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Pandemia - Órfãos da Covid-19 podem ter danos psicológicos e econômicos

Publicado: 02 Março, 2022 - 18h07

Escrito por: CNTE

De acordo com pesquisa britânica são mais 130 mil crianças e adolescentes nesta situação no Brasil

Giovanna Gomes Mendes da Silva tinha 19 anos quando perdeu o pai e a mãe para a doença que ainda assola todo o planeta; a Covid-19. A jovem, de agora 20 anos, protagonizou um dos momentos mais comoventes da CPI da covid, no Senado Federal, em outubro do ano passado, quando em seu depoimento fez o intérprete de libras parar a transcrição por não conseguir conter a emoção com o relato da menina, que além de perder os pais, ainda ficou responsável pela guarda da irmã, à época com 10 anos.

“Eu, meus pais e minha irmã éramos muito unidos. Quando meus pais faleceram, a gente perdeu as pessoas que a gente mais amava”, contou Giovanna à CPI. “Eu vi que precisava da minha irmã e ela precisava de mim. Eu me apoiava nela e ela se apoiava em mim. A partir dali, vi que eu não poderia ficar mais sem ela”, completou a jovem chefe de família que, para cuidar de sua irmã, necessitava de doações de parentes. “Passamos a não ter nossos dois pilares e não ter quem nos ajudasse”, explicou.

Atualmente, Giovanna recebe a pensão que seu pai deixou, mas ainda necessita de complemento dos avós e dos tios. Além disso, um dos maiores suportes que recebeu chegou em suas mãos por meio de uma vaquinha virtual, feita com o objetivo de dar às meninas um futuro, além de sustentá-las por alguns meses. Outras vítimas da Covid também vêm sendo auxiliadas por voluntariados ao redor do país, o projeto “Mães que Acolhem” é uma dessas iniciativas. Criada por três amigas, em Jundiaí (SP), a ação vem ajudando diversas famílias que ficaram com complicações econômicas e psicológicas após suas perdas.

Na opinião de Giovanna, o governo deveria dar um suporte financeiro aos órfãos da Covid-19 como, aliás, sugerem diversos projetos de lei que tramitam no Senado e na Câmara. Para ela, o valor seria uma forma de garantir a essas crianças se estabelecer na vida: “sem que a perda as paralise”, explica. “O governo poderia, de cara, fornecer logo um apoio psicológico. Eu e minha irmã tivemos, através de uma amiga da minha mãe que se dispôs. E isso fez toda a diferença”, complementa.

 Verdade e consequência

Assim como Giovanna e sua irmã, existem mais de 130 mil órfãos, que perderam pai, mãe, avós ou todos os parentes para a Covid-19 no Brasil, de acordo com pesquisa publicada pela revista científica britânica The Lancet.

A pesquisa ainda adverte as possíveis consequências negativas dessas perdas nas crianças e adolescentes: “Mortes de pais ou cuidadores aumentam os riscos de problemas de saúde mental; violência física, emocional e sexual; e dificuldades econômicas da família”, revela a pesquisa. “Essas experiências adversas aumentam os riscos de suicídio, doenças infecciosas, como HIV/AIDS, gravidez na adolescência e doenças crônicas”, completa. Evasão escolar também é uma possível consequência apontada pelos pesquisadores.

O luto nas crianças e adolescentes

De acordo com a psicóloga Rafaela Roncatto, pós-graduada em Luto, pela Universidade de Caxias do Sul (RS), a morte dos pais é uma das experiências mais impactantes que crianças e adolescentes podem vivenciar. “Com os pais, morre também a ilusão de onipotência em um momento que ela é necessária como fonte de segurança”, enfatiza.

Rafaela explica que, entre os aspectos mais observados no comportamento das crianças em luto, estão a negação, a agressividade e a culpa. Elas podem tratar seus colegas com hostilidade ou tratar seus brinquedos com violência. A forma pela qual agirão diante da morte é particular, além disso, a duração e a intensidade dependerão da sua personalidade, assim como o vínculo afetivo com a pessoa perdida e o apoio dos demais familiares/responsáveis que a cercam.

“A maneira mais assertiva e mais indicada, além de todo o apoio familiar, é também a busca por profissionais preparados para acolher a situação e preparação dos mesmos à vida adulta”, conclui a psicóloga. Para ela, a ajuda psicológica pode promover alguns suportes que favorecem recursos internos possibilitando, ao enlutado, a elaboração do luto, assim como um sentimento de acolhimento, de se sentir compreendido e seguro em um momento de desamparo e incerteza.

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