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Mulheres indígenas | Ministra Indígena: nunca, antes, na história deste país

Publicado: 28 Fevereiro, 2023 - 12h27

Escrito por: CNTE

Um Ministério e uma Fundação nas mãos de duas mulheres representando seu próprio povo

No ano passado, durante a COP -27, no Egito, o recém-eleito, e ainda não empossado, Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva anunciou algo impensável para
quem viveu o pesadelo obscurantista dos últimos quatro anos: em seu governo, seria criado o então denominado Ministério dos Povos Originários. Naquele novembro,
quando fez o anúncio, Lula disse que criaria a Pasta para que os próprios indígenas garantissem segurança, paz e sustentabilidade.

Ao assumir, em 1º de janeiro, um dos primeiros decretos que assinou, no ato da posse, determinava a criação do Ministério dos Povos Indígenas, um sonho antigo da população originária, e um marco na história do Brasil.Para a pasta recém-criada, Lula convidou a deputada federal reeleita Sônia Guajajara, que se tornou a primeira mulher indígena a ocupar um cargo de Primeiro Escalão na Esplanada dos Ministérios. Dos 37 ministros de Lula, 11 são mulheres, um porcentual que ultrapassa até mesmo o governo Dilma Rousseff, e representa uma nova mudança no pensamento dos governos, que demoraram a assumir e permitir que mulheres ocupassem espaços de liderança.

Ainda mais mulheres que carregam dupla representatividade, como Sônia Guajajara. Sônia Bone de Sousa Silva Santos Sônia nasceu e cresceu na Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. Ela pertence ao povo Guajajara/Tentehar, é graduada em Letras e Enfermagem, pós-graduada em Educação Especial e é militante dos direitos dos povos indígenas e do meio ambiente. Em 2022, foi escolhida pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Sônia também tem voz no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

O Ministério nasceu com objetivos bem definidos, dentre eles, garantir e promover os direitos indígenas e proteger os povos isolados e de recente contato, além de avançar na demarcação de terras. Mas os desafios serão imensos, e Sônia parece estar muito consciente de sua grande missão. Jair Bolsonaro nunca escondeu de ninguém o seu apreço pelos garimpeiros, assim como o seu desprezo pelos povos originários, e seu governo fez o que foi preciso para garantir a invasão das terras indígenas pela exploração ilegal. E isso foi só o começo, o desmatamento aumentou, assim como as notícias de violência contra os povos originários.

Os órgãos de demandas indígenas, como a Funai, foram completamente aparelhados e os Conselhos Populares esvaziados, assim como os mecanismos e órgãos de fiscalização de atividade ilegal. A recente tragédia que atingiu o povo Yanomami e causou a morte de mais de 500 crianças indígenas por inanição, falta de insumos e de atendimento de saúde, mostrou para todo mundo o tamanho do descaso e da falta de humanidade do governo passado. Mostrou também o tamanho do retrocesso do Brasil nessa pauta.

O relatório produzido pelo Grupo de Trabalho de Transição, e entregue em dezembro do ano passado, aponta algumas das pautas que devem ser enfrentadas pelo governo e pelo Ministério, como a revogação do Marco Temporal, que é apontado como inconstitucional e diz que os povos indígenas teriam direito somente aos territórios ocupados até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Além disso, mais dez atos normativos devem ser revogados, antes dos 100 dias de novo governo, como o Decreto 10.965, por exemplo, que facilita a mineração em Terras Indígenas.

Nunca mais um Brasil sem nós!

Sonia Guajajara tomou posse como ministra dos Povos Indígenas no dia 11 de janeiro. Ao lado de Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada Marielle, que assume a Pasta da Igualdade Racial, afirmou, em seu discurso, que sua posse e de Anielle eram um símbolo da “resistência secular preta e indígena no Brasil”. Ela falou do preconceito que existe no imaginário do povo brasileiro contra os indígenas, “fruto do racismo, da desigualdade e de uma democracia de baixa representatividade, que provocou uma intensa invisibilidade institucional, política e social”.

Sonia lembrou dos desafios impostos pelo descaso do último governo, como os casos de intoxicação por mercúrio dos garimpos e agrotóxicos, as invasões de territórios
indígenas, as condições degradantes de saúde e saneamento, o aumento da insegurança alimentar e a desproteção dos territórios indígenas. A ministra ainda ressaltou que as terras indígenas são importantes contra o aquecimento global e pela preservação da biodiversidade, fundamentais também na interlocução e boas relações com outras nações do mundo.

“Nunca mais um Brasil sem nós!”, disse Sonia Guajajara, finalizando o seu discurso de posse. Na opinião do presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Amapá (Sinsepeap), Rosivaldo Marworno, pertencente ao povo Galibi-Marworno, o significado da criação do MPI, para os indígenas, tem um peso simbólico muito grande.
“É uma possibilidade de nos vermos nesse contexto de representação, com a certeza de que nossas pautas vão avançar”, comemora. “Esse Ministério representa tudo para nós. É uma marca na representação dos nossos povos, como nunca houve na nossa história, e com uma mulher indígena e conhecedora de nossas causas”, exaltou o sindicalista indígena.

Mulher no comando da Funai

Em 55 anos de existência, pela primeira vez a Funai será presidida por uma mulher. E uma mulher indígena chamada Joênia Wapichana. Ela não é nova na cena política, já
que foi a primeira deputada federal indígena do país. Joênia também foi a primeira mulher indígena a exercer a advocacia no Brasil; se formou em Direito pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e em Direito Internacional pela Universidade do Arizona (EUA).

Joênia nasceu na comunidade indígena Cabeceira do Truarú, na Zona Rural de Boa Vista (RR), e é reconhecida por sua longa trajetória em defesa dos povos indígenas,
tendo participado, inclusive, das negociações pela demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, homologada em 2005 por Lula. Ela também defendeu a reserva em
ação que culminou com a decisão do STF para que arrozeiros desocupassem a terra, em 2007.

Existe muita expectativa sobre a gestão de Joênia à frente da Funai, não só por se tratar da primeira mulher a assumir esse posto no órgão, mas também porque ele foi
totalmente esvaziado na gestão de Jair Bolsonaro. Mas o cenário de terra arrasada não desanima Joênia. Segundo ela, a luta dos povos indígenas nunca foi fácil e que eles vêm resistindo a um processo de colonização por mais de 500 anos

Indígena tem vez e tem voz

Para ela, estar à frente da Funai é a prova de que os povos indígenas são capazes de assumir espaços de representação e não precisam de tutela, como muitas vezes ainda
são enxergados. “Nós temos como missão viabilizar os povos indígenas com sua própria identidade, demandas específicas, cultura própria e direitos que já são reconhecidos na Constituição; além de lutar contra qualquer processo de assimilacionismo que vise apagar nossa especificidade”, declara Joênia.

“Ser representante disso é mostrar que ainda temos muito a avançar em termos de direitos. É necessário ainda trazer para nós uma série de programas e ações que nos tragam a reparação de tudo o que foi sofrido em muitos anos em relação aos povos indígenas”, completa. Joênia diz que os anos tenebrosos do governo Bolsonaro deixaram de lição a necessidade de continuar resistindo. “Também a resiliência, que nos ajudou a vencer os ataques de um governo anti indígena, e que só atacou nossos direitos. Somos capazes de estar à frente de qualquer espaço para defender nossos direitos. E, se temos essa capacidade, ainda temos muito a contribuir para o mundo”.

Joênia falou sobre os desafios a serem enfrentados também com relação à educação indígena. Ela acredita que essa área precisa ter um espaço próprio no Ministério da Educação (MEC), para que possa dar conta de preservar suas especificidades. “A Constituição estabelece e garante que as políticas públicas sejam específicas e reconheçam
toda a questão da educação escolar indígena, valorizando linguagem, ensino bilíngue e tudo o que a LDB já traz como obrigação do Estado brasileiro”, explica.

Wapichana vê a criação do Ministério dos Povos Indígenas como simbólica, no sentido de trazer os povos indígenas para uma posição de destaque no governo Lula. Ela pretende agir com a Funai em parceria com o MPI para executar e dar andamento a uma série de políticas e obrigações do órgão, que ficaram paralisadas durante o último
governo. “Vamos resgatar o que foi desmontado, buscar reestruturar a própria Funai e poder avançar nas políticas públicas que têm como órgão executor a própria Funai”, diz.

Como legado, Joênia diz que ainda é cedo para avaliar, mas pretende deixar essa certeza de que os povos indígenas merecem e devem estar em espaços de representação
e decisão. “Hoje, fazemos parte do governo Lula, dizendo que queremos colaborar, assumindo cargos e espaços, mostrando que temos interesse e capacidade. Mas não é só status, queremos condições de desenvolver um bom trabalho. A Funai precisa ser fortalecida, precisa de recursos, valorizar servidores e servidores indígenas.

Temos necessidade de recuperar a Funai. E eu fui indicada não só pela minha trajetória, mas também pela minha capacidade de representar os povos indígenas, com diálogo e representação”, explica a nova presidente. Hoje, existe quase um milhão de indígenas no país, divididos em 305 etnias, e que falam 274 línguas indígenas. Mais de 500 anos depois da colonização, esta é a primeira vez que se veem representados em um Ministério próprio na Esplanada e em sua própria fundação. Mais que isso, que sejam representados por duas mulheres, que lutam por visibilidade, direitos e espaço na nova história do Brasil.

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