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Entrevista - Teresa Leitão | Do quadro negro ao salão azul

Publicado: 01 Março, 2023 - 23h14

Escrito por: CNTE

A trajetória de uma sindicalista que saiu das salas de aula para chegar ao plenário do Senado

Eleita a primeira senadora da história de Pernambuco, com mais de 2 milhões de votos, a pedagoga Teresa Leitão ingressou na vida pública por intermédio do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), de onde partiu para exercer cinco mandatos como deputada estadual, além de uma longa trajetória na Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), onde foi Secretária Geral e de Assuntos Educacionais em três gestões da entidade. Por isso, seria impossível fazer uma revista sobre mulheres e educação sem abrir um espaço especial para uma entrevista com ela.

Teresa começou no sindicato, quando ainda nem existia o sindicato em Pernambuco. Porque participou da unificação das associações de professores, orientadores e supervisores educacionais do estado, que deu origem ao Sintepe. E, de cara, foi eleita vice-presidente da nova entidade de classe. Primeiro, por aclamação, depois por votação direta. Mas sua história de luta no Sintepe, ao longo dos anos, ainda lhe rendeu a presidência da entidade, por três mandatos consecutivos. E um de seus atos foi conseguir um assento do Sintepe na mesa do Conselho Estadual de Educação, no qual ela participou, como represente eleita, e pode interferir nas discussões sobre os conteúdos programático e os projetos pedagógicos do estado. Conselho, aliás, em que o sindicato tem assento regular, até hoje.

Agora, já como senadora, Teresa Leitão fez questão de receber a equipe de reportagem da Revista Mátria, para uma entrevista, nas instalações da CNTE, onde fez a sua história se confundir com a da Confederação-.

Revista Mátria: A experiência no sindicato ajudou em sua atuação na Assembleia Legislativa?
Teresa Leitão: Muito! No meu primeiro mandato, eu tive que cortar o cordão umbilical. Porque, depois de três mandatos como presidente, as pessoas se acostumam, né? Tudo era “Teresa”, “cadê Teresa?”, “no tempo de Teresa...”. Eu fazia muita pauta sindical que era de repercussão na Assembleia. Eu repercutia, ia para todas as atividades: assembleias, passeatas, acampamento. Eles, uma vez, acamparam, dormiram dentro da Assembleia para votar um negócio. E eu tive que comprar sanduíche para todo mundo. O presidente da Assembleia louco! E eu disse “pode ficar tranquilo, eu vou botar dois assessores lá e não vai acontecer nada demais”. Como de fato não aconteceu. Dormiram no plenário da Assembleia para abrir uma negociação. Nunca deixei de ter uma relação política importante. Projetos de Lei, emendas, audiências públicas... o Sindicato sempre contou comigo para tudo, nesses 20 anos.

RM: E quais são suas expectativas, agora no Senado? O que a senhora traz de bagagem que vai ajudar e o que pode ser diferente da Assembleia?
TL: Olha, diferente, eu acho que a própria configuração vai ser. E é, porque as tarefas do Senado são outras. Um senador ou uma senadora da República representa seu estado dentro da federação, então tem pautas temáticas, evidentemente, e eu quero continuar defendendo a pauta da educação, porque ela não é só um tema, é uma política estruturante, e eu quero defende-la nessa dimensão. A pauta dos direitos das mulheres também. É uma pauta que me foi trazida durante o mandato, que eu achava que o fato de eu ser mulher ia resolver e não resolve. E ao mesmo tempo a pauta da juventude, que eu achava que também viria por osmose, porque eu era professora e também me dava muito bem com os jovens, mas em pontos muito específicos. Esse tripé me acompanhou durante toda a minha trajetória de 20 anos de mandato, mas me debrucei muito sobre Economia Solidária também, pela relação com esse setor. Foi quando o governo Lula se elegeu. E eu tive a honra de me eleger no ano de Lula, em 2002. Então, a Economia Solidária foi trazida pela própria estrutura de um Ministério, e isso repercutiu muito. Então acho que isso vai me acompanhar, mas eu não vou representar uma categoria como eu representei lá, embora meu mote na campanha tenha sido “vai ter professor no Senado”. Mas sei que ser uma senadora da base do governo vai requerer muito mais habilidade do que ser de oposição. Nosso governo é um governo em disputa, que tem suas contradições, então é uma relação que a gente vai ter que construir com muito cuidado para avançar. A terra está arrasada, mas a gente não pode andar para trás.

RM: Quais são, na sua opinião, os desafios da educação hoje e que devem ser superados no Legislativo e no Executivo?
TL: Primeiro, é a discussão do Plano Nacional de Educação. O Plano tem uma carga de legitimidade muito grande, porque foi construído a partir de Conferências. Conferências municipais, conferências estaduais e a grande Conferência Nacional de Educação, com todos os setores da sociedade, sindicatos, organizações sociais, gestores, estudantes, representantes da iniciativa privada, todo mundo discutiu aquele plano, é um grande consenso. E foi engavetado por Bolsonaro. Foi no governo Dilma que ele foi sancionado, caminhou a passos muito lentos, mas Bolsonaro colocou uma pá de cal. Eu ouvi o ministro falar desse plano uma vez, quero que ele fale mais, porque não é um novo plano que vai ser feito. A gente tem um plano que tem prazo de monitoramento que não foi cumprido. E de revisão, essa sim vai ser feita no próximo ano. Então, vai nascer um novo Plano, mas a partir desse. As metas, as diretrizes, as estratégias eu espero que continuem, porque o plano é bom. Acho que esse dialoga com o Legislativo e o Executivo. E na esteira do Plano tem o Sistema Nacional de Educação, que o Plano indicava e não avançou. Tem dois projetos, inclusive, no Senado, que retrocedem na nossa visão e na nossa concepção de sistema. A pauta do Piso Nacional é importantíssima, porque a Lei do Piso foi uma conquista, o parágrafo que define o Piso é pedagógico, milimetrado, e mesmo assim prefeitos e governadores sempre colocam dificuldade.

Tem lá, dormindo, uma proposta de lei que precisamos derrotar, que é o homeschooling, o ensino domiciliar. E a própria relação da educação como educação pública. O novo Fundeb abriu uma portinha, e acho que o MEC tem que ficar muito esperto com relação a isso, porque começam conveniando determinados programas e, daqui a pouco, eles estão tomando conta de tudo, principalmente do pensamento. Houve uma modificação, ao longo do tempo, muito crucial; diretores de escola eram chamados de diretores de escola, aquele que dirige, aquele que coordena. Agora, nós somos chamados de gestores. Não é uma mudança só de semântica, não é uma simples troca de palavras, é porque a tese do gerenciamento, que quem faz é o gestor, ganhou força. Então eu acho que esse é um desafio muito grande. Como meus colegas do Senado vão enfrentar isso, eu não sei.

RM: Sobre educação inclusiva, essa sempre foi uma pauta da senhora. Teve uma mudança agora na Política Nacional da Educação Especial?
TL: Eu acho que a educação inclusiva não deve desprezar o atendimento especial. Agora, ela não pode apartar o estudante dos demais, como foi historicamente. Era sala de cegos, salas de pessoas com deficiência cognitiva, sala de surdos… eram as salinhas com o professor especial. Depois veio a figura do professor itinerante, um professor especializado em aulas para surdos ou cegos, e ele acompanhava esses estudantes na hora em que eles iam para a sala de aula regular, e davam algum suporte. Acabou o professor itinerante, aí os alunos eram incluídos, mas acabavam por ser excluídos se não tivessem acompanhamento especial. Eu acho muito ruim essas escolas apartadas, que tem gente que defende, a comunidade surda principalmente. Mas acho que falta muita estrutura nas escolas para incluir todas as formas de inclusão. E além dessa questão das pessoas com deficiência, tem a dimensão inclusiva do ponto de vista social mesmo. As populações periféricas, as crianças que não têm pai, que não têm mãe… Como é que a gente faz uma escola que chegue a todos? Também precisamos da escola inclusiva nessa direção e é fundamental que isso seja observado.

RM: Tem também a questão da merenda escolar no combate à fome. A senhora concorda que nos últimos anos nós andamos para trás?
TL: Totalmente. E com esse congelamento do per capita da merenda… A merenda, sem sombra de dúvidas, em muitas comunidades é a única refeição nutritiva, saudável para as crianças. É a maior e melhor refeição. Muitos chegam na escola sem tomar café. Então tem que ter uma atenção do ponto de vista da segurança alimentar. A merenda escolar tem que fazer parte da proposta de segurança alimentar.

RM: Falando sobre a questão da mulher na política, a senhora já foi vítima de violência política de gênero?
TL: Já. Primeiro que as pessoas dizem que eu sou “braba”. É sempre assim, ninguém diz que eu sou contundente. Se eu fosse homem, eu seria contundente. Também porque eu vim do sindicato e quem vem do sindicato sofre um certo preconceito. Eu acho que os preconceitos cresceram muito durante o governo Bolsonaro, a partir dele próprio e com os seus adeptos. Sempre se descobre algo nas mulheres que entram na política para descredenciar a sua atuação. Eu senti agora na campanha, por exemplo, uma coisa que eu jamais tinha sentido na minha vida, porque eu não vi os anos passarem: preconceito etário. Eu não vi os anos passarem, realmente eu não vi, porque quem trabalha muito não vê. Eu entrei aqui na CNTE, parece que foi ontem que eu estava aqui, com a mesma vontade de trabalhar, com a mesma pose, o povo diz: “menina, onde é que tu buscas tanta energia?”. Eu digo de quem trabalha, de quem tem uma causa, se reenergiza muito, mas agora, na campanha, a própria adversária, Marília Arraes, usou isso. Quer dizer, usou publicamente porque botou uma foto minha como uma velha mesmo, uma caricatura, e dizia nos bastidores, aí eu pergunto, “bom e Lula com 76 anos, não é idoso não?”.

RM: Está muito aquém o tamanho dos desafios para garantir mais espaço às mulheres na política?
TL: Está muito aquém! E é isso o que Lula está fazendo, de priorizar mulheres em Ministério, em Pastas importantes. Porque quando você chega, por exemplo, para discutir, também. Eu passei 20 anos na Assembleia Legislativa, a cada dois anos se renovam presidências de Comissão, então eu passei por 10 renovações de Comissões, só uma vez a Comissão de Constituição e Justiça foi presidida por uma mulher, que é inclusive a atual governadora. A Comissão de Finanças nunca foi presidida por uma mulher nesses 20 anos. Agora, vá para a Comissão de Educação, Saúde, Políticas Sociais, isso é coisa de mulher. Agora Finanças, Administração, Constitucionalidade, não, isso não é coisa de mulher. Mulheres podem ocasionalmente opinar.

Então, eu acho que é sem volta, esse caminho a gente conquistou, a duras penas e, quando uma chega, tem que ter essa consciência, como diz Michelle Bachelet, quando muitas mulheres entram na política, muda a política. E, se a mulher quiser, ela também muda na política, ela própria. Se ela não estiver ali só por um passatempo, ela muda, ela se autotransforma. Porque a política é um território muito árido.

RM: E a senhora mudou também?
TL: Muito, muito, muito, por conta desse tipo de relação. Eu comecei minha vida profissional trabalhando com crianças, era um romantismo e uma ingenuidade muito grande. Então, eu acho que o desafio dessa convivência, para nós mulheres, é muito difícil. Você tem que endurecer muitas vezes, sem perder a ternura, e sabendo que você não se representa. Se a mulher não tiver atenção para todas aquelas que vieram antes de si e abrir caminho para as que virão depois. Quando eu estava muito agoniada, eu ficava me lembrando de Adalgiza Cavalcante, a primeira mulher que assumiu uma vaga na Assembleia Legislativa, e foi cassada pela ditadura de Vargas. Ela era do PCB, ela era comunista. A primeira mulher foi comunista! Passados ao anos, a primeira senadora foi uma professora, a primeira senadora da República foi uma professora, eu estou estudando a vida dela para falar no meu primeiro pronunciamento.

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