Internacional: Elas roubaram a cena
Publicado: 23 Março, 2016 - 11h10
Escrito por: CNTE
Num ano de puro protagonismo feminino, 2015 revelou-se especial para as mulheres: fruto do posicionamento da população feminina que foi para as ruas, invadiu os espaços virtuais e lançou questões nos meios de comunicação. Cada vez mais se ouviu falar em “novo feminismo” ou “quarta onda do feminismo”. Na rede mundial as hashtags se multiplicaram e alcançaram os toptrendings (mais replicados). Campanhas como #PrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto e #AgoraÉqueSãoElas se espalharam pela rede provocaram uma onda de reflexão e discussão sobre temas como assédio, abuso, comportamentos e discursos machistas de amigos, namorados, familiares e conhecidos.
Em âmbito nacional, o Movimento ElesPorElas (HeForShe), criado pela ONU Mulheres, em 2014, ganhou força, envolvendo homens na remoção das barreiras sociais e culturais contra as mulheres, e ainda auxiliando homens e mulheres a modelarem juntos uma nova sociedade.
Em abril de 2015, a ONU divulgou o relatório Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016: Transformar as Economias para Realizar os Direitos. A pesquisa constatou uma realidade: as mulheres fazem quase duas vezes e meia mais trabalho doméstico e de cuidados de outras pessoas não remunerados do que os homens e, no mundo, em média, os salários das mulheres são 24% menores que os dos homens na mesma função.
A situação da mulher por todo o mundo, os avanços, as lutas e as conquistas alcançadas em vários setores foram assunto de várias conversas que a Revista Mátria registrou com mulheres educadoras, de diferentes países, durante o 7º Congresso Internacional da Educação, em Otawa, no Canadá, com o tema “Unidos pela Qualidade da Educação - Educação melhor para um mundo melhor”. Todas apontam a violência contra a mulher como uma das maiores mazelas da sociedade atual. Acompanhe o que elas disseram:
Angela Wijesinghe, Sri-Lanka
Professora de química por mais de 20 anos, Ângela se filiou ao sindicato local em 1994. No Sri-Lanka, a educação é gratuita desde 1945, antes mesmo de o país se tornar independente, em 1948. Foi o primeiro a ter uma primeira ministra mulher e é comum que elas ocupem cargos de liderança. A presidente do Sri Lanka, por exemplo, é mulher: “Apesar de ser uma sociedade patriarcal, as mulheres sempre estiveram no comando”, brinca a educadora.Na avaliação dela, a educação gratuita ajuda as mulheres na luta pela igualdade de gênero, mas o maior desafio é diminuir a pobreza: “Ainda hoje a opção pela educação é para os meninos. As meninas ficam em casa para cuidar dos afazeres domésticos e ficam sujeitas à exploração e à violência”. Ela destaca ainda as leis “muito fortes” de proteção à criança, mas pontua que o país e a população enfrentam “o problema da implementação”. Segundo Ângela, “os sindicatos estão muito preocupados a respeito disso e temos que nos unir para pressionar o governo
pela implementação dessas leis”. A educadora acrescenta ainda que “ter a lei, entretando, não irá resolver o problema. É preciso erradicar a pobreza. Esse é um dos nossos desafios”, explica.
Marième Sakho Dansokho, Senegal
Marième aderiu ao sindicalismo ainda durante sua formação como professora de matemática, na década de 1980. Segundo ela, no Senegal “como por toda parte da África e do mundo, as mulheres são maioria, mas à medida que nós avançamos na hierarquia profissional, o número de mulheres em cargos de relevância diminui”, lamenta. No sindicato, igualmente, não há grande número de militantes mulheres ativas, o que faz com que, em muitos casos, não sejam numerosas nos postos de decisão. Para mudar isso, foi criado um comitê de mulheres na entidade.
De acordo com ela, a violência impacta diretamente na educação das jovens. “O matrimônio precoce se constitui em uma forma de violência e, na escola, professores que não são bem formados agem com violência contra as mulheres. Meu sindicato se forçou a desenvolver um programa de formação dos educadores e de sensibilização contra a violência na vida escolar”, relata.
Francisca Castro, Filipinas
“Para promover a igualdade de gênero, devemos trabalhar a formação de homens e mulheres, como pessoas. É preciso integrar essa dimensão de igualdade na formação, investindo em sistema de cotas e em políticas de paridade, garantindo a importância do papel da mulher no movimento sindical e dando a ela confiança em si mesma por meio de formação. Precisamos ser solidários. Assim podemos conseguir coisas melhores para todos”, acredita a educadora. A professora de matemática Francisca é filiada há 25 anos ao maior sindicato militante e progressivo de professores nas Filipinas, que tem cerca de 14 mil membros. Lá, as professoras são mães trabalhadoras que, na maioria das vezes, conciliam o trabalho na escola com o cuidado doméstico. “Por causa das condições de pobreza dos filipinos, as mulheres têm que trabalhar para alimentar a família. Precisam ter alguma ocupação profissional e ajudar também com o desenvolvimento da sociedade”, avalia.
Francisca esclarece que há, no país, leis de garantia aos direitos das mulheres, principalmente como mãe, porém muitas não estão implementadas: “Ainda temos de lutar pela condição básica da igualdade (entre homens, mulheres e pessoas com preferências de gênero diferentes), apesar das leis que deveriam proteger de assédio sexual e de outras violências, por exemplo”.
Na educação, Francisca lembra que a maioria das crianças vão para a escola, mas um número significativo está fora: “Também por causa da condição social e econômica das famílias e de nosso povo. Muitas crianças são, portanto, forçadas a trabalhar”.
Embora a educação, especialmente, a básica, seja compulsória e gratuita, ela explica que a conta termina alta para os pais, que pagam por transporte, uniforme e material didático. “Outro problema nas escolas públicas é a falta de professores e as salas de aula muito cheias”, conta. A federação à qual a professora e ex-diretora de um centro educativo Elbia pertence tem mais de 20 mil filiados no Uruguai, entre docentes e funcionários, e está completando 70 anos. Com 53 anos, ela começou na vida sindical muito jovem, no interior do país: “A ação sindical era diferente, uma vez que tudo estava concentrado na capital, o que tornava a situação muito difícil no interior, principalmente para a mulher. Tive muito mais limitações do que os homens”, explica.
Segundo ela, a jovem uruguaia possui hoje um perfil muito mais de desenvolvimento pessoal, profissional, do que o de ser mãe. “A mulher uruguaia é basicamente uma empreendedora, que alcança o que se propõe. Com o crescimento profissional e pessoal, ela vai além do que era antes: mulher de fulano, esposa de cicrano. Hoje em dia é um orgulho poder dizer que as mulheres têm seu próprio papel dentro da sociedade sem precisar estar vinculadas ao marido”, comemora. Entretanto, a violência de gênero continua presente: “Apesar dos avanços nas políticas públicas, persistem os casos de violência doméstica, com base no posicionamento da mulher dentro da relação e no item econômico. Algumas ainda pensam que não podem responder por elas mesmas se não estiverem ligadas a alguém e isso muitas vezes gera a violência doméstica”.
Dentro da federação, o desafio é estimular a participação das mulheres. Elbia conta que a federação tem atuação ampla e aborda o tema das trabalhadoras domésticas: “Avançamos quanto a seus diretos, como trabalhadoras e como mulheres. Estamos saindo de nosso universo e ingressando no trabalho como um todo”, anima-se.
Jane Eastman, Austrália/Canadá
Nascida e criada na Tasmania, Austrália, Jane, mudou-se para o Canadá, onde formou-se professora. Trabalhou com alunos do jardim de infância e tornou-se militante do sindicato local. Passou a trabalhar com crianças especiais e implantou o que virou o principal projeto de sua carreira: viabilizar programas para estudantes no ensino médio com diferentes necessidades de aprendizado. Como secretária geral adjunta da Internacional da Educação, foi responsável pela realização da primeira Conferência voltada para as mulheres. “Não foi fácil”, conta. A Conferência ocorreu em 2011 em Bancoque, Tailândia e precedeu o 6º Congresso Mundial, realizado na África do Sul. “As pessoas me disseram que foi um sucesso. Uma mulher da Austrália me disse que foi o melhor congresso que ela já havia estado. Fiquei muito feliz, porque não fui somente eu. Não foi um evento de um tiro só. A conferência foi parte do processo de construção e de conexão”, diz.
Como resultado, foi elaborado um plano de ação na Internacional da Educação e a igualdade de gênero foi institucionalizada como política mundial da entidade. Jane reconhece os avanços obtidos em relação à questão de gênero não só no Canadá, mas por todo o mundo, mas faz a ressalva de que “não é o suficiente e alguns dos desafios são os de sempre, como criar condições para que as meninas, com amplas chances de acesso, possam continuar sua educação e ter perspectivas que não seja casar ou ter filhos”, diz.
No Canadá, segundo ela, as mulheres têm mais formação do que os homens, mas no campo do trabalho, a lacuna de igualdade salarial de gêneros cresceu de 11% para 20%. “Mesmo num país onde temos os melhores programas e leis ainda persiste a desigualdade”, lamenta. Jane ressalta que de todos os problemas, “nenhum supera a violência contra as mulheres”.