NOTA PÚBLICA SOBRE O PL 2.531/2021
Os princípios da defesa do Piso Salarial Profissional Nacional para os Funcionários da Educação
Publicado: 23 Abril, 2025 - 12h04 | Última modificação: 23 Abril, 2025 - 12h21
Escrito por: CNTE | Editado por: CNTE

A CNTE é a entidade nacional de representação dos cerca de 4,5 milhões de trabalhadores e trabalhadoras em educação vinculados/as às redes públicas de ensino. Essa construção sindical foi consolidada em 1990, através da fusão das entidades sindicais que representavam o Magistério, os Especialistas e os Funcionários da Educação no Brasil.
Ao longo das lutas pelo direito à educação e pela valorização de seus profissionais, a CNTE se fez presente na Constituinte, entre 1986/88, no longo debate de regulamentação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), na aprovação dos Planos Nacionais de Educação, na conquista do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, na incorporação constitucional do Piso Salarial e das Diretrizes Nacionais de Carreira dos Profissionais da Educação, entre outras pautas de grande importância para a educação pública e seus profissionais.
No que se refere ao processo de valorização da categoria dos/as trabalhadores/as em educação, a CNTE foi a propositora social da Emenda Constitucional nº 53, que ampliou o antigo Fundo do Ensino Fundamental (Fundef) para todas as etapas e modalidades da Educação Básica (Fundeb), observando dois pilares da valorização profissional no artigo 206 da Constituição Federal:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
(...)
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Em consequência do novo texto constitucional, a LDB (Lei nº 9.394/1996) sofreu alterações no sentido de reconhecer e garantir a profissionalização dos Funcionários da Educação, através de duas leis específicas:
Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009)
(...)
III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim.
Art. 62-A. A formação dos profissionais a que se refere o inciso III do art. 61 far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação.
Em 2020, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 108 (Fundeb permanente), os Funcionários da Educação passaram a integrar o percentual mínimo do Fundo destinado ao pagamento das remunerações dos profissionais da educação (outra antiga luta da CNTE). Contudo, o piso salarial em âmbito do Fundeb se manteve restrito ao Magistério, cisão esta que precisa ser superada com maior visibilidade e reconhecimento dos Funcionários no contexto das políticas educacionais:
Art. 212-A, XII da Constituição: “lei específica disporá sobre o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério da educação básica pública;” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020)
Em 2021, a Lei nº 14.276, entre outras coisas, ampliou o rol de trabalhadores aptos a serem remunerados com os recursos da subvinculação do Fundeb, sendo ou não profissionais da educação. A CNTE é contrária a essa extensão da rubrica remuneratória, pois interfere na valorização profissional da categoria disposta no art. 61 da LDB. Além disso, conforme depreende-se dos trechos transcritos abaixo, a regulamentação do Fundeb ampliou o alcance do texto constitucional, que delimitou a utilização dos recursos do Fundo estritamente para a valorização dos profissionais da educação:
Art. 212-A, XI, CF-1988 – “proporção não inferior a 70% (setenta por cento) de cada fundo referido no inciso I do caput deste artigo, excluídos os recursos de que trata a alínea "c" do inciso V do caput deste artigo, será destinada ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, observado, em relação aos recursos previstos na alínea "b" do inciso V do caput deste artigo, o percentual mínimo de 15% (quinze por cento) para despesas de capital;” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020)
Art. 26, § 1º, II (Lei 14.113/2020) – “profissionais da educação básica: docentes, profissionais no exercício de funções de suporte pedagógico direto à docência, de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional, coordenação e assessoramento pedagógico, e profissionais de funções de apoio técnico, administrativo ou operacional, em efetivo exercício nas redes de ensino de educação básica;” (Redação dada pela Lei nº 14.276, de 2021)
Diante da legislação pátria até aqui analisada, temos dois comandos constitucionais sobre piso salarial (art. 206, VIII e art. 212-A, XII) e outros dois sobre profissionais da educação (art. 206, parágrafo único e art. 212-A, XI). No caso do Piso do Magistério, o Fundeb reconheceu sua vinculação ao Fundo público, de forma que o Piso dos Funcionários se pauta no comando do art. 206, VIII da Constituição.
Por princípio, a CNTE defende o conjunto dos/as “trabalhadores/as da educação”, assegurada a identidade profissional e o vínculo contratual com a educação pública. Outros profissionais que porventura prestem serviços às redes escolares e que são remunerados pela rubrica do Fundeb – tema passível de judicialização no Supremo Tribunal Federal –, não integram a categoria dos profissionais da educação, mantendo-se vinculados a suas profissões de origem.
Essa incursão na legislação é importante para delimitar o alcance do piso salarial dos profissionais da educação, ao qual, no caso do PL 2.531/2021, deve observar o inciso III do art. 62 da LDB, que trata do segmento específico dos Funcionários. E a legislação é clara ao dizer que serão considerados profissionais da educação os que, nela estando em efetivo exercício, tenham sido formados em cursos reconhecidos. E esses cursos, por seu turno, possuem uma base disposta no art. 62-A da LDB (conteúdo técnico-pedagógico), além de normatizações em pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação, a saber: Pareceres CNE/CEB nº 16/2005 e CNE/CES nº 246/2016; e Resoluções nº 5/2005 e nº 02/2016.
Para além da exigência de formação profissional, outra questão relevante a ser observada no processo de tramitação do PL 2.531/2021, refere-se ao financiamento do piso salarial pelos entes públicos. A Emenda Constitucional nº 128, de 2022, introduziu § 7º ao art. 167 da Carta Magna dispondo o seguinte:
“A lei não imporá nem transferirá qualquer encargo financeiro decorrente da prestação de serviço público, inclusive despesas de pessoal e seus encargos, para a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios, sem a previsão de fonte orçamentária e financeira necessária à realização da despesa ou sem a previsão da correspondente transferência de recursos financeiros necessários ao seu custeio, ressalvadas as obrigações assumidas espontaneamente pelos entes federados e aquelas decorrentes da fixação do salário mínimo, na forma do inciso IV do caput do art. 7º desta Constituição”.
O comando acima já vinha sendo empregado pelo STF em diversos julgamentos, inclusive da Lei nº 11.738 (Piso do Magistério), mas agora foi constitucionalizado. E o fato é que o PL 2.531/2021 carece de indicação precisa e suficiente das fontes de recursos para financiar o Piso dos Funcionários, visto que as atuais receitas do Fundeb e do total de manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) são insuficientes para honrar tal compromisso. Sendo assim, a União e eventualmente os entes subnacionais devem apontar receitas adicionais para o pagamento do novo piso, através de regulamento indicando as condições para o auxílio remuneratório, caso contrário a lei deixará de ser cumprida e a sua constitucionalidade será questionada no STF.
Por último há outro requisito a ser observado pelo PL 2.531/2021, qual seja, a iniciativa do projeto de lei que trata sobre remuneração de servidores públicos. O art. 61, § 1º, II da Constituição enumera as matérias cujas iniciativas são privativas do Presidente da República, entre elas:
“a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração”;
O trecho acima difere da alínea “d” do mesmo artigo da Constituição, que também mantém sob a chancela do Presidente da República os projetos que dispõem sobre “servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria”. Por se tratar de piso nacional com impacto em todas as esferas administrativas, e com aumento na remuneração de grande parte da categoria, compete ao Chefe do Poder Executivo da União, em diálogo com os demais entes subnacionais, propor a regulamentação do Piso Nacional para os Funcionários da Educação, além de apontar as fontes de receitas permanentes, além dos eventuais adicionais para garantir o cumprimento da Lei.
Diante do exposto, a CNTE reitera seu compromisso em defesa da imediata regulamentação do Piso Salarial Profissional Nacional dos Funcionários da Educação, já tendo cobrado do Ministério da Educação a instituição de Grupo de Trabalho para formular proposta de projeto de lei com a mensuração do impacto financeiro e a coresponsabilidade da União no cumprimento da legislação, o qual deve tramitar apenso ao PL 2.531/2021, sem prejuízo no decurso da tramitação. Essa condição atende as prerrogativas constitucionais de iniciativa e de apontamento das receitas suficientes para honrar a política pública. De outro lado, a CNTE também tem cobrado a publicação de Portaria Ministerial para consolidar a retomada do programa Profuncionário, com ampliação tanto da oferta dos cursos técnicos e tecnológicos nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, como em parceria com as redes públicas municipais, estaduais e distrital de ensino.
Para a CNTE, e à luz da legislação, é indispensável que o novo piso profissional atenda aos pressupostos da valorização dispostos no art. 206, V e VIII da Constituição, estimulando a ampliação dos vínculos efetivos de Funcionários nas redes de ensino e atrelando a remuneração mínima nacional aos vencimentos iniciais dos planos de carreira da categoria, tal como acontece no magistério. E para os/as atuais Funcionários/as que não cumprem os requisitos da profissionalização, é preciso conferir prazo para a conclusão da formação profissional ou dispor de emenda constitucional prevendo progressões de valores do piso por níveis de formação escolar, a exemplo do que dispõe o Piso da Enfermagem.
Sem essas condições, o PL 2.531/2021 corre sérios riscos de inconstitucionalidade ou simplesmente de não ser cumprido pelas administrações públicas. Além disso, a política pública estaria dissonante com o objetivo da qualidade da educação, para a qual também se volta a valorização dos profissionais da educação.
A CNTE apresentará as emendas necessárias para aperfeiçoamento do PL 2.531/2021em todas as fases do processo legislativo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a fim de garantir eficácia plena ao Piso dos Funcionários da Educação.
Brasília, 23 de abril de 2025
Diretoria da CNTE