Um marco histórico para os palestinos
Falastine Dwikat chamava a atenção durante a Marcha de Abertura do Fórum Social Mundial Palestina Livre (FSMPL) em Porto Alegre (RS). Com um hijab (lenço usado pelas muçulmanas para cobrir o cabelo) azul, óculos escuros e a característica bolsinha de pano carregada pelos participantes dos fóruns, a jovem usava todo o fôlego para gritar palavras de ordem contra a ocupação isr...
Publicado: 10 Dezembro, 2012 - 16h47
Escrito por: CNTE

Falastine Dwikat chamava a atenção durante a Marcha de Abertura do Fórum Social Mundial Palestina Livre (FSMPL) em Porto Alegre (RS). Com um hijab (lenço usado pelas muçulmanas para cobrir o cabelo) azul, óculos escuros e a característica bolsinha de pano carregada pelos participantes dos fóruns, a jovem usava todo o fôlego para gritar palavras de ordem contra a ocupação israelense em territórios palestinos.
A Marcha foi realizada em 29 de novembro, Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Cerca de dez mil pessoas reuniram-se no centro da cidade e partiram em direção à Usina do Gasômetro, às margens do lago Guaíba.
Os manifestantes carregavam cartazes, bandeiras e símbolos para denunciar a violência sofrida pelos palestinos. Falastine sustentava uma faixa pedindo um boicote contra Israel e também um sorriso esperançoso. "Ficamos honrados de ter o Fórum dedicado exclusivamente à questão palestina, porque isso é crucial para palestinos e não palestinos. É uma luta global contra todas as formas de opressão", diz a jovem palestina.
Muito distante dali, a 8,2 mil quilômetros, em Nova York, ecoavam mais pedidos por uma Palestina Livre. Nesse mesmo 29 de novembro, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, solicitava na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) o reconhecimento do Estado palestino. Por 138 votos favoráveis, nove votos contra e 41 abstenções, as nações concederam à Palestina o status de Estado observador.
Na capital gaúcha, os participantes do Fórum souberam da aprovação enquanto a marcha estava em curso. Muitos ativistas subiram no caminhão de som para saudar a decisão em seus discursos. Árabe, português, inglês, espanhol, eram muitas as línguas, mas todas traziam a mesma mensagem: a Palestina tem que ser livre, e os palestinos, soberanos em seu território.
FSM Palestina Livre
Cerca de seis mil pessoas participaram do Fórum Social Mundial Palestina Livre, realizado na capital gaúcha entre 28 de novembro e 1º de dezembro. Cerca de 300 organizações de 36 países integraram as atividades do fórum temático, que contou com conferências, oficinas, seminários e ações autogestionadas. A programação descentralizada ficou concentrada no centro da cidade. A Usina do Gasômetro, local mais tradicional dos fóruns, recebeu a Casa Palestina, um espaço para celebrar a cultura dos palestinos.
A realização do Fórum foi considerada a primeira vitória das organizações, já que não faltaram dificuldades para concretizá-lo. Entidades ligadas a comunidades judaicas manifestaram-se repetidas vezes contra o Fórum, alegando que o encontro incentivaria o "terrorismo". O próprio Ministério Público do Rio Grande do Sul, que cederia espaços para o FSMPL, retirou seu apoio faltando pouco mais de uma semana para o início, alegando não querer se "vincular" a "um evento que não propõe a paz".
Apesar das tentativas de frustrar a iniciativa, o Fórum pôde ser realizado, e com grande sucesso, como avaliam as entidades participantes. Para o presidente do Centro Cultural Árabe Palestino do Rio Grande do Sul, Nader Alves Bujah, o Fórum representa o início de um movimento internacional para buscar mecanismos concretos em favor do povo palestino. "O Fórum é o inicio de uma jornada, e é depois dele que começa o trabalho", afirma.
Filho de um palestino e de uma brasileira, Bujah considera eventos do tipo uma oportunidade para as pessoas conhecerem mais a realidade de quem vive nos territórios ocupados. "A mídia convencional, que geralmente é controlada pelo outro lado ou por amigos desse outro lado, não tem interesse em mostrar o que ocorre na Palestina", diz.
Apoio brasileiro
Também filho de palestinos, o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Elayyan Aladdin, considera que o Fórum ganha ainda mais importância por ter se realizado no Brasil. "Isso é muito importante para nós, brasileiros de origem palestina. O Brasil pode ter um papel fundamental no fim dessa ocupação militar e no reconhecimento do Estado da Palestina", avalia.
O apoio brasileiro foi destaque e motivo de agradecimento constante durante o Fórum. O representante de Mahmoud Abbas no FSMPL, Nabil Shaat, ressaltou a solidariedade e a compreensão do Brasil em relação à causa palestina. "Vocês são os representantes mais inclusivos da humanidade. Vocês reconhecem que não é só caso de falta de leis, é de implementação das leis", disse. Em seu pronunciamento na primeira conferência do evento, ele chegou a sugerir o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para chefiar uma comissão de negociações rumo à efetivação do Estado palestino.
Shaat frisou ainda que será necessário todo o apoio na efetivação dos direitos do povo palestino que, há décadas, sofre a violência de Israel. Ele frisa que, atualmente, 600 mil colonos israelenses estão em territórios palestinos ocupados. No entanto, as dificuldades crescentes não serão obstáculo para a vitória dos palestinos. "Nós nunca desistimos, esse é o problema do povo palestino. Nós, palestinos, temos essa doença crônica que se chama esperança. Arafat [Yasser Arafat, presidente da Organização pela Libertação da Palestina, morto em 2004] dizia que somos uma montanha que não há vento no mundo que a sacuda", declarou.
Da cidade de Beitunia, na Cisjordânia, Ribhi Dola foi a Porto Alegre para acompanhar as atividades do Fórum. Ele é prefeito do município, que possui 30 mil habitantes e que, desde 1967, está sob domínio israelense. Para ele, o encontro é uma oportunidade de repudiar as violências israelenses e mostrar a força dos palestinos. "Enquanto existir ocupação, vamos lutar e sobreviver até o fim", promete. O FSMPL teve o apoio dos governos federal e do Rio Grande do Sul. Segundo a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, o Brasil mantém uma posição "coerente ao reconhecer o direito dos palestinos sobre seu território. "Os confrontos e os ataques são absolutamente desnecessários diante da possibilidade de uma resolução efetiva e uma definição de territórios para cada um dos povos", afirmou.
Reconhecimento
O reconhecimento do Estado palestino em 29 de novembro deu ao Fórum um caráter histórico e foi celebrado por diversos ativistas. Para a presidenta da Campanha de Libertação dos Cárceres Israelenses, Abla Sa'adat, o resultado é fruto da luta dos palestinos e significa um grande avanço. "Qualquer decisão em favor da causa palestina é um ganho político internacional. Esse reconhecimento do Estado palestino fortalece outras resoluções sobre a questão palestina", pondera Abla, que também é esposa do ativista e atual preso político Ahmad Sa'adat.
A recente aprovação representa um novo capítulo para o povo palestino na luta pela criação de seu Estado. Até então, a Palestina era representada na ONU pela Organização para Libertação da Palestina (OLP), com status de entidade observadora. Agora, como Estado observador, os palestinos podem integrar órgãos ligados às Nações Unidas, mas ainda não podem votar. O embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Al Zeben, afirma que, a partir de agora, é preciso trabalhar para garantir a posição de membro pleno das Nações Unidas. "O maior objetivo é acabar com essa ocupação israelense e levar israelenses e palestinos a conviverem em paz e harmonia", projeta.
Israel logo mostrou sua insatisfação com o resultado. Em represália, o governo do país anunciou, no dia seguinte à decisão, a construção de três mil casas para colonos judeus em territórios ocupados da Cisjordânia e em Jerusalém oriental. Em seguida, o ministro das Finanças de Israel, Yuval Steinitz, informou que o país não irá transferir para os palestinos os fundos arrecadados no mês com impostos, e que o dinheiro será usado para amortizar da ANP com a companhia de eletricidade israelense.
Para o presidente do Centro Cultural Árabe Palestino do Rio Grande do Sul, essa postura evidencia que Israel não está disposto a colocar fim ao conflito. "Eles [israelenses] nunca vão concordar com o Estado palestino, a não ser que seja o Estado que eles querem. Israel é um estado de apartheid, onde a minoria que controla a maioria", acusa Nader Alves Bujah.
Aumentar a solidariedade
Diante dos próximos desafios, as organizações brasileiras prometem aumentar seu apoio à causa palestina. Para o integrante do setor de Relações Internacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Marcelo Buzetto, o consenso entre as diversas entidades sobre a questão facilita esse processo. "A solidariedade concreta do povo brasileiro com o povo palestino tem se intensificado. A luta de solidariedade ao povo palestino no Brasil está atingindo um grau de apoio muito grande entre os movimentos", diz.
Para a presidenta do Conselho Mundial da Paz (CMP) e do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Socorro Gomes, o Comitê Estado da Palestina Já (que agrega 60 organizações) sai fortalecido do processo e consciente das próximas missões. Os planos, segundo ela, incluem ampliar o número de atividades da articulação, além de estender a proposta para todos os estados e para outros países.
"É um sentimento muito forte o da solidariedade, que perpassa todos os movimentos sociais não só do Brasil, mas do mundo inteiro", enfatiza.
Foi esse sentimento que levou um grupo de cinco jovens da Tunísia ao fórum temático. "Essa não é uma causa só dos palestinos, é uma causa da humanidade, e devemos estar unidos em todo o mundo", propõe a sindicalista Feryel Charfeddine, de 25 anos.
No início de 2011, a população tunisiana destituiu o presidente Zine El Abidine Ben Ali, dando início à chamada Primavera Árabe. Para Feryel, é a luta contra a opressão que tem motivado todos os povos da região. "Temos que defender a causa humanitária e os direitos das pessoas. Na Tunísia, na Palestina, no Líbano ou na Síria, o importante é as pessoas viverem em paz".