Entrevista: João Monlevade fala sobre o reconhecimento dos profissionais de educação
A luta pelo reconhecimento dos funcionários como educadores teve início na década de 1990, após a unificação dos trabalhadores da educação básica na CNTE. Essa conquista social e profissional foi longa e enfrenta, até hoje, preconceitos e barreiras políticas e ideológicas. O professor João Monlevade é Sociólogo, Mestre em Administração Escolar e Doutor em Educação. Autor d...
Publicado: 10 Março, 2016 - 17h14
Escrito por: CNTE
A luta pelo reconhecimento dos funcionários como educadores teve início na década de 1990, após a unificação dos trabalhadores da educação básica na CNTE. Essa conquista social e profissional foi longa e enfrenta, até hoje, preconceitos e barreiras políticas e ideológicas. O professor João Monlevade é Sociólogo, Mestre em Administração Escolar e Doutor em Educação. Autor de várias obras sobre essa temática, ele tem apoiado o trabalho da CNTE com análises profundas dos sofrimentos, das lutas e vitórias dessa categoria. Após palestrar durante o Encontro Internacional de Funcionários/as da Educação da CNTE e IEAL (Internacional da Educação para América Latina) o professor concedeu uma breve entrevista, confira:
1. A CNTE é pioneira na unificação da luta pelos direitos de docentes e demais funcionários da educação. A entidade tem avançado, mas ainda enfrenta desafios. Na sua visão, qual o maior desafio dos sindicatos para incorporar os funcionários e dar visibilidade à categoria?
João Monlevade: Realmente existem muitas dificuldades, de um lado e do outro. De um lado, existe uma cultura de cinco séculos que faz com que haja uma mentalidade que dispensa a formação e a valorização de pessoas que foram escravas durante 350 anos. Do outro lado falta, por parte da categoria, um maior empenho em se aproveitar dos cursos profissionais hoje oferecidos. Em outras palavras, quem termina o ensino fundamental hoje, quem está na Educação de Jovens e Adultos, precisa reivindicar firme uma profissionalização nas quatro habilitações e nas outras quatro que estão sendo propostas agora para motorista de transporte escolar, auxiliares de creche, pessoal da jornada integral e também para os cuidadores de pessoas com deficiência.
2. Qual nomenclatura você defende para identificar os funcionários, profissionais, técnicos e administrativos da educação? Porque?
João Monlevade: No momento não defendo nenhuma porque estamos ainda num processo em que há, ao mesmo tempo, encontros e desencontros. Não se se vocês tem conhecimento, que a palavra professor é unimidade no Brasil, mas quando se chega na França tem “le professeur” no curso superior e “la instituteur” e “institutrice” na educação básica, e por aí vai: “maestro” no espanhol e “profesor”. A nomenclatura é consequência de um processo histórico de identidade, e a identidade dos funcionários ainda não está completamente acabada, aliás acho que nunca estará, mas de qualquer maneira não está num estágio em que a gente fique disputando nomes, quando existem na sociedade nomes consagrados. Por exemplo, a palavra ”merendeira” está muito mais no dicionário do que a expressão “técnico de alimentação escolar” que vai aparecer no diploma e que é apenas uma habilitação acadêmica, mas que não corresponde nem à função social e nem à nomenclatura dos planos de carreira. Então, como estamos no meio do caminho, o importante é por fogo na luta, aumentar a autoestima do pessoal e cultivar as competências para que eles e elas se afirmem e algum dia possam ter um nome que os agrade.
3. A terceirização e a instalação das Organizações Sociais (OS) são ameaças que a educação pública sofre atualmente. Como enfrentá-las?
João Monlevade: Isso foi um ótimo aprendizado aqui no nosso encontro. Duas pessoas fizeram colocações muito lúcidas sobre o fenômeno da terceirização e eu tentei resumir falando em “colchão econômico” e “colchão político” para superar, de forma falsa, os conflitos do capital e os conflitos da luta de classe. Então se terceiriza, por exemplo, para evitar que haja maiores investimentos e despesas e, principalmente, investimentos crescentes nos planos de carreira, pois a cada vez que o terceirizado tem sua carteira assinada por uma nova empresa ele volta a ganhar o salário mínimo, enquanto que alguém que está num plano de carreira vai ter um aumento substancial e uma progressão que vai necessitar de recursos para o fator trabalho e enfraquece o capital. Do outro lado, como denunciou, com muita clareza, a Josefa uma senhora simples que sofre na pele esse fenômeno: os políticos no Distrito Federal e não só lá, fundam empresas de terceirização para ter “curral eleitoral”. Eu conheço pessoas no Brasil, e acredito que não é segredo para ninguém, que tiveram que ser estupradas por dono de empresa de terceirização para continuarem empregadas como funcionárias dessas empresas. Então ela vende seu corpo para poder ganhar o pão que deveria conquistar com o ingresso numa carreira através de concurso público. Essa questão política só se vence pela luta da organização sindical, e a CNTE está de parabéns porque esse nome é muito bacana – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – isso nos une, professores, funcionário e todos nós.
4. Que mensagem gostaria de deixar aos participantes deste encontro?
João Monlevade: São duas mensagens bem práticas, a primeira na linha de organização, para que as pessoas cobrem o funcionamento das coordenações estaduais do Prófuncionário que é, no momento, o programa chefe de sua profissionalização. A outra é uma mensagem simbólica, porque os funcionários são invisíveis, subalternos, indefinidos, marginalizados e contra temos que utilizar simbolismos fortes e um deles é a questão da nomenclatura das escolas. Vamos lutar para eleger o nome das próximas escolas do nosso município alternando nomes de professores/as e funcionários/as, isso talvez mude a cultura, apresse a mudança e os funcionários passem a ser realmente protagonistas não só na sua escola como na própria sociedade.