Os confiscos e as supressões de direitos na reforma de Bolsonaro e Guedes
Publicado: 01 Setembro, 2023 - 17h20
Escrito por: CNTE
A Emenda Constitucional (EC) nº 103, promulgada ainda no primeiro ano do (des)governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), representou o maior ataque ao direito previdenciário no Brasil. Além de reeditar instrumentos de reformas anteriores, a EC nº 103 rompeu com a isonomia entre os regimes próprios de previdênciados servidores públicos (RPPS) das três esferas (fazendo com que cada um aprove suas próprias regras), unificou regras entre os regimes estatutários e o Regime Geral de Previdência Social – RGPS/INSS, desconstitucionalizou direitos, instituiu confiscos para aposentados epensionistas e penalizou em maior grau as mulheres, sob o argumento de possuírem maior expectativa de vida e desconsiderando a sobrecarga de trabalho doméstico e as desigualdades de gênero no mundo do trabalho.
Veja, na sequência, as principais mudanças impostas pela EC nº 103 aos servidores públicos federais e filiados/as ao RGPS/INSS, as quais estão sendo replicadas em grande parte nos RPPS de todo o país por meio de legislações aprovadas em cada ente público:
• Idade: aumentou de 60 e 55 anos, homens e mulheres, para 65 e 62 anos, respectivamente;
• Tempo de contribuição: passou de 35 e 30 anos, homense mulheres, para 40 anos,ambos.
• Tempo mínimo para o/a servidor/a acessar a aposentadoria:25 anos de contribuição(ambos os sexos), com10 anos no serviço público e 5 anos no exercício do cargo;
• Base contribuitiva: passou de 80% entre as maiores contribuiçõe spara 100% da média aritmética, a partir de julho de 1994, reduzindo os valores das aposentadorias e pensões;
• Remuneração: equivalente a 60% dos proventos aos 20 anos de contribuição, com acréscimos de 2% a cada ano extra trabalhado até o limite de 40 anos;
• Alíquotas de contribuição(ativos, aposentados e pensionistas):aumentou de 11% para 14%, em média, podendo a progressivida dechegar a 22%;
• Pensão: passou do teto do INSS acrescido de 70% da parcela excedente da remuneraçãodos/as servidores/as para 50% da remuneração +10% por cada cota familiar (no limite de 5 cotas), não podendo haver acúmulo entre aposentadorias e pensões,exceto para os cargos previstos na Constituição Federal.
Além de retirar direitos dos servidores, o parágrafo único do art. 34 da EC nº 103 estimula a migração dos regimes próprios para o RGPS/ dos regimes próprios para o RGPS/INSS. Por outro lado, o § 22 do art. 40 da Constituição passou a impedir a criação de novos regimes próprios no país, e a PEC 32/2020 (reforma administrativa) contém uma série de medidas voltadas à terceirização do Estado e à substituição do concurso público por contratos temporários – regidos pelo RGPS – que, se não forem barradasem definitivo no parlamento, poderão inviabilizar no médio prazo a sobrevivência de todos os RPPS.
As professoras foramas mais prejudicadas na reforma
O magistério em geral (público e privado; mulheres e homens) sofreu as maiores perdas com a reforma de Bolsonaro e Guedes, na esteira dos sucessivos ataques impostos à educação eà ciência durante todo o mandato do ex-presidente. A EC nº 103 extinguiu a redução do tempo de contribuição em 5 anos para os futuros cargosefetivos de magistério, devendo professorese professoras contribuir por 40 anos para terem direito a proventos de aposentadoria equivalentes a 100% da média de contribuições (o prejuízo para as professoras foi de 15anos!). Caso optem por reduzir em 5 anos a idade para se aposentar (direito“mantido” na reforma), os docentes regidos pela EC nº 103 poderão requerer a aposentadoria com 25 anos de contribuição (ambos os sexos), mas com apenas 70% dos proventos calculados sobre a média total do tempode contribuição (mesma regra válida para os demais servidores públicos,inclusive homens).
Para quem já estava no magistério público na data da promulgação da reforma, a EC nº 103 impôs regrasde transição bastante prejudiciais. Aprimeira opção cobra um pedágio de 100% sobre o tempo restante para a aposentadoria (ex: professora que faltava 3 anos para se aposentar teráque trabalhar mais 3, totalizando 6 anos), além da necessidade de comprovar 52 anos de idade. A segunda regra transitória exige a somatória da idade mínima de 52 anos e do tempo de contribuição mínimo de 25 anos, devendo, porém, o resultado da soma desses dois fatores (idade e tempo decontribuição) alcançar, em 2023, o total de 85 pontos para as professorase de 95 pontos para os professores. A cada ano essa pontuação aumentaráaté atingir 92 pontos para as professoras e 100 pontos para os professores, em 2030.
Lembramos, porém, que os regimes próprios dos estados, DF e municípios podem estabelecer regras permanentes e transitórias mais vantajosas para seus filiados/as, a exemplo do que já ocorreu em alguns casos. Os horizontes para a lutados/as aposentados/as.
A atual composição do Congresso Nacional, majoritariamente neoliberal, não permite alcançarmos a revogação completa da EC nº 103. Assim sendo, a CNTE, a CUT e outras centrais sindicais e entidades de servidores das três esferas esperam poder negociar com o governo e o parlamento revogações pontuais na reforma que impuseram grandes sacrifícios aos atuais e futuros segurados, sobretudo aos aposentados e pensionistas. Sendo que os confiscos, seja através do aumento das alíquotas para 14% em média, seja pela incidência de descontos abaixo do teto do INSS (a partir de 1 salário--mínimo), ou ainda a possibilidade de cobranças extraordinárias para reduzir eventuais déficits são as principais questões que necessitam de alteraçõe simediatas.
Também lutaremos pela ampliação de direitos, como a expansão da aposentadoria do magistério para pedagogos efetivos em cargos exclusivos de orientação, coordenação,direção e outros suportes pedagógicos à docência, nos termos da PEC573/2006, em tramitação na Câmarados Deputados.Outra frente de luta tem se dado através do Poder Judiciário, ondea CNTE e outras entidades tentam barrar pontos da EC nº 103. Contudo,até o momento, a maior parte das ações não logrou êxito. E, caso essa tendência se mantenha, não restará alternativa senão engrossar a luta para exigir mudanças no CongressoNacional e nos parlamentos locais. Em São Paulo, por exemplo, os servidores públicos conseguiram implementar alíquotas progressivas, a partir de 11%, com incidência para aposentados e pensionistas somente acima do teto do INSS – o que representou uma conquista diante da ECnº 103. Lá, o argumento decisivo foi a ausência de déficit previdenciário no regime próprio. Eis aí uma estratégiaa ser observada em outros locais, até que as mudanças mais profundas e desejáveis sejam alcançadas paratodos/as.
Eduardo Ferreira : Assessor jurídico e político da CNTE, atua nas áreas do direito à educação, financiamento e servidores públicos.