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Entrevista - Ministra Luciana Santos | 'A ciência está de volta'

Publicado: 28 Fevereiro, 2023 - 18h46

Escrito por: CNTE

Engenheira eletricista, presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e longa carreira política, Luciana Santos é a primeira mulher titular do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil. Em entrevista exclusiva à revista Mátria, a ministra conta seus planos para retomar o protagonismo do setor, após quatro anos de negacionismo e desmonte orçamentário. Valorizar a ciência e seus pesquisadores, estimular a reindustrialização do país e o ingresso de meninas
em carreiras tecnológicas estão entre os desafios dessa nordestina, natural de Recife-PE, cheia de disposição:

Revista Mátria: A senhora é a primeira mulher na pasta da Ciência, Tecnologia e Inovação. Uma área, até então, restrita aos homens. Como encara esse desafio?
Luciana Santos: O cargo de ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, a primeira da História do País, é um dos maiores desafios da minha vida pública. Já ocupei  diferentes cargos ao longo da minha trajetória política. Fui, por duas vezes, prefeita de Olinda, minha cidade natal; deputada estadual e federal por Pernambuco; secretária de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente; e vice-governadora de Pernambuco. Agora, ao assumir o cargo de Ministra, chego com a missão de trazer a ciência de volta após quatro anos de negacionismo. Nosso objetivo é implementar uma vigorosa política de valorização e respeito à ciência e aos pesquisadores, de estímulo ao desenvolvimento
científico e tecnológico do País, de apoio à política de reindustrialização do Brasil e de trabalhar pela inserção de meninas e mulheres nas carreiras científicas e tecnológicas.

RM: Quais os seus planos para esse ministério?
LS: Primeiro, como eu disse, a ciência está de volta. Nos últimos quatro anos, a ciência brasileira viveu um verdadeiro apagão no seu financiamento. Estudos e pesquisas foram paralisados; laboratórios, institutos e universidades foram sucateados; pesquisadores foram afastados e perseguidos. Agora, estamos empenhados em recuperar o Orçamento do MCTI e liberar os recursos do FNDCT, que é o principal instrumento público de financiamento da ciência brasileira. Estamos retomando o diálogo com a
Academia, a comunidade científica e o setor produtivo. Relançamos a cooperação científica em alto nível com a Argentina e faremos isso com outros países.

RM: Tem algum projeto para despertar a curiosidade pela ciência nas meninas?
LS: Estamos construindo essa pauta dentro do MCTI e também com as unidades de pesquisa vinculadas. O Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste, o Cetene, criou o programa Futuras Cientistas, que, neste ano, foi realizado em escala nacional. É um programa que desperta o interesse e estimula a inserção de alunas e professoras nas áreas da Ciência, Engenharia e Matemática. É uma iniciativa importante para enfrentar a desigualdade de gênero que ainda persiste nas carreiras tecnológicas. Um exemplo a ser seguido.

RM: Na condição de mulher, que tipo de barreiras enfrentou, por exemplo, no curso de Engenharia Elétrica, na participação em movimentos estudantis e na militância política, áreas muito dominadas pelos homens?
LS: Eu comecei muito cedo. Fui militante no movimento estudantil, em 1984. Depois, fui presidente do Diretório Acadêmico de Engenharia e Computação da UFPE em 1985, dirigente do DCE e vice-presidente regional da União Nacional dos Estudantes de 1989 a 1991. Então, eu tenho uma vivência muito rica de participação política. Nem sempre foi fácil. Mas sempre busquei o bom combate. Sempre escolhi o caminho do diálogo, da convergência, e isso terminou me levando a ocupar cargos nos espaços de poder, o que é um sinal de amadurecimento do nosso país.

RM: Quais os desafios para a ciência depois de um governo negacionista e que via a ciência como um gasto desnecessário?
LS: Acho que o principal desafio, neste momento, é a recomposição orçamentária. Como eu disse, a ciência brasileira sofreu uma drástica redução de recursos federais e o
bloqueio do FNDCT. Com isso, as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação foram paralisadas ou desaceleradas, o que teve profundo impacto no desenvolvimento científico do País. Não há nação livre e soberana sem uma ciência forte. A ciência brasileira tem inestimável contribuição a oferecer para o enfrentamento dos grandes desafios nacionais, mas depende de financiamento robusto, contínuo e crescente. Outro desafio é o resgate da ciência. Já iniciamos esse processo com a indicação do professor Ricardo Galvão para a presidência do CNPq. Com esse anúncio, procuramos virar a página do negacionismo, inclusive o negacionismo ambiental, e exaltamos o trabalho desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, que é uma referência global no monitoramento dos biomas brasileiros, em especial, da Amazônia. Quero lembrar que o CNPq é a pedra fundamental do desenvolvimento científico do Brasil, e a nomeação de Ricardo Galvão para a presidência traduz a mensagem clara que queremos transmitir à sociedade brasileira: a ciência voltou a ter vez neste País.

RM: Duas cientistas brasileiras figuram entre os primeiros pesquisadores a isolar o DNA do vírus do COVID 19. Como a senhora vê esse posicionamento feminino no cenário científico mundial?
LS: Vejo como resultado do trabalho construído ao longo da História por muitas mulheres, que foram abrindo portas e garantindo o lugar de outras mulheres em todas as esferas. Infelizmente, a desigualdade de gênero ainda é uma realidade, não só na ciência. Por isso, a afirmação dos direitos das mulheres deve pautar a atuação de todos os agentes públicos de modo que elas tenham seus espaços no mercado de trabalho e na sociedade ampliados, e suas conquistas consolidadas.

RM: A senhora defende os direitos das pessoas com deficiência, assim como o aprendizado de tecnologia da informação para a população carente, entre outros projetos. De que forma, o Ministério da Ciência e Tecnologia pode auxiliar nesses dois temas, por exemplo?
LS: O MCTI possui o Sistema Nacional de Laboratórios de Tecnologia Assistiva, que reúne um conjunto de laboratórios, de caráter multiusuário e acesso aberto, direcionados à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico, à formação de capital humano, à prestação de serviços tecnológicos em tecnologiaassistiva. Para estruturar esse sistema, uma chamada pública foi lançada, em conjunto com o CNPq e a Finep, no valor de R$ 50 milhões. O objetivo é contribuir para melhoria da qualidade de vida, para o desenvolvimento da autonomia pessoal, para a inserção no mercado de trabalho e para a participação social das pessoas com deficiência, mobilidade reduzida, doenças raras e idosas, a fim de promover o pleno exercício da cidadania, de seus direitos e de sua dignidade. Em relação ao acesso das pessoas mais vulneráveis às Tecnologias da Informação, temos duas experiências inspiradoras que queremos aprimorar e expandir. Uma delas é o programa Embarque Digital, desenvolvido pela Prefeitura do Recife em parceria com o Porto Digital. Trata-se de um programa de formação técnica em nível superior na área de Tecnologia da Informação, com duração de dois anos e meio, voltado para os estudantes que tenham concluído o Ensino Médio na rede púbica. O objetivo é garantir qualificação profissional e ampliar a empregabilidade dos
jovens, além de fortalecer os ecossistemas de inovação do País. Outra iniciativa é a implantação de centros de inovação em escolas públicas, com laboratórios maker e de Tecnologias da Informação e da Comunicação. Esses centros serão abertos à participação da comunidade escolar e vão contribuir para a interiorização de projetos de inovação. 

RM: A carreira de cientista no Brasil é, muitas vezes, mantida por bolsa e auxílio, com valor relativamente baixo nos últimos anos, mesmo exigindo dedicação exclusiva e sem alguns direitos trabalhistas. Isso acaba sendo uma barreira para muitas pessoas. Como valorizar a carreira dos cientistas e torná-la mais inclusiva?
LS: Temos o compromisso de reajustar as bolsas de estudo e pesquisa da Capes e do CNPq, que não são corrigidas há 10 anos. Os percentuais estão sendo calculados, mas sabemos que essa é uma medida urgente, que deve ser anunciada nas próximas semanas pelo presidente Lula. Também envidaremos esforços para melhorar a infraestrutura de
pesquisa do País, articulando recursos do FNDCT para a aquisição de equipamentos e reformas nas instalações de laboratórios e centros de pesquisa. Temos muito trabalho pela frente, mas ainda maior é o nosso empenho em resgatar as políticas públicas e iniciativas de valorização da ciência brasileira.

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