MENU

Indígenas ainda são invisíveis nas escolas

Povos originários seguem excluídos de livros, materiais didáticos e das salas de aula

Publicado: 19 Maio, 2023 - 10h26

Escrito por: CNTE

WhatsApp Image 2023 05 19 at 9.10.28 AMWhatsApp Image 2023 05 19 at 9.10.28 AM

Apesar de quase duplicar sua população no país em pouco mais de uma década, segundo o Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 3 de abril - de 896 mil para 1.65 milhão de pessoas, os indígenas são ignorados pela base curricular brasileira.

A avaliação é do mestre e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo, professor de sociologia e Guarani Ñandeva, Emerson Souza - único professor efetivo na escola em que leciona, na Cidade Tiradentes, periferia de São Paulo

Para ele, até mesmo políticas públicas como a Lei 11.645/2008, que trata do ensino de História e Cuultura Afro-Brasileira e Indígena, têm sido negligenciadas.

“Precisamos descolonizar os currículos”, defende. “O modelo de ensino que adotamos ainda prioriza a matriz europeia, excluindo demais matrizes. Isso se reflete nos espaços públicos. Basta ver quantos indígenas temos na diretoria de ensino do estado de São Paulo”, acrescenta.

O QUE DIZ A LEI

Em relação à educação, a Constituição Federal diz que o ensino fundamental deve ser ministrado em língua portuguesa, mas é assegurada às comunidades indígenas também a utilização das línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

De acordo com o Censo Escolar de 2022, das 178,3 mil escolas de ensino básico, 1,9% (3.541) estão localizadas em terra indígena; e 2% (3.597) oferecem educação indígena por meio das redes de ensino. Voltadas ao ensino fundamental, são 1,95% (3.484 escolas) em territórios dos povos originários.

Quando o assunto é o recorte cor/raça, dentre as 72,5% das matrículas de alunos (em torno de 34 milhões) que trazem essa informação, 1% se declararam indígenas.

Para Souza, as dificuldades impostas à profissão de professor/a impactam ainda mais as populações que estão à margem da sociedade e enfrentam condições mais difíceis de progressão na pirâmide social.

Assim, ressalta ele, a extinção das políticas salariais e de evolução funcional dos educadores na rede pública, aliada à falta de uma base curricular capaz de permitir que a cultura indígena seja valorizada e à falta de apoio ao magistério afugentam os povos indígenas da sala de aula.

“A política de aumento por meio de subsídios rompe com a luta por melhorias salariais e a garantia de direitos. Perdemos, nos últimos anos, inúmeras conquistas por meio da política liberal que praticamente acabou com a valorização do salário base. Quando isso vem acompanhado do apontamento da diversidade indígena como algo inferior, temos um ambiente completamente desfavorável a nós”, explica.

MUITO ALÉM DA MUDANÇA DE NOME

Em fevereiro deste ano, no ápice da crise na terra indígena Yanomami, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) já apontava que o problema na região não era apenas a saúde e demonstrava preocupação também com a educação (https://www.cnte.org.br/index.php/menu/comunicacao/posts/noticias/75766-educacao-para-povos-indigenas-pede-socorro).

Na avaliação da confederação, os desafios vão desde a ausência de trabalhadores/as em número adequado, até a formação continuada, a falta de material didático específico e estrutura física. Segundo dados do Censo Escolar de 2021 (https://download.inep.gov.br/censo_escolar/resultados/2021/apresentacao_coletiva.pdf30%),
30% das escolas indígenas não tinham energia elétrica, 63% não possuíam água potável e o acesso à internet era disponibilizado para apenas 10% dos colégios localizados em aldeias.

Diante desses desafios, apesar de importantes, a recente mudança de nomenclatura da Fundação Nacional do Índio (Funai) para Fundação Nacional dos Povos Indígenas e a criação do Ministério dos Povos Indígenas serão insuficientes se não contarem com autonomia e recursos para políticas públicas.

Segundo ele, é preciso criar secretarias especiais dentro das secretarias de educação dos estados para pensar questões indígenas e mudar o currículo.

“Para descolonizar, não basta mudar o material didático, também precisamos transformar a forma como os professores agem, a geografia precisa contar a história dos povos indígenas como algo natural dentro da disciplina, por exemplo. Além de reorganizarmos a maneira como grandes universidades disponibilizam cursos voltados às populações indígenas e como discutem temas que nos afetam na graduação e na pós. Para isso, claro, deve existir política de formação para professores sobre a temática indígena”, defende Souza.