modo geral, eu entendo que o setor empresarial está reagindo bem porque está tendo uma mudança de cultura na nossa sociedade, né? Muitos manuais e códigos de conduta das empresas têm orientações específicas sobre o tema. Mas, claro, também há alguns setores em que se vê mais resistência, principalmente em empresas onde a quantidade de trabalhadores do sexo masculino é maior.
O Tribunal Superior do Trabalho julgou mais de 400 mil casos de assédio moral e sexual no trabalho nos últimos três anos, um crescimento de quase 45% no período. Qual o papel dos sindicatos para acompanhar essas denúncias?
A maioria das denúncias chegam até os sindicatos e elas têm aumentado, entre outros fatores, devido à maior conscientização das pessoas em relação ao tema. As pessoas estão se sentindo mais encorajadas, bem informadas, e entendem o que caracteriza um assédio dentro do ambiente de trabalho.
A C190 já foi ratificada em 25 países, sendo três deles da América Latina. A CUT tem se articulado com entidades sindicais internacionais para troca de experiências em relação ao tema?
Sim, nós tivemos um encontro recentemente, em dezembro de 2024, com a reunião de sindicalistas de toda a América Latina. O que temos aprendido é que não basta ratificar a C190, é necessário aprovar políticas públicas para que ela seja posta em prática. Percebemos que a C190 é uma prioridade do movimento sindical mundial. Vemos cada vez mais como necessária a participação das mulheres nos processos de negociação dos acordos coletivos. Para conseguimos avançar com a ratificação desta e de outras convenções – como a 156, que trata da "Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres" – as mulheres precisam estar presentes nessas negociações, afinal, por mais que a gente tenha haja companheiros progressistas homens, existem situações que somente as mulheres são capazes de perceber ou relatar. Temos que fortalecer e engajar a sindicalização feminina para que haja mais mulheres ocupando espaços de decisão.
Em 2024, a senhora foi eleita para compor o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Qual o balanço que você faz do primeiro ano no CNDM?
Nós pegamos um conselho desestruturado por causa da postura do governo anterior. Mas apesar das dificuldades, um marco importante é que conseguimos aprovar a realização da V Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que acontecerá em setembro de 2025. O evento será em Brasília, e a expectativa é receber cerca de três mil mulheres. A última edição foi realizada ainda na gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Nesse encontro, teremos oportunidade de traçar as políticas para os próximos anos.