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Segurança | Como discursos extremistas estimulam massacres em escolas

Publicado: 28 Fevereiro, 2023 - 19h08

Escrito por: CNTE

Nos últimos 20 anos, o Brasil registrou 12 atentados em escolas de diversas regiões do país. De acordo com um levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz, todos os assassinos envolvidos nesses ataques tinham algo em comum: todos eles eram alunos ou ex-alunos de cada uma das instituições nas quais aconteceram os crimes.

A pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de Brasília (UnB), Tânia Montoro, aponta que a frequência desses crimes está diretamente relacionada à legitimação do uso de armas no país, nos últimos anos. “Estudos apontam que, quanto mais se estimula a disseminação de armas, mais há presença de crimes juvenis”, explica. O dado dialoga com o estudo do Instituto Sou da Paz: em 50% dos casos, as armas vieram da casa dos atiradores.

Somente no estado do Espírito Santo, ocorrem dois ataques em um intervalo de três meses, em 2022. A Polícia Civil capixaba afirmou que os dois atentados às escolas foram casos isolados. Entretanto, uma parcela de estudiosos sobre o tema argumenta que é urgente a criação de um serviço de inteligência para prevenir os ataques que, segundo eles, possuem as mesmas motivações.

Essa é a opinião de Michele Prado, pesquisadora de temas relacionados à radicalização online e extremismo. Para ela, os atentados ocorridos no Espírito Santo não são casos isolados. “Ambos são frutos da radicalização online e de um ecossistema digital que aglutina, desde misoginia extrema, antissemitismo e nacionalismo branco, até neonazismo e violência extrema”, afirma a pesquisadora. Para ela, os meios de captação, onde circulam os conteúdos, não estão apenas na deep web, como muitos imaginam.

“Nas redes sociais mais recorrentes, na superfície da Internet, encontramos conteúdos com discurso de ódio”, comenta. Essa opinião também é compartilhada por Tânia Montoro. “O pensamento da rede social é binário: sim e não. E essa percepção da realidade sem complexidade estimula os extremos e, consequentemente, sociedades mais radicais”, aponta Tânia.

Professora há 32 anos, no estado do Paraná, Eunice Siqueira* foi vítima de ameaças, por parte de um ex-aluno, em novembro de 2021. Na ocasião, ela sofreu ofensas, até
então anônimas, em um aplicativo de mensagens. A apreensão bateu à porta quando soube que a mãe de um aluno estava preocupada, pois o filho estava recebendo mensagens de um colega de sala de aula, com conteúdos ameaçadores a Eunice e a um colega de turma homossexual.

“Eu fiquei bastante assustada”, conta Eunice. “O aluno citava armas e tiros nos áudios”, lembra. A professora conta que chegou a procurar a direção da escola, que ignorou a
gravidade da situação. Questionada se sabia dos motivos que levaram o ex-aluno à atitude, Eunice acredita que se trata dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula. “Sempre
trabalhei, em sala de aula, questões relacionadas a direitos humanos, homofobia, racismo, violência contra as mulheres. Nas falas contidas nos áudios, havia conteúdo homofóbico, acredito que isso tenha gerado a sequência de ações”, sugeriu.

Para Tânia Montoro, a radicalização é um processo sobre o qual incidem tanto fatores individuais quanto vetores sociais mais amplos. No caso específico da radicalização
online, a livre com circulação de conteúdos extremistas que, muitas vezes, vêm dissimulados na forma de memes, vídeos com humor e outros conteúdos nocivos, como
teorias conspiratórias, leva principalmente jovens a consumir, cada vez mais, materiais do mesmo teor, promovendo então uma radicalização gradual, podendo chegar ao
extremismo violento. “Faz parte da juventude sair do padrão, a buscar os extremos. Entretanto, o que estamos vivenciando é a mudança nas formas de violência. Estão testando a passagem da fronteira”, assegura.

Na opinião de Michele Prado, uma das principais características do extremismo violento de direita é não ter uma hierarquia vertical e centralizada ou filiação formal a grupos extremistas e terroristas. O planejamento, de acordo com a pesquisadora, é majoritariamente individual. “Mas eles mencionam seus planos e desejos para outros do ecossistema digital, da subcultura online na qual estão inseridos”, explica. Nesse contexto, pedem dicas, postam instruções para tornar armas mais letais, como fabricar
bombas caseiras, onde adquirir material, como executar o maior número de vítimas. “Alguns manifestos de terroristas de extrema direita, que são postados e disseminados
nessas subculturas online extremistas, exercem papel tanto para produzir imitadores como manual de instruções”, completa.

Eunice, como em inúmeros casos envolvendo ameaça a professores, ficou com a saúde prejudicada. “Fiquei dias com medo, sem comer, sem dormir, sem interagir com
ninguém”, lembra a professora. O quadro ficou mais sensível depois de reiteradas recusas da direção escolar em se envolver nos episódios. “O diretor, extremamente machista, dizia que não iria colocar o nome do colégio no lixo por causa de uma pessoa com mania de perseguição”, conta.

Atualmente, o ex-aluno está matriculado em outra escola, por iniciativa do pai. “Se dependesse da direção, o aluno estaria lá até hoje”, desabafa Eunice. O apoio para ela
superar a situação veio de dentro da estrutura familiar, de poucos colegas, incluindo o presidente da APP Regional (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), além do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher.

Motivação Misógina
Diversas pesquisas apresentam marcadores que indicam uma intersecção direta entre ecossistemas digitais de misoginia e o extremismo violento ideologicamente motivado. De acordo com Michele Prado, a misoginia extrema não é apenas uma porta de entrada para outras crenças extremistas e ideologias nocivas, mas está diretamente interligada a elas. Ela explica que, em manifestos, parte relevante é dedicada a reproduzir conceitos de misoginia extrema. “Por exemplo, circula nas redes a ideia de que mulheres controlam o mundo e o feminismo seria uma invenção de um suposto complô ‘globalista, liberal, judeu’ para emascular os homens e destruir famílias.

Já na subcultura Incel (abreviatura da expressão em inglês ‘involuntary celibates’ ou celibatários involuntários), ocorre a crença em teorias de darwinismo social, racismo científico, teses pseudocientíficas de psicologia evolutiva e biologia evolutiva para respaldar a misoginia extrema e uma visão de mundo profundamente pessimista”, explica

*Por segurança, o nome da professora foi alterado para garantir o anonimato de todos os envolvidos

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